segunda-feira, 28 de maio de 2007

O MILAGRE DO « Snoopy »

A história verídica que se segue, foi-me descrita por um amigo que muito admiro e conservo há mais de 40 anos, Amilcar Carlos, um apaixonado pelas ciências, pela música e pelos animais. Quando ainda na Escola Primária e, durante alguns anos, teve vários e complexos problemas respiratórios, mas tudo conseguiu superar, embora ainda hoje considere ter havido uma certa "magia" na sua cura...

Ele sempre viveu no Algarve, em Faro e vim encontrá-lo, como radioamador, com indicativo CT1TO, em 1968. Desde aí, nunca mais nos separámos e sempre fomos bons amigos, embora nem sempre estejamos de acordo nos assuntos versados.

O Editor : Mário Faria (CT1DT) e-mail:
ct1dt@sapo.pt

Amilcar Cerina Padesca Carlos, hoje com 60 anos.

Aqui vai o seu admirável escrito, transbordando de amor pelo seu cãozinho.

Isto aconteceu há uns 5 anos.

Uma tarde, após chegar da praia e já em casa, o cão muito encalorado dirigiu-se logo para a cozinha onde tinha o bebedor com água; notei então que o bichinho estava numa aflição e há mais de 5 minutos a tentar beber água e não o conseguia. Toda a noite foi um desassossego com ele a tentar beber e nem com a nossa ajuda conseguia.

Ao fim do 3º dia e a notar que ele estava a ficar muito magro e debilitado, verifiquei que ele não conseguia fechar o maxilar nem deglutir, portanto, nem líquidos nem alimentos.



"SNOOPY" o meu adorado cão.

Fomos ao veterinário e após radiografias, análises e mais estudos veio o veredicto: inflamação nos trigémeos. Normalmente após a cura o nervo fica afectado e não volta a comandar o maxilar; portanto na opinião dele o melhor seria abater o animal porque iria sofrer bastante e não havia cura.

Ele estava com 2 ou 3 anos e nós já o adorávamos; viemos para casa muito desanimados e nessa noite dei por mim abraçado à Paula ambos a chorar com tão más perspectivas.

Tomámos a resolução de o internar num hospital veterinário e o alimentar a soro enquanto não decidíamos o que fazer (a Paula buscava incessantemente na Internet mais informação acerca da doença dele) .... A veterinária que o acolheu era uma moça nova muito linda e simpática e fiquei com muito boa impressão dela e pedi-lhe para fazer tudo para salvar o animal.

Todas os dias de manhã e à tarde,(nas horas permitidas das visitas),íamos buscá-lo para o levar a passear num campo relvado que ele muito adorava e estava habituado e, lá andava eu com um frasco de soro na mão para o alimentar pelo tubo, e ele a andar com dificuldade pelos caminhos que dantes o fazia em alegre correria e sempre aos saltos por cima das ervas e flores para não as machucar, coisa que as pessoas sempre admiravam.

Aliás ele sempre foi o "ai Jesus" de quem o via pois além de bonito mais parece um borreguinho saltitão e na praia a perseguir as motas de água e os windsurfs é sempre filmado pelos turistas e ainda hoje o é. Curiosamente há tempos, num monte alentejano um pastor queria trocá-lo por dois borreguinhos; « Nem por todo o rebanho», disse-lhe eu ...

Bem, para ajudar a veterinária que fazia por ele o que podia, fui à net pesquisar a maleita e então recebi um feed-back duma universidade de S. Paulo que entreguei à médica e avançamos com o tratamento.

Isto durou cerca de 1 mês; depois de acabado o tratamento teve alta e veio para casa entubado e alimentávamo-lo com uma espécie de papa muita liquida com uma seringa, através do tubo cosido no focinho; ainda hoje tem as marcas dos pontos.

Um dia, talvez depois de cerca de 3 meses deste tratamento, e já sem esperanças de recuperação, ao visitar uma senhora amiga, nova, angolana e muito bonita, que lhe passou uma mão sobre o corpo várias vezes e sempre, ao que parecia, rezando uma lenga-lenga estranha, às tantas colocou no chão o Snoopy e, enquanto conversávamos, na sala ao lado, ouvi um barulho e fui espreitar; e lá estava ele todo em esforço e a tentar comer a comida dos gatos dela...esticava-se todo e muito furioso por não poder mastigar... então reparei que ele, naquele preciso momento, começou a beber a água do recipiente dos gatos da senhora e a comer furiosamente a ração deles...

Era difícil de calcular a nossa alegria... Chegados a casa, ele atirou-se logo para o leite, água e ração que lhe deitei no comedor e sofregamente tudo comeu !

Peguei nele e todo contente levei-o à clínica, onde a tal linda veterinária lhe retirou o tubo e fizemos uma festa pela cura; ela confessou-me que nunca acreditou muito na cura pois normalmente isto é irreversível e tem de se abater os animais.

A tal senhora, onde se deu o "milagre" dele começar a comer, está convencida de ter sido mesmo um milagre pois ela estava a rezar por ele para que se curasse e, naquele preciso momento!

Sempre que recordo o episódio, fico com os cabelos em pé....

Bem se pode calcular a nossa alegria e a partir daí, talvez agradecido, ele segue-me como uma sombra por onde quer que eu esteja (por vezes e, quando passamos junto à clínica agarra-se a mim com as patinhas e todo ele treme como varas verdes) mas tem sido um companheirão o que por vezes até é demais e faz-me transtorno, especialmente quando vou a sítios onde ele não pode entrar, por causa das novas "leis" de agora, tão restritivas para os animais...

sexta-feira, 25 de maio de 2007

E AS DORES FORAM-SE EM 15 MINUTOS

" De médico e de louco, todos temos um pouco" (II)

Estávamos em 1970, quando trouxemos para a nossa companhia, uma avó da minha esposa, a D. Rosa, porque estava sozinha e muito aflita com dores no centro das costas e já há muito tempo.

O seu médico, Dr. Alves Ventura, já a conhecia desde há mais de 30 anos e sabia que os analgésicos, lhe davam cabo do estômago e, por isso, não lhe podia fazer mais nada. E, pior, como sabia que ela tinha bons pulmões e coração, iria ter sempre, muito tempo de dores para aturar...

Aquilo era demais para mim, ver a pobre velhota de 87 anos, rebolar-se com dores e em todas as posições !

Esta D.Rosa, já trazia com ela e desde há muitos anos, mais de 30, um grande padecimento de violentas dores de cabeça e imensa prisão de ventre, e o seu médico só lhe dava analgésicos.

Um dia, um seu sobrinho, que estava no fim do seu curso de medicina, o Dr. José Isidro dos Santos, numa visita de cortesia que lhe fez e vendo-a assim tão aflita, resolveu pô-la a café com leite e pão integral, durante uns dias, pensando que poderia haver rejeição às carnes e peixes, aos assados e refogados, etc.

Só que a boa senhora, sentindo-se muito aliviada dos seus padecimentos, nunca mais se alimentou de outra comida, a não ser alguma fruta, e sopa, e, para toda a sua longa vida... embora sob protestos do seu sobrinho José, que sempre a informava de que deveria alimentar-se de outras comidas, o que nunca conseguiu...

Um dia, de contacto via rádio, com um velho médico do Cartaxo, Dr. Fragoso de Almeida, que tinha o indicativo de CT1PK, como radioamador, de quem era muito amigo, perguntei-lhe se as ondas de rádio não poderiam aliviar a velhota das suas dores, mas ele me disse que, com aquela avançada idade, ela deveria estar cheia de "bicos de papagaio" por toda a coluna, mas se não melhorassem, também não lhe faria mal.

Como a minha vida sempre foi dedicada à electrónica, lá me resolvi construir um pequeno gerador de ondas de rádio e fui, mais a minha mulher, arrancar a velhota da cama, onde ela se encontrava toda encolhida e a colocámos numa cama que tínhamos no outro extremo da casa, à laia de marquesa.

A minha ideia, era fazer uma "coisa" que ligada ao gerador, obrigasse o corpo da velhota a "chupar" aquelas ondas, como se tratasse dum "mata-borrão". Ou seja; o corpo dela, deveria fazer parte do gerador, pelo menos no sítio onde mais lhe doía. Eu já havia lido muitas coisas sobre a fisioterapia por Ondas Curtas, em obras de 1939 e 1953, e o assunto muito me aliciava.

Ela se queixava do meio das costas e realmente lá tinha um inchaço com mais de 15 centímetros de extensão, que lhe apanhava várias vértebras e que muito lhe doía, ao tocar-se. Por isso, nem se podia assentar em lado algum, com as costas encostadas, nem mesmo sobre almofadas.... Aquilo era demais !

Assim, coloquei-lhe a "coisa", uma placa especial, por mim desenhada e construída, que mais parecia um livro de cheques, sobre a zona dolorosa e observando se o corpo estaria a "absorver" bem aquelas ondas geradas, e recomendei à senhora, que só deveria sentir uma ligeira temperatura, o que veio a acontecer uns minutos depois. Antes que aquecesse demais, diminuí, de imediato, a potência para cerca de 10 Watts.

No fim de 15 minutos, retirei a "placa" e, quando íamos a pegar a velhota, para a voltar a levar ao colo, para o seu quarto, ela sacudiu-nos as mãos e sem necessitar de qualquer ajuda, assentou-se na cama, levantou-se direita e com grande sorriso estampado na sua enrugada face, disse, que só podia ser milagre, pois as dores tinham desaparecido !

Olhei, estupefacto, para minha mulher que também não conseguia entender o que se estava a passar e lá vimos a velhota a ir por seu pé, pelo corredor fora, indo-se assentar num cadeirão do seu quarto, pegando numa renda e começando logo a trabalhá-la, enquanto continuava a dizer baixinho, "isto só pode ser milagre, só milagre !" .

"Agora sim..." dizia ela, "até já me posso encostar sem dor alguma "... e assim ficou todo o dia.

Aquilo era demais para o meu entendimento e no fim do dia, voltei a contactar o médico, pela rádio, contando-lhe o acontecido, mas que eu pensava ser "fita" da senhora, talvez por se sentir mais acompanhada e acariciada.

Aí, o Dr. Fragoso logo me ensinou que ninguém se queixa, sem razão e que ela tinha reagido muito bem àquela sessão de ondas de rádio, pelo que estava de parabéns.

No dia seguinte, fui convidar a idosa senhora, para a continuação do tratamento, a que ela logo se propôs, mas logo acrescentando que se ficasse assim como estava, já estava muito feliz e, mesmo sem ajuda alguma lá se veio deitar, sozinha, na marquesa para nova sessão.

Logo de imediato, constatei que não havia vestígios do inchaço que ela tinha na véspera, e comprimindo com um dedo, todas as vértebras da cabeça à zona sacro-iliaca, a velhota não acusava dor alguma, mas mesmo assim, repeti a exposição às ondas de rádio e por ali ficou, pois nunca mais necessitou de novas sessões, só vindo a falecer 15 anos depois, já com 95 anos.

Lembrei-me agora desta história, por ter lido nas Selecções do Reader's Digest de Junho deste ano de 2007, um artigo muito interessante sobre o ataque à dor, intitulado "Porquê têm eles de sofrer ?" e onde pude constatar que modernamente, se estão a usar em Portugal, as Ondas de Radio para tratamento, pelas mãos do Dr. Alexandre Teixeira, na sua clínica privada.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

UM ENFERMEIRO em miniatura


Episódio "1"

A maravilhosa Lagoa das Sete Cidades, na ilha de S.Miguel, nos Açores, poderá parecer, a quem nunca lá esteve, de que será um charco rodeado de montanhas, mas observando bem esta foto, logo se pode constatar pelo casario à esquerda, de que tem uma dimensão enormíssima, de quilómetros quadrados, e se trata dum enorme vulcão extinto há centenas de anos ! Como a água das chuvas, não tinham por onde sair, assim se formou e enorme e lindissima lagoa.

Quando eu era miúdo, e por morar a uns quilómetros de distância, fui lá várias vezes e em todas elas, ao chegar-se ao cume das montanhas, sempre me impressionei com a extraordinária visão daquele Paraíso lá em baixo a mais de 300 metros de profundidade !

Mas em 1936, quando eu ainda andava na Escola Primária, todas as vezes que chovia demasiado, o nível da lagoa subia de tal forma, que imensas casas ficavam submersas. Foi nesta altura, que o Governo Português, resolveu lá fazer um túnel de descarga, com várias centenas de metros de comprimento, fazendo a sua saída na falésia Oeste, perto da freguesia dos Mosteiros, freguesia esta muito dedicada à pesca e que meu avô tinha de visitar todas as semanas para assistência médica.

Assim, o escoamento da lagoa, passou a dar-se para o Oceano Atlântico, umas centenas de metros mais abaixo.

Julgo que este túnel, deve ter sido o primeiro efectuado em S.Miguel, e conforme se ia escavando o seu interior, alguns operários se faziam transportar por vagonetas assentes numa minúscula linha férrea que se ia montando no decorrer das perfurações.

Aquilo era um trabalho violento, por ser rocha vulcânica, muito dura e onde se gastaram montões de explosivos, mas se bem me lembro, só houve poucos acidentes graves e eu, que tinha 10 anos, acompanhei meu avô, médico, que vivia na freguesia dos Ginetes, e se chamava Carlos Bettencourt Leça, a ver os acidentados.

Um dia, um dos operários metidos numa destas vagonetes, a caminho do fundo do túnel, esqueceu-se de tirar uma mão do bordo que ia à frente, e foi ficar com ela completamente esborrachada, de encontro a uma vagoneta que estava parada e se estava a carregar.

Eu estava em casa, nos Ginetes e como sempre me senti muito atraído pela medicina e nada me metia confusão, nem nojo nem repulsa, fui chamado por meu avô, que nunca teve enfermeiro, para o ajudar a decepar e laquear as artérias e veias do pulso, antes que aquilo gangrenasse...

Eu adorava a companhia daquele velho e era o único dos seus 7 netos, que andava sempre por perto dele, tentando ajudar no que fosse preciso, e ele aproveitava este meu feitio e curiosidade, sempre que havia necessidade, afagando-me, sorridente, o meu encaracolado cabelo, no fim dos trabalhos de enfermagem. Talvez estivesse a pensar que mais tarde, eu também poderia vir a ser médico, o que não veio a acontecer por falta de condições financeiras, mas o amor e curiosidade pela medicina, me têm acompanhado pela vida fora, e assim continua, aos 80 anos.

Naquela época, as pessoas atingidas por problemas extremamente graves, eram transportados deitadas, numa carroça, como fardos de palha, algumas com as pernas penduradas de fora, para o Hospital da cidade de Ponta Delgada, porque não havia ambulâncias, o que muito amargurava meu avô, por saber que alguns deles chegariam mortos à cidade, e a única coisa que podia fazer, era injectar-lhes fortes analgésicos, para minorar o seu sofrimento, durante as viagens.

Aquele operário da Lagoa das Sete Cidades, podia, com a minha ajuda, ser operado nos Ginetes e assim aconteceu, como enfermeiro miniatura.

Depois das injecções de analgésico à volta do pulso, começou a operação da separação dos ossos esmagados e da sutura das artérias que não paravam de fazer jorrar sangue para cima de nós dois, embora eu tentasse enxugar com algodão, mas passada uma meia hora, já estava a mão separada do corpo, e deixada cair num balde que estava por baixo, coisa que muito arrepiou e, por isso, nunca mais esqueci... Era uma horrível mão cadavérica !

Depois de muita água oxigenada e tintura de iodo, o coto foi envolvido em gaze e ligadura, e o operário lá se foi embora, com a cara mais amargurada deste mundo...mas compreendendo que se não fosse decepada a mão, a gangrena surgiria e teria sido bem pior. Pelo menos, já ia sem as terríveis dores...

Mas o túnel das Sete Cidades, que agora é um ponto crucial de visita para todos os turistas que visitam a Lagoa, teve mais alguns tristes episódios.

É depois desta pequena ponte, que se encontra a entrada do tùnel referido e que se encontra repleto de florida e aromática vegetação, aliás, como é toda a ilha de S.Miguel.

Entretanto, com a abertura do túnel, nunca mais houve cheias devastadoras na Lagoa e a freguesia aumentou consideravelmente, com milhares de casas de campo das pessoas mais endinheiradas de S.Miguel e até estrangeiros que se vergam perante tanta beleza da Natureza, além dos açorianos que passaram a lá viver !

Actualmente já é muito fácil viajar dentro da ilha e o acesso à Lagoa das Sete Cidades, foi muita facilitada, em especial devido ao interesse do açoriano Alberto dos Reis Leça, Vereador da Câmaa Municipal de Ponta Delagada, por acaso meu primo direito, que sempre lá viveu e se tem destacado na melhoria de todos os acessos a esta região Oeste da ilha de S.Miguel.

Alberto dos Reis Leça - 2006

quinta-feira, 3 de maio de 2007

TI TARAMELA Pelo Prof. João Martinho

Pelo meu grande amigo de há mais de 50 anos, João Vitalino Martinho, aqui vai mais uma sua interessante crónica .

O Editor Mário Portugal Faria e-mail ct1dt@sapo.pt

Maria Taramela

18??/19??

Assim que lhe chegou a notícia de que havia no correio (uma taberna e mercearia da aldeia) uma carta vinda da frente de combate, Ti Taramela abalou aos gritos, arrastando com ela a vizinhança do Covão.


Vivia-se o drama atroz de quem não recebia há muitos meses notícias do soldado que, algures em França devia estar a bater-se numa guerra que ceifou 8 milhões de vidas e fez 21 milhões de feridos.


Ti Zé Ferreiro, tolhido pelo reumático, amaldiçoava as pernas, agarrado a um pau e, de coração apertado a bater forte e descompassado, esmagado pela incerteza murmurava :


E cria a gente um filho para isto…..


De facto desde que o Armando se foi, nunca mais teve um segundo de sossego e não foram poucas as vezes que as lágrimas rolaram ao lembrar o mocetão com quem trabalhava no derrube de pinheiros, visão que o perturbava ferozmente.


Entretanto, com a mercearia invadida, a dona, dando-se ares de importante, mandou silenciar a gritaria. De olhos febris, rostos lívidos e soltando profundos suspiros, a multidão preparava-se para o pior.


A da mercearia, para mais se pôr em evidência, subiu a uma cadeira e, dando mostras de querer um acto solene, elevou a voz.



- Esta carta vem de França e é do Armando..!


Num ápice desfizeram-se as tensões…Ti Taramela, elevando as mãos aos céus, possuída de grande exaltação, ajoelhou e agradeceu a Deus… Ai o meu rico filho….! E voltando-se para a Felizmina:


Anda rapariga…ainda tens namorado !


Esta, trémula e chorosa adiantou-se pegando na carta sem saber o que dizer. Ti Taramela, com ar decidido, deu ordens:


-Ala pró Moinho de Vento ! Vamos à Cremilde que ela é que sabe ler bem…!


E lá foi o tropel, ladeira acima , desejoso de penetrar no conteúdo da carta. Ti Cremilde apanhada de surpresa, foi sentando parte do pessoal à volta da lareira nos poucos tropeços de que dispunha. Procurando os óculos na teiga, limpou as lentes com os dedos sujos do trabalho dando início à leitura.



Querida Felizmina


Hades ter estranhado ê nã escrever á mais tempo mas nã foi por falta de saúde graças a Deus. Tenho andado muito triste e com muitas soidades de todos vocês. Deus queira que estejam todos rijos e valentes. Estou prisioneiro dos alemões.....íamos numa patrulha e a gente nem sabe como foi…de repente fomos cercados, tiraram-nos as espingardas e encostaram as baionetas às nossas barrigas…com muitos gritos e levaram a gente para um campo de concentração, Estamos a ser bem tratados mas o rancho é só batatas. Ninguém os entende….é uma fala muito arranhada. Diz-se aqui que o primeiro dos nossos a morrer foi um rapaz da Barquinha chamado António Gonçalves Curado. Dá cumprimentos a toda a gente e diz ao meu pai e à minha mãe que estou bem. Para ti um abraço e muitas soidades do que te estima muito.


Armando



Chegados ao final, Ti Cremilde tirou os óculos e fez-se silêncio entrecortado por alguns suspiros. Ti Taramela, mostrando desapontamento, desabafou:


- Ó Cremilde, tu nã leste bem a carta…


Esta, que até tinha feito uma leitura lenta e silabada, num esforço para que os circunstantes tivessem uma boa compreensão da essência da missiva, sentiu-se ferida e contestou


- Mas então, não li bem porquê ..?


Ti Taramela, convicta da razão que lhe assistia pegou numa saruga e apontando os pontos finais da carta resmungou :


- Tu não lestes estes beijos….


Ti Cremilde, nem pela cabeça lhe passara que alguém codificasse beijos com pontos finais e virando-se para a Felizmina, a namorada.


- Olha rapariga, de hoje em diante cada ponto final passa valer cem beijos…e se cá voltares aumento pra mil…. e agora.. rua…cada um à sua vida ..!

quarta-feira, 2 de maio de 2007

DE MÉDICO E DE LOUCO, TODOS TEMOS UM POUCO...

Quando em 1976 a empresa onde eu trabalhava, começou a chamar os funcionários para inspecção médica no seu Centro de Saúde da Gloria, em Marinhais, fomos encontrar um exame clínico que nos estava a atormentar a todos, e de que maneira...

Esse exame, além das medidas de tensão arterial e força muscular manual, era completado pelo assoprar num balão cilindrico, cromado, e devia fazer subir uma vareta pelo topo, graduada em litros de ar expelido pelos nossos pulmões. Aquilo se chama "Espirómetro"...

O exame de força muscular manual, era feito com uma espécie de alicate com uma mola fortíssima e que, ao apertar, marcava a força exercida. Ainda me recordo que nesta medida, eu era um espectáculo ! Quase partia o alicate, embora ficasse com a mão a doer... !

Mas, em cada ano que se passava, mesmo sem darmos fé de falta de "capacidade vital", o que é certo é que a vareta cada vez indicava menos ar ou, era o mesmo que se dizer, que estávamos a ficar secos por dentro...

Aquilo estava a amargurar toda a malta, e de que maneira !

A resposta do enfermeiro era sempre a mesma: «Os senhores estão a envelhecer com enfisemas pulmonares a agravarem-se e têm de ter mais cuidado com o ambiente onde vivem, em especial com o tabaco».

Aquilo não me estava a agradar mesmo nada, porque estava a perder cerca de meio litro por ano e daí a poucos anos, estaria sem "fole" nenhum; estaria morto.... Aquele aparelho não podia estar a funcionar correctamente e o pior, é que os dados estavam a ser inseridos nas nossas fichas clínicas como autênticas "certidões de óbito" prematuras...

Assim, resolvi pensar no que estaria dentro daquele tambor cromado e que só poderia ser um fole, parecido com os das máquinas fotográficas antigas e que, perante o assopro, se distenderia para cima, empurrando a referida vareta que teria de subir livremente, o que não estava a acontecer e era necessária muita pressão, para que ela subisse. Assim, a indicação dos litros de ar, estariam completamente erradas...

« Não », pensei eu, tinha de haver uma outra forma e de confiança, para aquela medida... e vai daí, pensei que um garrafão de plástico, de 5 litros, com um tubo metido até ao fundo e uma saída cá em cima, à laia de cabo de guarda chuva, para não levarmos com a água na cara, ao assoprar no gargalo, devia ser muito mais fiável e assim, executei a "maquineta".

Assim, comprei meio metro de tubo de plástico e duas uniões em cotovelo, de 20 milimetros de diâmetro externo, fiz um furo ao lado do gargalo do garrafão de plástico, como se pode ver pela foto, e colei com pástico derretido, o expelidor da água.

Depois, para calibrar, foi-se metendo litro a litro, água da torneira, e marcando no exterior os litros entrados, até se chegar ao gargalo. Depois é só assoprar de uma só vez, o mais que se puder, e ver quanta água saíu.

Obviamente, que os litros tiveram de ser marcados ao contrário.

No caso da foto, o ar expelido por um jovem de boa saúde, chegou aos 4 litros, mas ainda podia ser melhor.

Claro que a primeira pessoa a soprar, fui eu, tendo constatando que ainda possuia uma bela capacidade pulmonar de 2,5 litros, para um "jovem" de 70 anos, naquela altura, e que teve problemas pulmonares graves, há mais de 60 anos....enquanto que no Centro de Saúde, só me dava meio litro....

Claro que muitos outros funcionários que tinham passado pelo Posto Médico da Glória, se prontificaram a experimentar a máquina e todos ficaram radiantes com os resultados ! Afinal não estavam a morrer !!!

Como o próprio enfermeiro, de nome Ramalho, também estava muito amargurado com os seus exames, logo foi contactado pelo telefone e, passados poucos minutos, lá estava ele a atirar cá para fora com 5 litros de ar...o que muita alegria lhe deu, porque no tambor lá do consultório, só conseguia 2,5 litros... o que ele não conseguia entender, até porque tinha uns 50 anos, não fumava nem frequentava lugares poluídos e até fazia algum desporto. Por aquele andar, ele só teria para viver, mais poucos anos...

Assim, não havia dúvida de que o tal aparelho estava mesmo avariado e tinha estado a "enfiar o barrete" a todos os desgraçados que nele tinham assoprado...

Os próprios médicos, Dr.Carvalho, Bacalhau e Duarte Silva, não conseguiam encontrar explicação para aquele facto e limitavam-se a aconselhar todos os pacientes, a não fumar, fugir do ar poluido, fazer exercício físico, fugir de estar em sítios poeirentos, fugir de respirar os fumos das soldaduras electricas, etc.etc., mas mesmo com todas estas recomendações, toda a malta estava "a morrer" rapidamente...

Na realidade, ele logo mandou reparar o aparelho, o qual levou um fole novo e logo passou a indicar valores mais aproximados da verdade.

É que estando lá dentro um fole de tela, e a maior parte do tempo, todo amachucado no fundo do depósito, com o decorrer dos anos, a tela se tinha endurecido e cada vez era necessária maior pressão para o fazer dilatar, abrir e esticar para cima.

Assim, passei a não ter qualquer confiança naquele aparelho de consultório, pois até nem estava nada interessado em morrer a curto prazo e sem sentir aquela falta de ar indicada pelo "malvado" aparelho...