sábado, 31 de maio de 2008

DEIXEM-ME MORRER...POR FAVOR

Naquele dia 11 de Fevereiro de 1954 estava a cidade de Lisboa debaixo duma tremenda tempestade, com rajadas ciclónicas que faziam andar pelos ares toda a coisa fácil de levantar voo, ramos de árvores rodopiando por todos os lados, trapos, plásticos e papeis, raios e coriscos.
A chuva era torrencial e, embora sendo 17 horas, parecia já quase noite !

Pois foi neste dia que a minha esposa Alice Rosa, se "lembrou" de dar à luz o nosso primeiro filho !!!
A D. Glória, a senhora parteira, com quem já havíamos falado, dizia que assistiria a mais este nascimento e, na casa da minha mãe em Lisboa, num bairro de nome Encarnação, lá estávamos à espera do grande acontecimento, ingenuamente pensando que aquilo iria ser trabalho de pouco tempo, mas as águas rebentaram e minha esposa me pediu para estar sempre perto dela, o que aliás nem era necessário dizer, pois era essa a minha intenção, dada a minha curiosidade pelos assuntos científicos e, muito em especial, por ir assistir ao nascimento duma criança.
Mas infelizmente, o miúdo é que não estava nada voltado para esse evento...

Umas semanas antes, a minha mãe já nos tinha levado a visitar um médico açoriano, seu amigo de infância, e que já havia assistido aos partos quase todos da minha mãe, menos ao meu, e ela depositava nele, a maior confiança, o Dr. Jacinto Vargas Moniz, médico obstetra, que fazia medicina em Lisboa.
Eu ainda não o conhecia e fiquei um tanto surpreso quando ele se abraçou à minha mãe, num terno e carinhoso abraço de grande amizade...
Minha mãe já nos havia mostrado umas fotografias da sua juventude em S. Miguel, nos Ginetes, onde se viam os quatro simpáticos irmãos Vargas Moniz, e ela, muito bonita, entre eles, todos muito novinhos, com 13 ou 14 anos.
E foi até um deles, o Rogério Vargas Moniz, que como Engenheiro e Director Técnico no Arsenal do Alfeite, que tinha facilitado uns anos antes, a minha entrada e de meu irmão Carlos Mar, para a Administração desse Arsenal.
Deste evento, eu o descrevi neste blog, no artigo "Meu amigo Eng. Rogério Vargas Moniz", em Março de 2007, artigo 52.

Há uns 30 anos que eles não se viam e notava-se muito bem a amizade que tinham guardado, durante tantos anos. Depois, muito carinhoso, foi auscultar a minha esposa e disse que lhe parecia tudo estar bem e que o miúdo estaria em boa posição para o nascimento, mas que era muito grande...
Assim, ficámos muito descansados, embora ele referisse que havia toda a conveniência em que aquele parto fosse feito num hospital, não fosse haver qualquer ocorrência estranha, mas dada a nossa ignorância e a boa vontade da parteira, a minha esposa preferiu tê-lo em casa.

E, enquanto a tempestade horrorosa se desenvolvia lá fora, rugindo furiosa, por todas as frinchas das portas e janelas, as contracções da minha mulher, cada vez estavam mais aproximadas, e certamente que o bebé, estaria na rua, daí a pouco...
Só que, embora já houvesse dilatação mais do que suficiente, em minha opinião... e a sua cabecinha mesmo ali à mão, ela "embirrava" em baixo e cada vez a minha esposa estava mais exausta ! Aquilo era sofrimento a mais para um ser humano !
Nessa altura, eu agarrei o telefone para falar e pedir ajuda ao Dr. Vargas Moniz, mas infelizmente, ele havia saído e não se sabia a que horas viria...
A minha alma estava positivamente desesperada, e não pude conter as lágrimas !
Aí eu perguntei à parteira, porque não metia a sua mão por baixo para levantar uns centímetros aquela cabecinha, mas ela dizia que a Natureza é que sabia o melhor... mas eu fiquei muito indignado, porque me parecia muito óbvio... Seria como usar uma calçadeira para facilitar a entrada dum pé num sapato...
Mas a parteira, embora aparentando uma certa calma, quando se viu desesperada, lá se resolveu dizer-me para ir chamar uma médica que lá vivia perto, a Doutora Capinha, e, debaixo daquela tempestade horrorosa, lá vou eu no meu velho carro, à sua procura, mas como ela estava ocupada com uma cliente, ainda demorou uns minutos a entrar para o meu carro e passado um minuto, já estava ao lado da minha esposa e o miúdo, acabado de nascer, na sua alcofa e, ainda de casacão de inverno vestido, ao ver que a placenta não se largava e ela estava a esvair-se em sangue, mesmo sem lavar as mãos, agarrou no cordão umbilical com uma, e com a outra, fez umas compressões violentas na barriga da minha esposa, até que lá saiu aquela treta toda...a placenta.
Entretanto, como o miúdo já cá estava fora e muito tranquilo na sua alcofa, talvez esgotado pela força que tinha feito, para minha grande alegria, lá fui levar a Doutora a casa, embora ela me fosse dizendo que não a deixasse dormir, porque naquele estado, já não acordaria mais... e vigiasse o aparecimento da saída de mais sangue, dando-lhe de imediato uma injecção que já estava preparada, mas já era noite e bem noite, e ela nem estaria em condições de ser transportada para nenhum hospital.
Como a parteira já estava exausta, também se foi embora, e ali fiquei sozinho a tentar manter a minha esposa acordada, conversando sobre o miúdo que era lindo e com muito cabelo...mas ela estava muito desejosa, era de deixar-se dormir, talvez para sempre !
O Dr. Vargas Moniz, tinha razão, o miúdo era enorme e pesava 4,180 Kg !


Eu ali estava, mais que atento, quando a ouço dizer qualquer coisa, muito baixinho e perguntei o que ela estaria a dizer, entendendo que ela dizia estar a sentir sair mais sangue, e logo aí eu saltei para uma cómoda onde estava o coaguleno e a seringa, mas aquilo havia que misturar um liquido dum frasco, com um pó existente num outro e chocalhar bem, operação que, embora nunca tivesse feito antes, me pareceu simples, mas eu só tinha experiência de dar injecções nas nádegas, e ali, teria de ser numa perna, e já nem sabendo se devia espetar a agulha, de cima para baixo ou de baixo para cima ou se a direito... mas que atrapalhação, santo Deus !
Felizmente que o miúdo se mantinha a dormir, mas eu estava a estranhar minha mulher sem o querer ver e nem abrir os olhos para me ver ou falar...Estava tão branca, que mais parecia um cadáver...
Uns minutos depois, voltei a aperceber-me de que ela queria dizer qualquer coisa, e logo aproximei o ouvido da sua boca, para ouvir:
Deixa-me morrer...por favor !!!!
Como seria aquilo possível, teria eu ouvido bem ? Mas ela repetiu e aí lhe perguntei:
Mas agora que acabámos de casar e temos um filho lindo... nem penses. Nem penses...
E ainda lhe perguntei: E não tinhas pena de me deixar neste mundo, sozinho, com um filho nos braços ?
Mas ela só respondeu: NÃO !
Eu nem queria acreditar, até porque me sentia imensamente amargurado por me reconhecer como culpado daquele tão longo sofrimento e daquele seu estado de espírito tão estranho para mim...
Ela queria morrer ali mesmo e sem pena nenhuma de tudo e de todos ! Devia estar a sentir-se perto do Céu !
Já NADA a atraía na Terra, absolutamente nada !
Aí senti-me tão culpado que até as lágrimas me saltaram, eu que a amava tanto ...
" Não, de maneira nenhuma", eu a iria deixar "partir" sem fazer todos os meus esforços para a aguentar viva.

Felizmente que a hemorragia havia parado, o miúdo continuava tranquilo, e só podia manter-me falando para não a deixar dormir...e ela sempre calada e de olhos fechados...

Como seria possível uma pessoa pedir, e POR FAVOR, para a deixarem morrer ? E a mim, que tanto amo a vida ? A mim, que há tão poucos anos, tinha estado entre a vida e a morte, mas tinha conseguido sobreviver ?

A tempestade lá fora, até me estava a ajudar, pois havia ruídos por todos os lados na casa...
Eu já estava a ficar esgotado de forças, mas mesmo por cima da roupa da cama, me deitei muito junto dela, agarrando o seu pulso e sentir o seu débil coração que se mantinha batendo, cada vez melhor, com o passar dos minutos e ela despertando muito lentamente...
"Vencemos, Alice, e tenho imenso orgulho em te ver despertar desse terrível pesadelo !"
E ela, finalmente, sorriu para mim, abrindo os olhos e não ouvindo o miúdo chorar, talvez pensando até que ele tivesse morrido, mas eu perguntei-lhe: Queres ver o miúdo? E ela disse SIM !
Com muito jeitinho, para não o acordar, aproximei dela, a sua alcofa e lhe fui dizendo, por graça, mas com convicção: Depois de lhe dares banho, eu vou-lhe cortar este enorme cabelo, que lhe cai sobre os olhinhos... e ela esboçou um agradável sorriso, até porque sabia que eu estaria a falar verdade.
No dia seguinte, muito cedo, apareceu a parteira e como a tempestade já havia acalmado, em todos os sentidos, eu assisti ao seu primeiro banho, vendo tudo muito bem, pois talvez tivesse de ser uma operação que tivesse de fazer depois.
E enquanto a parteira segurava a cabeça do miúdo, eu cortei aquele cabelo a mais, que ele tinha.
E assim, foi o seu primeiro corte de cabelo... já com minha esposa assentada na cama, a sorrir !
Ainda hoje eu fico admirado do poder tremendo de recuperação duma mulher, após tal abalo físico !

Mas aquela tremenda tempestade já havia acabado e tudo estava mais calmo.

Três dias depois, lá iniciámos a viagem de volta para Benavente, a 50 Km de Lisboa e fomos para uma casinha antiga e solitária no meio do campo, em Vale de Estacas.
O quarto de dormir ficava em cima, no primeiro andar, e a cozinha, a sala de jantar e o WC, em baixo.
Um dia, passados uns 6 meses, estava eu a comer o meu pequeno almoço na cama, que sempre foi feito de sopas de café com leite, mas o míudo ali ao meu lado, é que não deixava de protestar... embora tivesse mamado há pouco tempo.
Eu estava a pensar que o leite da mãe talvez não o satisfizesse e lembrei-me de lhe dar uma gotinha do café com leite, usando a ponta da minha colher, que ele adorou e logo me fez sinal de que queria mais, dando estalinhos com a língua, o que fui fazendo durante mais uns minutos, mas a minha esposa que estava a arranjar-se no lado de baixo da casa, é que estranhou o silêncio do miúdo e me gritou a perguntar o que é que eu tinha feito para calar o miúdo, ao que eu respondi que lhe tinha dado umas colheres do meu café com leite...
"Oh homem, tu matas-me o miúdo, pois ele ainda só tem 6 meses... " , e subiu rapidamente ao primeiro andar, verificando como o bebé estava realmente todo contente ! Era verão e estava bastante calor.
Assim, e vendo que não lhe havia feito mal, ele começou a beber leite de vaca enfraquecido e com café, tudo bem docinho, entremeado com mama, para não as deixar encaroçar, mas o que ele queria mesmo, era do pequeno almoço do papá, e passado pouco tempo, até já gostava dumas sopinhas, que engolia com facilidade.

Hoje, passados 55 anos, este bebé que se ficou a chamar Mário Portugal Santos e Leça Faria, tem sido sempre de boa saúde, embora tenha sofrido vários acidentes em desportos de alto risco, com fractura de costelas e tendões arrancados no ligamento do joelho esquerdo, etc. mas quem o vir, e nem souber, nem dará por isso, nos seus 54 anos de idade, visto aqui nesta foto de 1992 , entre a sua mãe e a minha.

Mas depois deste susto tremendo, os outros dois meus filhos, Maria Antonieta e Carlos José, foram nascer no hospital da Santa Casa da Misericórdia de Benavente, e assistidos pelo Dr. Joaquim Cândido Mendes de Almeida, amigo de infância de minha mulher e, graças a Deus, ainda vivo, embora tenha tido há uns anos, um AVC um tanto violento, pelo que se encontra inactivo, embora lúcido.

Infelizmente, um ano depois desta foto, minha esposa veio a falecer nos meus braços, com um malvado cancro de colon.

E assim, já com cada filho para seu lado, todos casados, eu fiquei completamente só, a tentar viver feliz e contando neste blog, as minhas, às vezes tristes recordações duma vida tão cheia de emoções, embora já rondando os 81 anos.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

O MEU FABULOSO IRMÃO CARLOS MAR

Quando este meu irmão nasceu, em 1924, foi uma alegria imensa para meu pai, em especial, porque da parte de minha mãe, que havia perdido um seu primeiro e grande amor, para salvar a sua mãe dum loucura que já se estava a manifestar, não havia a mesma alegria...

Minha mãe era açoriana, como eu, de gema, e além de muito bonita, tocava piano maravilhosamente, no seu belo piano de cauda.

Ela possuía uns normais olhos castanhos, como eu, mas ficou deslumbrada com uns olhos azuis que meu irmão trazia, muito parecidos aos do meu pai e, como sempre viveu rodeada de água do Oceano Atlântico, logo lhe deu o nome de MAR, com o que meu pai concordou de imediato, e assim, ficando como Carlos Mar Bettencourt Faria.

Este miúdo, um tanto sisudo, aos 3 anos de idade, começou a mostrar certas virtudes pouco usuais nas crianças de tão tenra idade, mostrando-se muito interessado, mais pelas mecânicas complicadas, do que por carrinhos e bonecos...


Meu pai que estava muito atento, logo lhe começou a oferecer Mécanos, brinquedo muito usado naquela época, com dezenas de peças metálicas furadas e milhentos parafusos, porcas, rodas e rodinhas, além das ferramentas miniatura, que as crianças podiam manejar facilmente.


A sua memória para os sons, também espantava toda a gente, pois bastava ouvir o ruído de um motor de automóvel e o seu pai lhe dissesse a marca do veículo, logo ele, mesmo brincando no meio da sala, muito compenetrado com o que estava a fazer, sempre ia dizendo: ali vai um Ford... agora um Citroen... agora um Fiat... e lá continuava a colocar as pecinhas do seu Mécano ...

« A casa onde eles viviam, era um dos mais belos edifícios da Av.Almirante Reis, e que fazia esquina com a Rua da Palma e Largo do Intendente, em Lisboa.




Por baixo, no rés-do-chão, era todo ocupado com a sua Empresa Nacional de Máquinas e foi por causa de uma venda para S.Miguel, duma destas máquinas, que ele foi dirigir a montagem, e que veio a conhecer minha mãe, por quem ficou, de imediato, loucamente apaixonado.



Ele não era o que se pode chamar de "pessoa dotada de beleza física", mas aquela sua forma de falar à moda continental, tão diferente da açoriana, era um gosto ouvir, e se ele tinha coisas interessantes para contar !




Embora nesta imagem, ele pareça que tinha os olhos escuros, eram verdes e o seu olhar penetrante, até parecia que "faiscava" de hipnotismo, junto duma voz grave muito bem timbrada !




Aquele homem tinha uma certa magia, pois falava de tudo com imensa facilidade, como se fosse um profissional de centenas de ofícios...




Meu avô que, além de médico, também era muito curioso e tinha no sótão (lá se chama falsa) imensas ferramentas para muitas ocupações, como mecânica, carpintaria, caça, fotografia, electricidade, etc, logo se mostrou encantado com a fluída conversa daquele Sr.José Augusto Martins Faria.


Ainda por cima, como adorava música séria e até sabia tocar violino, encantava toda a gente, menos minha mãe que vivia atormentada, por ter tido de apagar dos seus intentos, um amor de há alguns anos, por um oficial Madeirense, um tal Santos Pereira, mas que tinha uma irmã doente de loucura, doença que apavorava minha avó, muito em especial quando soube que uma irmã deste oficial, levava a vida torturada pela sua irmã louca, veio a dizer à minha avó, que estava desejosa daquele casamento, para ser minha mãe a aturar os desmandos daquela loucura.


Esta terrível situação, veio a despoletar na minha avó, uma artista nata ao piano, professora de Francês e inglês, ataques de loucura, fechando-se num quarto e lá se pondo aos gritos e proferindo nomes que de feios, ninguém admitia que pudessem sair da boca duma senhora tão fina...


Meu avô, vendo-a já no início da loucura, insistiu com minha mãe, para que parasse com aquele namoro, o que ela aceitou, com grande sacrifício, desfazendo o noivado com o oficial.

«Entretanto naquela casa cor-de-rosa em S.Miguel, nos Açores e na freguesia dos Ginetes, que reportei neste blog, em Junho de 2007, o seu belo piano de cauda, lá ia mantendo minha mãe entretida, muitas vezes chorando a sua tristeza !

Meu pai andava sempre de um lado para o outro, tanto em S.Miguel como no Continente, levando consigo o seu belo carro que fazia transportar de barco.

« O grande amor da minha mãe, estava a fazer serviço militar na ilha Terceira e quase todos os fins de semana, ia visitar o seu amor a S.Miguel.


Foi numa destas alturas, em que meu pai estava em S.Miguel, e nos Ginetes, a 25 Km de distância da cidade de Ponta Delgada, que ele se ofereceu para ir no seu carro, buscar o oficial, a Ponta Delgada, pois até estava interessado em saber quem seria aquele indivíduo que estava enamorado pela mulher por quem ele se havia enamorado também, mas vendo o carinho dele para com a minha mãe, retirou-se da sala e foi chorar de tristeza, debruçado sobre o volante do seu carro.


Meu avô foi assim dar com ele e ficou muito impressionado, em especial quando meu pai, lavado em lágrimas, lhe disse:
" Doutor, se por qualquer motivo, houvesse um desfazer daquele noivado, diga-me de imediato."

Foi por esta altura, que se deu o caso da loucura já abordada anteriormente, e mal meu pai soube da interrupção do noivado, de imediato apareceu, para grande alegria dos meus avós, e menos da minha mãe, como era óbvio, mas pedindo a sua mão para casamento quase imediato.

«Mas, como estava a descrever anteriormente, meu irmão lá ia crescendo e cada vez mais entusiasmado pelas coisas científicas, além de adorar a música, onde desde miudo mostrou habilidade para tocar piano, mas sempre achou que era muito aborrecido o ter de estudar música e assim se ficou a tocar de ouvido e de tal maneira, que muitos depois, gostava muito de mostrar às visitas à sua casa em Angola, no seu Observatório da Mulemba, as suas habilidades a tocar piano.

« Mas voltando uns anos atrás, num certo dia, quando ele tinha uns 3 anos, a minha mãe foi visitar uma senhora importante em Lisboa, levando meu irmão, e no meio da sala, estava uma mesa de luxo, carregada de pratas e coisas de muito valor.



Meu irmão, havia-se metido debaixo da mesa e verificado com os seus minúsculos dedinhos, já muito hábeis no Mecano, que podia retirar uma data de parafusos dourados, muito pouco apertados e às tantas, foi despejá-los no colo da minha mãe, que ficou apavorada, por logo terem verificado que a mesa estava prestes a desmoronar-se...
E, de imediato, olhando aqueles olhos azuis do meu irmão, lhe disse :
"O menino vai colocar esses parafusos todos nos seus sítios e as porcas também...!"
E ali ficaram as duas senhoras, apavoradas, sem saber o que dizer, mas a observar a habilidade e destreza com que meu irmão se voltou a meter debaixo da mesa e lá enfiou os parafusos e porcas que tinha conseguido retirar.

Mas, quando ainda só tinha uns 9 anos, e eu 5, e estávamos na instrução Primária, ele pensou em construir um violino, de raiz !


Na oficina do sótão de meu avô, havia muitos retalhos de madeira, e ele agarrou uma fita métrica, e foi fazer centenas de medidas do violino de meu pai, que estava sobre o piano.


Mas aquilo tinha muito de complicado, porque ambos os tampos, eram côncavos/convexos, e não se podia prender na bancada de carpinteiro, pelo que eu estava sempre a ser chamado para segurar aquilo, enquanto ele, munido das goivas e outras ferramentas, lá ia escavando aquelas tábuas.


Mas mesmo que eu me queixasse de que já me doíam muito as mãos, ele insistia...


Eu sou, por isso, a única pessoa no Mundo, que sabe deste e muitos outros acontecimentos.


E ele já sabia escolher as madeiras mais apropriadas para cada parte do seu violino, porque tinha tudo bem planificado.


Até que finalmente, aquilo começou a ser experimentado, "miando" como gatos, o que muito intrigou meu pai, no andar debaixo, pois até julgou que o "malvado" garoto estivesse a mexer no seu adorado violino, mas como o foi encontrar em cima do piano, vai de subir ao sótão e ver o violino de meu irmão, pegando nele, mirou-o por todos os lados, afinou as cordas e colocando-o debaixo do queixo, tocou uma melodia !


Aquilo era lindo demais ! Aquilo até tocava ! e os nossos olhos se encheram de lágrimas...

«Nessa época, já toda a família sabia que meu pai, ainda no Continente, em Lisboa, após ter agarrado uma enorme carga de diabetes, veio a despoletar-se uma tuberculose e assim ele havia pedido ao meu avô, para o deixar morrer junto da sua amada esposa e filhos, nos Açores.


Meu avô bem compreendeu a sua vontade, mas passou a andar muito preocupado com o possível contágio de qualquer um dos presentes, até porque meu pai não se mostrava muito preocupado em tossir para qualquer lado...como se estivesse somente constipado...


Mas o médico, um tal Dr. Brilhante, quando meu avô lhe foi falar do tempo que ele teria de vida, ouviu que não podia durar mais do que uns 3 ou 4 meses.


Assim, lá autorizou a sua ida para S.Miguel, onde ainda viveu 3 anos, morrendo com 45 anos.

Meu irmão estava sempre a evoluir, e é nesta altura da grave doença de meu pai, que nós recebemos de oferta do nosso professor de Instrução Primária, o Sr. Santos, um radio e pilhas, avariado, mas com a paciência de meu avô e a sua habilidade para as electricidades, nos pôs a limpar os contactos de todas as pilhas e lá começámos a ouvir milhares de coisas a piar pi-pi-pi, e que viemos a saber ser telegrafia, e as ondas de rádio.


Aquilo era demais interessante!
Meu irmão, melhor do que eu, e com o seu belo ouvido, de imediato aprendeu o código Morse e levava horas entretido a agarrar aquelas comunicações, pelo que desde muito cedo, com 13 anos, já dominava a telegrafia e muito da tecnologia electrónica, que "bebia" de todos os lados...

« Uns anos depois, chega a altura do Serviço Militar, que ele abominava, e vai parar ao Algarve, a Tavira, mas como tinha muita habilidade para o desenho, desmontou a sua arma toda, e desenhou-a, peça a peça, com vistas por todos os lados.

Aquilo deu um brado enorme no quartel, e o Comandante o incumbido de desenhar todas as armas existentes, ficando assim como instrutor e responsável pelo arquivo dos desenhos.


Mais uma vez, Carlos Mar se tinha evidenciado e tirado partido da sua habilidade, e ficando fora dos aborrecidos exercícios militares...


Assim, ele havia feito o Serviço Militar, a brincar com coisas muito interessantes.

«É desta época, o meu artigo Nº.85, "E meu irmão me salvou a vida", em Março de 2008.

«Eu fui assim, durante toda a minha vida, uma pálida sombra deste rapaz que eu tanto admirava e amava, embora muitas vezes não estivéssemos de acordo.



O seu enorme entusiasmo pela astrofisica, veio a pô-lo em constante contacto com a NASA, que foi visitar e até falar pessoalmente, com os astronautas.

Ele foi uma honra para Portugal, onde nunca foi compreendido...

Quando se soube que havia sido assassinado em Julho de 1976, sem nunca ter feito mal a ninguém, a minha vida se desmoronou !

«Gostaria de deixar aqui o meu profundo agradecimento à minha irmã Maria Leonor, que me ajudou imenso com alguns factos que eu até desconhecia, mas ela havia guardado das conversas com a nossa mãe, Maria da Luz Ferraz Bettencourt Leça Faria.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

O LINDO VESTIDO DE CETIM CASTANHO

Quando meu pai faleceu, em 1938, eu tinha somente 11 anos e ele 45.

Minha mãe era muito nova, linda e esbelta, mas tinha sofrido um enorme desgosto no seu primeiro amor, com um oficial madeirense de nome Santos Pereira, que tinha uma irmã com loucura, e disso veio a ter conhecimento a minha avó, que tinha um horror imenso às pessoas loucas.

Para piorar as coisas, minha avó teve conhecimento de que o namoro com o Santos Pereira, era mais devido a ele procurar uma pessoa que pudesse tratar e conviver com essa irmã louca, do que por amor.

Minha avó começou também a enlouquecer e de tal maneira que meu avô, sendo médico e verificando o estado de saúde da minha avó, que já andava às gargalhadas pela casa e dizer disparates... acabou por ir pedir carinhosamente à minha mãe, que desistisse daquele casamento, para não ficar com a sua mãe louca.

Mas aquele primeiro amor da minha mãe, quase deu com ela em louca, mas não viu outra saída, que não fosse acabar mesmo com aquele namoro...

Felizmente que, por casualidade, aparece em S. Miguel, um continental muito fino e delicado, que estava a montar em Ponta Delgada, umas máquinas da sua Empresa Nacional de Máquinas, de Lisboa e o dono das máquinas, desejou apresentar a este ilustre personagem, do melhor que houvesse em S.Miguel, e que era a minha família que vivia nos Ginetes, a 25 Km de distância, os meus avós e mãe, pessoas muito conhecidas na ilha pela sua virtuosidade a tocar piano.

Minha mãe estava ainda muito longe de ter esquecido o seu primeiro amor dos 20 anos, mas estava com certa curiosidade de conhecer essa visita continental, um tal Martins Faria, um pouco mais velho do que ela, mas que era uma pessoa muito alegre e faladora, além de apreciar profundamente, a boa música.

Quando chegou aquela rara sumidade e que foi logo recebida por meu avô e avó, mas minha mãe embora curiosa, estava um tanto relutante em aparecer...

Mas os meus avós é que simpatizaram muito com ele, até porque sabia muito de música, de automóveis, motores, mecânicas, de electricidade, tudo coisas que meu avô também gostava.

Até que chegou o momento de irem buscar a minha mãe e ela lá veio, muito envergonhada, conhecer o Sr. Faria, aquele personagem que tinha uma voz grave e muito bem timbrada com todo o sotaque continental, que tanto encanta dos açorianos, porque falam muito claro. Após poucos minutos de conversa, ele até disse que tocava violino e adorava o piano, pelo que estava desejoso de a ouvir.

Minha mãe logo se assentou ao piano e tocou uma das suas melhores interpretações, que deixou o Sr. Faria completamente encantado... Ele nunca tinha ouvido tocar assim... aquilo era demais !

Os meus avós estavam muito atentos aos acontecimentos, até porque desejavam ardentemente que minha mãe esquecesse aquele primeiro amor pelo oficial, e se deixasse aproximar deste jovem engenheiro de máquinas e tão conhecedor de música séria.

Assim, ficou combinado que na sua próxima viagem a S. Miguel, ele viria acompanhado do seu violino e fariam os dois, uns belos concertos.



Ele não era o que se pode chamar de homem bonito, mas o encanto da sua conversa, acabou por tocar bem perto a minha mãe que, a pouco e pouco se deixou levar pela sua agradável companhia, aquele tão lindo sotaque continental e habilidade para contar anedotas finas, até porque sabendo tocar violino, estava mais perto dela, do que o antigo namorado que só sabia tocar campainhas de porta... e tinha lá em casa, a tal irmã enlouquecida...


Assim, não foi difícil levar minha mãe a esquecer o antigo namoro e com tão enorme reportório musical, cada vez mais encantar o Sr. Faria, que a ouvia extasiado!

Meu pai era uma pessoa muito alegre, mas um tanto reservada, só se abrindo para pessoas muito especiais, daquelas com quem dá gosto conviver e além disso, estava solteiro e livre.

Daí ao seu casamento com a bela Maria da Luz, assim se chamava ela, foi um saltinho.

Como meu pai teve de vir ao continente buscar mais máquinas, tratou logo dos papeis necessários para o casamento e na volta, teve de passar pela ilha da Madeira, onde foi procurar saber quem era o tal oficial e, ao encontrá-lo, logo lhe perguntou:

«O Sr. é que queria casar com a D. Maria da Luz Leça? ", ao que ele respondeu de imediato que sim.

Meu pai sacou da algibeira os papeis para o casamento e lhe respondeu:
«Pois fique a saber que quem vai casar com ela, sou eu e até já levo aqui a papelada para o casamento..:"

O oficial nem queria acreditar, julgando que ele estivesse a brincar, e lá se despediram, embora deixando o oficial muito baralhado de ideias....

Mas nos Açores, houve qualquer complicação com as máquinas e ele teve de voltar urgentemente ao Continente, ficando combinado que o casamento teria de ser feito em Lisboa e assim vieram meus avós, a acompanhar a filha para que se casasse em Lisboa, o que veio a acontecer por volta de 1923.

Meu pai vivia por cima da Empresa Nacional de Máquinas, num prédio de esquina, imponente, e que dá para a rua da Palma e Av. Almirante Reis e Largo do Intendente.

Portugal estava constantemente em revoluções militares que iam deitando por terra, todos os empreendimentos em que meu pai se metia...

Entretanto adoece gravemente de diabetes e pulmões, indo acabar os seus dias nos Açores, em S. Miguel, na casa de meu avô, onde o vim a conhecer pessoalmente e assistir à sua morte.

Desta vida, faço fé, no meu blog, em "Martins Faria, uma vida de sonhos ".

Nove meses depois, nasce o meu irmão Carlos Mar, depois a minha irmã Maria Manuela, mas por qualquer motivo que desconheço, eu fui nascer em S. Miguel, nos Ginetes, na "casa cor de rosa" de que tenho falado várias vezes no meu blog, mas os outros irmãos já no Continente, novamente.

Esta conversa só serviu para que o meu leitor entendesse melhor o meu amor por S. Miguel.

Mas a morte prematura de meu pai, deixou a família em sérias complicações financeiras e embora ainda tivesse tirado o curso do Magistério Primário, e trabalhado com ele durante uns anos, acabou por saltar para Lisboa, onde arranjou emprego interno na Santa Casa da Misericórdia e teve de "arrumar os filhos", da melhor maneira possível .


É nesta altura que descrevo no meu blog, "Um açoriano abandonado em Lisboa", com enormes dificuldades financeiras, mas acabando por ir parar ao Arsenal do Alfeite, onde o seu Director Técnico, era o Eng. Vargas Moniz, amigo de infância da minha mãe, e de quem falei no meu blog, em " Meu amigo Eng. Rogério Vargas Moniz".

Infelizmente, a precária alimentação e muito cansaço, acabou por me originar uma grave doença pulmonar e isso, conto no blog, em "Atacado pelos ácaros".

Minha mãe moveu mundos e fundos, para que eu fosse para um sanatório dos instalados na Serra do Caramulo e como sempre, vestida de negro, se foi despedir de mim no comboio, na estação do Rossio, num apertado abraço, lavado em lágrimas, como eu já não via desde a morte de meu pai... provavelmente pensando que seria o seu último abraço dum filho, em vida, mas talvez devido à minha ignorância da importância da minha doença, até ia contente, pois o doloroso tratamento a que estava a ser sujeito em Lisboa, deveria ser menos mau no sanatório.

Felizmente que a morte só me agarrou de raspão e uns anos depois, eu me via curado e de volta a casa, a Lisboa.

Aí, cá estava eu sem emprego, mas como minha avó me tinha ensinado a falar, escrever e entender o inglês, um dia me entusiasmei em entrar no Consulado Americano e pedir para falar ao Sr. Cônsul que, após uma certa insistência minha, lá me atendeu e, como eu lhe expliquei que já havia construído a minha estação de radioamador, de que mostrei uma fotografia, que gostaria de trabalhar para a RARET, ele me deu a morada da Sede da Empresa e lá fui eu, onde fui muito bem recebido, talvez por ir recomendado pelo Sr. Cônsul...

A minha entrada em Benavente, foi trágico-cómica, porque nós éramos considerados "os americanos", mas era tudo malta muito nova e pronta a conviver.

É desta entrada em Benavente, que me refiro no blog, em "E me convidaram a tourear a cavalo", em Outubro de 2007.

Mas eu não havia esquecido aquela roupa preta que minha mãe teimava em vestir e jurei a mim mesmo, que logo que tivesse algum dinheiro, lhe ofereceria um tecido de outra cor e, assim, procurei o melhor que o Pedro Vermelho, que tem uma loja de fazendas, possuía, em Benavente, e que me recomendou um tecido de cetim castanho, realmente bonito.

De imediato saltei a Lisboa para ofertar aquele tecido à minha mãe que, talvez para me agradar, lá foi mandar fazer o vestido que lhe ficava lindamente. Que linda que ela ficava !

Ela era mais ou menos assim bonita, como nesta foto.

Sobre esta fisionomia muito suave, havia um olhos castanhos. Toda ela era romantismo para a música e o seu piano de cauda brilhava todo o dia.

Mas passado pouco tempo, eu venho a descobrir uma linda garota que me enfeitiçou desde o primeiro encontro !
Eu estava desejoso de meter conversa com ela, mas só conhecia bem um rapaz, um pouco mais novo do que eu e se chamava Gualtar Santos, e lhe perguntei se ele conhecia aquela garota de casaco vermelho, ao que ele me respondeu que conhecia e muito bem.
Assim lhe perguntei se ma poderia apresentar e marcou-se esse encontro para o dia seguinte, mas para meu espanto, ao chegar na hora certa, ao local, vejo o meu amigo abraçado à garota dos meus sonhos, na janela do rés-do-chão, e os dois com cara de gozo !
Quando me viram tão aflito, ele adiantou: " Não te aflijas. Ela é minha irmã Alice Rosa"... Livra, que alivio !

Ela era tão pobre como eu, mas de boas famílias, e dois anos mais velha do que eu, mas estava livre, embora tenha vindo a saber que tinha tido uma paixão antiga, mas nunca me disse porquê não a tinha usado para casamento... mas para mim, tanto melhor e queria lá saber dos antigamentes...
Mas como éramos ambos pobres e eu nem tinha reservas, toda a sua família achou por bem ajudar ao nosso casamento e, passados 2 meses, estávamos casados e a morar numa velha casinha, no meio do campo, que os seus avós tinham conseguido arranjar, por dentro e por fora, em Vale de Estacas, e até pertencia aos que foram os meus padrinhos de casamento, Dr. Ferreira Lourenço, Presidente da Câmara e sua esposa, a D. Joaquina.


Como ela estava ainda mais linda, vestida de noiva !
E, como não podia deixar de ser, lá estava minha mãe no seu vestido de cetim castanho, com um bonito chapéu, de abas largas, tão linda que mais parecia uma rainha e eu todo feliz.
A partir dessa data, e enquanto viveu até aos 95 anos, nunca mais a vi vestida de preto.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

QUE BOM CHEGAR A VELHINHO !!!!

Provavelmente, o leitor que chegar a este blog, ficará um tanto atónito com a expressão escolhida para esta crónica, pensando provavelmente, que a velhice deve ser uma grande chatice !
Na realidade, se uma pessoa tiver levado uma vida sem nada para recordar, e se ainda por cima, não tiver já uma boa saúde, achará que a velhice, deve ser uma coisa muito chata, mas quando há muito para recordar e ainda interesse por viver, encontra muito de que falar...

Na realidade, a velhice, quando cá se chega, como eu aos 81 anos, vem acompanhada de muitas surpresas, às vezes um tanto desagradáveis, certos abanos na saúde, a noção de que já faltam muitas coisas que se foram perdendo pelo caminho dos anos, mas enquanto se tem a noção de que numa longa vida, tem mesmo de existir muitos solavancos e nos temos de ir preparando para o passo final...pensa-se de forma diferente...

Alguém me poderia perguntar: "Qual é a melhor hora de cada um dos seus dias?", e eu poderia responder que é o acordar e uma pessoa sentir que ainda está viva e lúcida.
Depois dum cigarrinho para ajudar a acordar completamente, dada a preocupação de não deixar cair nenhum morrão sobre a roupa, segue-se o ir fazer o pequeno almoço de sopas de café com leite, e vir comê-lo para a cama e logo seguido de outro cigarrinho...
Muito confortavelmente instalado, agarra-se uma boa leitura por mais uma hora e se pára.
Segue-se um período vazio de olhar o tecto branco e tudo o que nos rodeia, e no silêncio total da falta de companhia, ficar a pensar no que se poderá fazer de agradável, para encher as horas do dia que acabou de nascer.

Como o leitor deste blog já teve várias vezes, a oportunidade de ler, eu sempre me lembro de que tenho tido muitas ocupações diferentes e, se for alguma em que possa aprender qualquer coisa, ainda melhor.
Eu costumo pensar que as únicas coisas que me crescem actualmente, são as unhas e o cabelo... o resto já se foi andando e desaparecendo, mas como tudo se vai lentamente, nem dá muito para se ficar preocupado, mas simplesmente com certa pena.
Vão-se os dentes, o ouvido e a vista, com baixa imenso de sensibilidade, as pernas começam a ficar perras e em vez de se andar, damos que estamos mais a arrastar os pés e a tropeçar ao mais pequeno descuido, e se fica com a saudade do interesse sexual que tanto abundava uns anos antes, e se extingue.

Se se envereda pela INTERNET, os amigos que se vão juntando e fazendo companhia diariamente, são um enorme aliciante, pois cada um nos vai dando noticias do que está a fazer ou a pensar fazer, os que necessitam dos nossos conhecimentos adquiridos durante tantos anos, e nos enviam imagens lindas de ver, de todos os tipos, de terras distantes e lindas de ver e conhecer, do aparecimento de instrumentos que todos os dias se estão a inventar e mulheres, lindas mulheres, daquelas que tem TUDO o que qualquer homem gosta de ver... enquanto os seus olhos ainda conseguem enxergar alguma coisa !

Mas eu nasci com uma necessidade imensa de conversar com toda a gente, mais novos e mais velhos, ricos e pobres.
Por esse motivo, em 1948, quando me apercebi de que a morte só me tinha passado ao perto, logo me entusiasmei pelas actividades radioamadoristicas que me abriam imensas portas científicas, e a ANACOM me forneceu o indicativo de CT1DT, que ainda hoje possuo e uso.
Assim, e embora ainda num sanatório, me fiz radio-amador e de lá das altas montanhas do Caramulo, consegui encontrar imensa gente da minha idade, 17 anos, e muitos, quase todos, mais velhos. E, como os anos iam andando e eu a ver imensos amigos a morrer, ricos e pobres, mas em especial os bem comidos e bem bebidos, lembrei-me de fazer uma lista dos que se tinham ido, a que chamei de "Triste Lista", onde já inscrevi 375...
Assim hoje, eu sou , dos poucos velhos amantes da rádio, que ainda existem em Portugal !

E lá se vão encontrando aqueles velhos amigos de há mais de 60 anos, que também se meteram com a NET, e com quem estamos de conversa, horas e horas, recordando os tempos passados...as aventuras que tivemos, as empolgantes experiências de todos os tipos, os sustos e os fracassos que apanhámos e as alegrias que nos encheram a vida, as mulheres que nos acompanharam e em que algumas vimos morrer nos nossos braços.... E mais, a vermo-nos uns aos outros...via MSN em televisão.

É uma pena que muitas pessoas que chegaram à idade avançada, não tenham a coragem de se meter na NET, pois ficam sem quase nada para fazer, todo o dia, só esperando pela hora da alimentação, um passeiozinho pela rua, se estiver bom tempo...umas horas a ver televisão, e umas sonecas à mistura...

Felizmente que, e desde há muitos anos, me enviam mensalmente pedidos de mais artigos para publicar e isso me ajuda a estar sempre de atalaia, para encontrar os assuntos sobre o que escrever e juntar fotografias e esquemas, que, muitas vezes, têm de ser feitas sem perda de tempo, para quando chegarem os pedidos, já ter alguma coisa pronta a seguir. Entretanto já tenho publicadas, cerca de 2000 páginas de assuntos técnicos, e por isso, muito diferentes destes que aqui escrevo.
Eu devo ser considerado um tipo muito especial, talvez "maluco", dado que, se se for à NET e lá escrever ct1dt, em QRZ.COM, vai-se ver que lá está a minha fotografia de há poucos anos e a indicação de quase 2000 visitas ao meu indicativo... e fico a pensar no porquê... quando a maioria, anda pelas 200 ou menos...

Quase todos os dias nos entram pelo casa dentro, no computador, anúncios das mais rocambolescas coisas, desde as comidas que fazem bem a tudo, as anedotas, aos comprimidos de Viagra que já não nos serviriam para nada... há de tudo !
Mas uma coisa é certa, desde há muitos anos, que me habituei a uma alimentação muito simples, como um prato de sopa de legumes e massa, um ovo estrelado ou em omeleta, um fruto, meio pãozinho, um pouco que queijo de barrar, e um copinho de sumo de laranja, é quanto basta, pois as sopas de café com leite da manhã e do lanche, bem docinhas, fazem o resto.
Perde-se a vontade de andar a medir a tensão arterial e de andar sempre nos consultórios, quando já se sabe que as análises que foram feitas anualmente, se mantêm estáveis. Então, para quê ir fazer mais ?
Claro que há muita gente que necessita de vigiar as diabetes, se as tem, mas quando se fez uma vida muito cuidadosa, regrada e simples na alimentação, não fica nada por onde se ter de cortar.
Aprendemos que mais cedo ou mais tarde, todas as comidas muito condimentadas, acabam por vir a fazer mal, mais tarde. Então eu as eliminei...pura e simplesmente! Nada de fritos, nem refogados, nem gelados, desde que vim a saber que eram feitos de manteiga e leite... e andar a comer "manteiga" à colher, é mesmo um suicídio...

Uma coisa aprendemos, é que os dentes postiços nunca mais funcionam como os de origem, e nunca mais se consegue trincar com dantes. Se os dentes não conseguem desfazer uma carne um tanto rija, mais vale ir metê-la no triturador, 1,2,3 e comê-la logo moída, em vez de exigir que um estômago com mais de 80 anos, o consiga fazer convenientemente, à custa do seu corrosivo ácido clorídrico. Ou então, pura e simplesmente, eliminá-la da dieta.
Porquê teimar em comidas que se digeriam bem aos 20 e aos 30 anos, mas que agora são um sacrifício tremendo para o estômago as digerir?

Quando se vive completamente só, fica-se muito restringido na alimentação, a coisas muito simples, e estar o mínimo de tempo na cozinha, nem que seja por preguicite aguda...
Mas uma coisa que parece tão simples de fazer para toda a gente, como partir um ovo para estrelar...até isso fica complicado, pois a maioria das vezes rebenta a gema e aquilo fica uma autêntica chachada !!
Eu não me sinto como pessoa desajeitada, até porque me consigo entender dentro dum relógio de pulso e com os seus micro-parafusos, as micro-rodas dentadas, mas fico mesmo chateado quando, ao pretender fazer um bonito ovo estrelado, acabo por vê-lo rebentado na frigideira, embora se possa comer aquela mistela...
Ná, aquilo tem de ter a sua técnica, pois uma coisa é partir um ovo para mexer ou fazer uma omeleta, e outra, fazer um estrelado... é muito diferente e eu tinha de aprender...
Assim, peguei um, coloquei-o numa balança e com o gume duma faca, fui fazendo força, lentamente, e medindo a força.
Verifiquei que a casca estalava aos 3,5 Kg, mas só ia dentro, aos 4 Kg...e sem rebentar com a gema...
Bem, pensei eu, então o que tenho de fazer é várias pancadinhas à sua volta para facilitar que se abra, e assim lá me tenho safado... e podido comer, regalado, e molhado com bocadinhos de pão, a sua saborosa gema e a clara, levemente tostada à volta.
Mas como é óbvio, vão-se fazendo disparates, quase todos os dias, e ainda hoje, fui fazer o café e me esqueci do próprio café ! Só tinha água quente !!!
Noutra vez, foi ao contrário, coloquei o café e esqueci-me da água, que teimava em não subir... e ia acabando com a maquineta, que quase se ia derretendo !!! e café... nada !
Ou ir fazer duas ou três compras e chegar ao super-mercado, e já não saber o que ia comprar e outras, encontro as coisas e me esqueci do dinheiro...
O que me vale, é que todo o mundo me conhece e vai perdoando, mas nem que seja um euro, eu tenho de o ir lá levar. Não posso ficar dever um tostão a ninguém... fico mesmo doente...
Ou sair de casa com braguilha aberta... ou com os botões da camisa, trocados...
Ou andar pela casa à procura duma coisa que já nem sei o que era...tendo de voltar atrás...

As coisas de casa, como limpar e arrumar, é que me custa um pouco mais, em especial o ter de fazer a cama, dificilmente sabendo o lado da cabeça e o dos pés...ou se está direito ou do avesso...
E passar a ferro uma data de roupa...

O leitor poderia perguntar: e porque é que não vai comer fora ?
Porque me custa muito o tempo de espera pela comida, pensando no que poderia estar a fazer em casa, com os meus brinquedos, responder ao correio electrónico, escrever um artiguinho como este, ou preparar um outro para publicação...

E viva a velhice !!!! que é linda de viver ... e deixa-me ir embora, senão nunca mais acabo... e me ponho a contar como dei dois valentes trambolhões esta semana e de cabeça no chão... e como consegui acabar com umas dores de cabeça que não me deixavam dormir... talvez devido aos trambolhões, mas isso daria para outro artigo...