sexta-feira, 5 de outubro de 2007

E O FOGUETE EXPLODIU NA BARRIGA DO CHEFE...

Mesmo no meio do ano de 1974, no dia 4 de Julho, dia da Independência dos EUA, o meu chefe que se chamava Henry Black e também era radioamador e me conhecia perfeitamente, teve a amabilidade de me convidar, bem como a toda a chefia da RARET, a um "party" no seu jardim, no Centro Emissor da Glória.

Aquilo estava cheio de todas as chefias da Empresa e todos acompanhados das suas esposas !

Aquela festa esteve animada durante umas horas, onde muito se comeu e bebeu e vim a saber que se estaria à espera da noite, porque ele havia encomendado uma boa molhada de foguetes vulgares e mais uns tantos de lágrimas, e daí o interesse pela noite.

Mas quando ela chegou, Mr. Black se dirigiu à malta, convidando alguém que lançasse fogo aos foguetes, mas logo viu que toda a malta se encolheu e só se ouvia as senhoras a dizerem aos maridos: Tu não te metas naquilo...isso são coisas muito perigosas..."

Na realidade, eu sempre havia sido um entusiasta pelas pólvoras e caça, pistolas e espingardas, desde a minha infância, mas largar fogo de artifício, aquelas "bombas" enormes, do tamanho de garrafas de litro, e com umas canas de cauda com mais de 2 metros de comprimento...é que nunca !

Minha esposa, sabendo da minha "coragem" para muita coisa, ainda me olhou com um sorriso calmo de confiança e assim resolvi avançar.

Assim pedi ajuda para colocar um escadote uma dezena de metros de distância das pessoas, pois teria de subir a ele, para poder largar os "malvados" foguetes de lágrimas, já com eles a direito e, para isso, eu teria de estar bem alto...

Lá acendi um cigarro, perante a curiosidade e receio de toda a malta, enquanto levando um foguete na mão, subi o escadote e larguei-lhe o fogo, ficando à espera que ele começasse a fazer-me força para me sair das mãos e, realmente, uns segundos depois dele ter espirrado uma data de chamas, e perante um ruído intenso, e vendo que ele já tinha força, larguei-o e ele ali vai direitinho como um fuso, a mais de 100 metros das nossas cabeças, e explodindo um lindo fogo de artifício, muito acompanhado pela algazarra e palmas de toda a gente.

Depois foi outro e mais outro, e tudo estava a decorrer como eu desejava e certamente, toda aquela malta e muito especialmente o aludido Mr. Black que sempre tinha demonstrado muita confiança nas várias coisas a que lhe tinha ajudado, como a construir placas de circuito impresso para as suas montagens electrónicas, placas que eu fazia em casa e lhe entregava no dia seguinte, no seu vasto gabinete...

Mas um meu colega da técnica, que se chama Ernesto Gama, resolveu mostrar que também era capaz de largar uns foguetes normais, muito mais pequenos, e vai de esborrachar cigarro sobre cigarro, no raio dum foguete, que teimava em não acender, por mais que ele arranhasse a pólvora de arranque...

Para ver melhor o que estava a fazer, ele havia colocado o foguete na horizontal, enquanto iam ardendo e soprando no borrão dos cigarros, uns atrás dos outros, até que por fim, lá arrancou e ele que, pelos vistos, nunca tinha largado um foguete na vida, assim que aquilo começou a fazer força, em vez de o colocar na vertical, largou-o na horizontal, e aí vai ele direito àquela malta toda ali reunida a poucos metros de distância !

Logo por azar, Mr. Black estava ali por perto, mesmo à frente, a ver a nossa coragem e o raio do foguete foi direito à sua barriga, tendo espalhado todas as bombas por todo o recinto, as quais iam explodindo entre as pernas de toda a gente, perante uma gritaria infernal de pavor e susto de toda a gente ! Só se via gente aos saltos...Até parecia que estavam a dançar...

Sim, porque uma coisa é ouvir o seu estralejar no Céu, e outra muito diferente, é ali mesmo aos pés das pessoas...

Toda a gente se apercebeu do embate violento do foguete na barriga de Mr.Black, e vendo-o todo arqueado e agarrado à sua barriga, ficaram muito preocupados, até porque ele havia tido uma trombose há pouco tempo e não poderia nem deveria estar por perto de um pesadelo daqueles...mas felizmente que ele se endireitou, todo branco e acalmou a malta, dizendo que estava tudo OK.

De cima do escadote eu assisti a isto tudo, ficando à espera da ordem para recomeçar a foguetada, e informando o meu colega Gama para não largar os foguetes, até que eles fizessem realmente força e pondo-os mesmo na vertical, para ter a certeza de que o infausto acontecimento, não se voltasse a repetir...

Mas como ele havia ficado petrificado com o acontecido, mal acabei os foguetes de lágrimas, desci o escadote e fui disparar os normais, que ainda eram uma data deles...

Depois vem o 25 de Abril de 1974 e este Mr. Black, inconformado com os acontecimentos políticos, e se estava a preparar para se ir embora de Portugal, teve um violento AVC e lá faleceu.

Escrito por Engenhocando em 2007/10/05 às 15:49:03

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

E QUERIAM VER-ME TOUREAR A CAVALO...



A minha entrada no Ribatejo, em 1951, e dada a minha juventude de 23 anos, foi repleta de experiências trágico-cómicas e que tenho vindo a descrever deste há alguns anos, neste Blog.

No mundo exterior a esta região agrícola, só se sabia que era terra de sezões, e quando os amigos souberam que eu estava destinado a vir viver para Benavente, até me deram as condolências... mas, felizmente, essa época das sezões, já tinha sido ultrapassada há muito e sob controlo dum médico que cá se radicou muitos anos, o Dr. Fonseca.

Entrar nestes lados, Samora Correia, Benavente, S. Estevão, e Salvaterra de Magos, era uma odisseia, porque só se podia cá entrar por barco em Vila Franca de Xira, dado não haver qualquer ponte. Todo o material pesado da Empresa, estava a chegar de barco à vela, via Vala Nova, tanto a Benavente, como Salvaterra de Magos, de onde era carregado em camionetas da Empresa Irmãos David de Benavente.

A Empresa para onde eu viria trabalhar, a RARET, estava cá há poucas semanas e só conseguiu arranjar hospedaria e alimentação para a rapaziada, em Salvaterra de Magos, na Rosa Grilo, que dista uns 6 Km de Benavente e todos os dias tínhamos de andar este trajecto de "jeep", 4 vezes por dia.

Lisboa ficava muito distante... pelo que os fins de semana eram passados a ver as terras e as pessoas, pelo que rapidamente nos fomos dando com as gentes novas das terras, especialmente as suas lindas garotas, que gulosamente nos olhavam envergonhadas, e assim aconteceu em Salvaterra, um certo dia em que uns jovens como eu, me perguntaram se eu gostaria de ir dar um passeio a cavalo.

Realmente, eu havia entrado no Ribatejo, pela "porta do cavalo"...

Benavente dessa altura, tinha quanto muito, 3 ou 4 automóveis e as pessoas andavam todas avontade pelo meio das ruas, sem a mais pequena preocupação com o trânsito, até porque nestas alturas, o que se via, eram charretes e malta a cavalo ou a pé.

Não me fiz rogado, embora de cavalos não tivesse experiência nenhuma, mas lá fui, e me deram um belo cavalo para montar. Assim, passados poucos minutos, já íamos todos em cortejo, a passo, sair da vila de Salvaterra, para a lezíria, ali mesmo ao lado, nos terrenos do Conde Monte Real. Mal sabia eu o que me esperava, pois mal eles lá se apanharam, começaram a galopar à bruta e o meu cavalo, sem que eu fizesse nada, seguia-os também na sua louca desfilada.

Aquilo era tenebroso, porque em cima daquela "montanha" de carne, eu via o chão lá muito em baixo e, quando me ia assentar, levava um pontapé no rabo e aquilo estava mesmo feio, porque não conseguia sincronizar o meu rabo, com o sobe e desce da garupa do animal, chegando a ver-me abraçado ao seu pescoço, para não cair dele abaixo ! Assim, resolvi afastar o rabo do selim, como fazem os "cowboys", e lá me deixei eu ir atrás daquela malta que fez de tudo para me ver cair da minha montada, fazendo curvas muito apertadas que o meu cavalo repetia, quase atirando comigo "borda fora"...se eu não estivesse bem agarrado...e talvez até, a meter as esporas...sei lá...

Os animais já espumavam por todos os lados, quando eles reconheceram a minha "habilidade" para montar sem cair...e lá fomos deixar os animais descansar na cavalariça, tendo-me eu apeado todo a tremer e até me dava a impressão de que tinha ficado com as pernas arqueadas de tanto as apertar na barriga do animal....


Igreja de Benavente

Mas em Agosto desse ano, nas festas religiosas de Benavente, da Senhora da Paz, e tendo conhecido um jovem de Benavente que se chamava José Pedro Neto, infelizmente já falecido, filho dum grande lavrador da terra, o Sr. Xico Neto, ele me convidou para ir dar uma volta a cavalo pela Vila e para "abrilhantar" o meu aspecto, resolveu vestir-me o seu fato cinzento de lavrador, incluindo chapéu preto masantino e botas com esporas...

Como tínhamos fisicamente, muita parecença, 1,75m de altura e magros, eu até estava "bonito" dentro daquela "farda". Assim belamente vestido, ele deu ordem ao maioral que me arranjasse um cavalo e assim lá vou eu a atravessar a Vila, passando à porta da casa do Dr. Sousa Dias e fui até ao Calvário, passando pela rua dos Correios, que fica no fim da vila, tendo depois ido descer a rampa que passa junto da fonte de S.Antonio, sempre a passo, onde parei para cumprimentar uns fabianos que me estavam a barrar o caminho e me saudaram alegremente.

" Isso é que é sorte...oh sr. Portugal...isso não é para qualquer um..."


Eu até parecia alguém importante !

Mas na despedida, um deles deu uma palmada forte na garupa do cavalo que não achou graça nenhuma e arranca numa correria infernal para Rua Luiz de Camões acima, e que acaba mesmo em frente à loja do Sr. Castelo, pelo que eu, na impossibilidade de fazer parar o malvado cavalo, já me estava mesmo a ver ir parar dentro da loja, em cima ou por baixo do cavalo...

Eu nem sabia se ia a trote se a galope...

Aquilo estava mesmo feio, porque a estrada era muito escorregadia de pedra, e àquele velocidade, o cavalo não se conseguiria manter em pé, mas como a sua tendência, era ir para a rua de onde tínhamos vindo, a do seu curral, foi por aí que ele tentou meter-se, mas como estava apinhada de gente, toda aos gritos "fujam, fujam, ele vai cair..." -e eu a puxar pela rédeas, enquanto agarrava o chapéu que queria levantar voo, o cavalo pôs-se em pé a relinchar, enquanto toda a malta se afastava e assim, quando ele viu que já podia pôr as 4 patas no chão, continua na sua louca correria a caminho do seu estábulo, voltando a passar em frente à casa do Dr.Sousa dias, e depois o cemitério, onde só não parti a cabeça à entrada, porque me baixei até ficar com a minha cara, ao lado do focinho do cavalo...que se devia estar a rir...

E lá parou o animal, certamente muito espantado com as manobras que eu havia tentado pedir-lhe e que ele acharia, por certo, muito impróprias... de um cavaleiro decente... e tinha razão...

Mas isto não ficou por aqui, pois uns dias depois, vêem-me bater à porta umas pessoas da festa, a pedir-me para eu ir tourear na velha e desconjuntada praça de touros que cá havia.

Eu fiquei petrificado e logo lhes disse: "Nem pensem, eu não entendo nadinha de cavalos nem de toureio", mas eles logo me avançaram que eu estaria a ser muito modesto, pois me haviam visto uns dias antes, no largo fronteiro à igreja, dominar de tal forma um cavalo, que eu teria de ser um grande cavaleiro, a pessoa indicada para o toureio...

Bem que eu lhes explicava que tinha sido a segunda vez na minha vida, que tinha andado a cavalo e que não havia caído dele abaixo, porque isso seria a única coisa que eu não queria, de todo, que me acontecesse, pois nem um osso ficaria inteiro...especialmente porque o largo era todo de pedra...além de que não queria devolver ao José Pedro Neto, o fato todo rasgado e sujo...aparte os meus ossos que certamente por ali ficariam todos espalhados...

Assim se foi o comitiva da festa, muito chateada, por não me terem conseguido convencer a entrar a cavalo na praça de touros.... Olha eu, que de touros, só aos bocados e dentro do prato, a ver-me ali num espaço tão pequeno e sem ter prática alguma de tourear a cavalo....Ia ser bonito !!! Pobre do cavalo e de mim !!!