terça-feira, 17 de junho de 2008

QUE BOM PODER RECORDAR.....pessoas interessantes !

Estava eu em Março de 2007, por isso, o ano passado, quando um amigo me vem informar de que havia um blog duma senhora portuguesa, em que ela falava de coisas interessantes sobre meu irmão Carlos Mar, de que tenho falado várias vezes neste blog, como em "Meu irmão me salvou a vida", o que me levou, de imediato, a ver de quem se tratava e fui abrir o seu blog de nome http://paixaodossentidos.blogspot.com/
Na realidade, eu havia entrado num blog muito especial, muito diferente de todos os que já conhecia e onde viria a encontrar uma senhora de nome Ana Ramon que com 15 anos, havia entrado num pequeno grupo de jovens entusiastas pelas coisas do espaço, aquele imensa aventura dos astronautas, os satélites, os foguetões, a NASA, o nosso Mundo visto do espaço sideral, etc. quando ainda estava a estudar em Almada.

A sua forma deliciosa de escrever e relatar, era emocionante !
Realmente, lá estava um seu artigo intitulado "O ALBUM DE RECORTES", onde vim a saber do seu enorme entusiasmo pelas coisas científicas, tanto de meu gosto, e raro nas senhoras, e dedicava carinhosas palavras ao meu então assassinado irmão, em Angola, em Julho de 1976, Carlos Mar, no seu Observatório da Mulemba.
Ela e o seu pequeno grupo de entusiastas, lembraram-se de pedir apoio a este meu irmão, e dele recebeu de imediato, correspondência com muitas explicações do que poderiam fazer em prol do desenvolvimento destes assuntos tão transcendentes, na época, e em especial para jovens, cheios de dificuldades financeiras e especialmente uma garota tão linda.


Como ele gostava e tinha muita habilidade para desenhar, as suas cartas eram repletas de desenhos explicativos.
Assim, além de o ter conhecido pessoalmente e o ouvido tocar piano, que ele adorava tocar de ouvido, ainda ficou a saborear as suas experiências no Observatório, e da forma como ele lá ia conseguindo manter aquilo tudo em funcionamento, usando materiais de sucata, como latas e latinhas de todos os feitios e tamanhos...velhas máquinas fotográficas e muito material de rádio, pistolas para pesca submarina...etc.etc.
É provável que a Ana Ramon, tivesse até ficado "deslumbrada" com aqueles olhos azuis e tão fluente forma de falar de coisas tão sérias e complicadas para eles todos...

Naquela época, nem se tinha ainda ouvido falar de Internet, nem blogs, nem nada...
Só se ouvia falar de NASA, de foguetões, de satélites, de radiocomunicações, em que ele era exímio como radioamador com indicativo CR6CH, especialmente em transmissão de Morse...etc.etc.

Mal sabia ela, de que esse Carlos Mar Bettencourt Faria, era o meu único irmão e só 3 anos mais velho do que eu...a única pessoa neste Mundo, que conviveu com ele, em garoto e, com a ajuda do nosso professor Primário, Sr.Santos, nos ajudou a entender o que era a rádio e as telecomunicações, que estavam a nascer.
Assim, como ela tem lá o seu e-mail, eu lhe escrevi a agradecer as tão simpáticas palavras e os elogios que tinha feito a meu irmão e até enviar-lhe uma foto minha e falando do que eu tinha estado a fazer não só em miúdo, na companhia de meu irmão Carlos, mas também a minha vida mais ou menos rocambolesca que tenho descrito neste blog, imensas vezes...
Como esta Ana não tem os "dedos enferrujados", logo iniciámos uma troca diária de correio que se tem prolongado até aos dias de hoje, em que ela, sempre muito engraçada e versátil, me vai descrevendo o seu dia a dia, numa enorme quinta que possui, lá para o Norte de Portugal, perto de Viseu, agora casada e feliz, já com filhos e netos.
É curioso que tendo MSN, eu já a vi a dedilhar o seu teclado, num dia em que estava um seu neto a brincar no MSN e eu o chamei e ele me respondeu. Mas, como eram horas de almoçar, ainda vi a Ana pela WEBCAM e a dizer-lhe para parar com aquilo, para irem almoçar, mas lá falar para mim... é que nada!
Ela diz, perante os meus protestos, que prefere "falar pelos dedos"... Há aqui um mistério enorme para eu desvendar !!!

Aquela vida no meio do campo, como não podia deixar de ser, a entusiasma profundamente, não só ao assistir ao nascimento de imensos animais, mas com tristeza, assistir à morte de alguns ou até a um incêndio pavoroso que lhe invadiu a propriedade e lhe destruiu imenso arvoredo e imensas árvores de fruto !
Mas esta Ana não esmoreceu e conseguiu ir recuperando toda a área ardida, embora se veja aflita com a sua conservação e protecção, para não ter de assistir, novamente, à entrada de fogos.
Ela quer saber os nomes de tudo e os porquês, mas logo de seguida, entra pela INTERNET a dentro, ou procura literatura apropriada, à procura de mais detalhes explicativos e quando o assunto lhe agrada, vem para o seu blog, explicar por onde andou e do que ficou a saber, dando origem a fabulosos escritos explicativos em minúcia.

Ela aqui está, como é hoje!


Nós rimos e brincamos com tudo o que nos vai acontecendo no dia a dia e umas vezes explica-me ela, noutras explico eu e assim vamos brincando com uma amizade que não pode ser melhor.

Um dia, e relembrando um doce de figos que a minha falecida esposa fazia e era muito admirado, eu fui ver no livrinho de apontamentos da minha esposa, como aquilo era feito e enviei-lhe via e-mail.
Pois como ela tinha lá alguns figos ainda, foi logo experimentar e descrever no seu blog, com fotografias das várias etapas, como tinha feito e no que tinha resultado, em 22 de Outubro do ano passado, a que deu o título jocoso mas muito amável, "Quando os homens da ciência, falam de compotas", onde tece muitas palavras de carinho, sobre a "fórmula" do doce de figo e, com belas fotos a acompanhar, da sequência dos preparativos.

Só falta agarrar um dos figos pelo seu pé, e meter na boca à dentada, ficando, pela certa, todo lambuzado, mas deliciado, como ela ficou !!!
Vive sempre rodeada de música de muitos estilos, ou cantarolando junto dos filhos e netas, ou manuseando as várias máquinas de que necessita para os trabalhos de campo, ou trocando as posições dos ovos na sua chocadeira, ainda consegue tempo para se dedicar ao seu blog, nem que seja até às tantas da madrugada...

Falar desta mulher, é realmente muito difícil, dada a sua versatilidade e tão depressa está a falar de cogumelos, como de flores exóticas, como de doenças nos animais, como doenças nas plantas, como passa para outros imensos assuntos, todos deliciosos de ler.
Ana Ramon, é das pessoas mais interessantes que nestes meus 80 anos, vim a descobrir pela NET, embora muito só, porque o marido trabalha em Lisboa, mas sempre rodeada dos seus ferozes cães...não vá o diabo tecê-las !

sexta-feira, 6 de junho de 2008

AMANHÃ JÁ NÃO TENS AVÔ...

Eu já sabia que aquele meu tão querido avô, não andava bem de saúde, há algum tempo e, nas suas cartas para o Continente, onde eu já estava a viver, ele já ia dizendo que estava a findar a sua estadia em S.Miguel, nos Açores, até porque já lá não estava a fazer nada, e só pensava em vir viver para Lisboa.
A sua vida estava no fim, e a sua maior paixão, seria de poder vivê-la junto de nós, em Portugal.
Assim ele me ia contando que já se havia desfeito do seu belo carrinho, a que ele chamava "as minhas pernas", e até iria vender a sua casa, aquela "casa-cor-de-rosa" de que tantas vezes falei neste meu blog !


Aquela casa, onde tanta alegria tinha havido, com tanta gente feliz e o seu velho piano sempre a tocar dia e noite, já nada lhe dizia, nem à minha avó, que também já havia perdido muito da sua intensa habilidade para o tocar.
Já não se ouvia a flauta, nem o cavaquinho da Madeira, nem a sua viola, que ele tocava, nem aquela valsa que ele tão bem tocava ao piano.
Tudo se estava a desmoronar !
Um amigo ajudou-o a fazer os cálculos para ele saber o quanto valeria a sua casa, mas como o terreno tinha sido alugado, nem ela valia quase nada... Teria de abandonar S.Miguel, quase na miséria...
Embora só tivesse 73 anos, já nem as suas visitas aos seus doentes, lhe interessavam muito e já nem tinha grande paciência para sair a pé, montanha acima, montanha abaixo, vendo que as pessoas já nem podiam pagar-lhe as avenças de que ele tanto necessitava para sobreviver.

Como eu o amava e admirava !

Dos seus 7 netos, toda a gente dizia que eu era o que mais me parecia com ele, e isso me causava grande alegria, embora ele fosse fisicamente de aspecto muito robusto, mas elegante, sempre vestido a rigor e bem perfumado ! Eu tinha imenso orgulho naquela figura, e ele sentia isso !

Quando tive direito a férias, resolvi voltar a S.Miguel, para matar saudades daqueles tão adoráveis velhotes, e poder estar mais algum tempo ao seu lado, mas fui encontrá-lo muito debilitado, incapaz de se mover sozinho e até eu o tinha de transportar ao WC, acompanhado dum criado que já lá estava há muitos anos, e o agarrava pelo outro lado, porque ele já não podia fazer nada sozinho, nem para se lavar e limpar !
Que pena eu tive de o ver assim, naquela casa tão sombria e silenciosa, sem ouvir sequer a voz da minha avó, que muito calada, por ali andava tão preocupada com o que estava a assistir, pois se meu avô não melhorasse, não podia já pensar em vir viver para o Continente, para junto da sua amada filha, a minha mãe, os seus últimos dias de vida...



Aquela minha linda avó, que sempre se mostrava sorridente para toda a gente, andava agora, com aspecto muito sombrio, embora sempre linda, com uma pele acetinada, embora já rondando os 80 anos !
E só recordo de assistir às "fúrias" de meu avô, quando depois de ter levado uma hora a escrever à máquina algum documento oficial, e ela o lia muito cuidadosamente, lhe dizia: olha que Farmácia já não se escreve com "PH", nem Gaiacol como "guayacol", nem pele como "pelle", nem aplicação como "applicação"... e lá ia ele, praguejando acerca da "malvada" revolução ortográfica...

Mas eu queria saber o porquê do estado de saúde do meu avô e ela me contou que numa noite de inverno, ele havia sido chamado de urgência, à linda Lagoa das 7 Cidades e toda a viagem teria de ser feita a cavalo, cumieira acima e depois cumieira abaixo, mas a corta-mato, para ser mais rápido, em que o dono do cavalo o levava à mão, munido duma velha lanterna, por entre toda aquele luxuriante vegetação. Aquela noite estava realmente, imensamente escura ! Parecia de breu !

Meu avô embora fosse um grande cavaleiro, porque durante muitos anos, fazia as suas visitas médicas a cavalo, ia assentado de lado sobre uma albarda, mas às tantas, ao dar-se uma guinada rápida para fugir a um obstáculo inesperado, meu avô cai de costas, com grande sofrimento, pois mal podia respirar...
Mesmo assim, mas agora a pé, gemendo de dor, tossindo e cuspindo, lá foi andando cumieira abaixo, até à freguesia onde a doente o esperava, na sua grande aflição para ter um parto.
Felizmente, para ela, mesmo com meu avô perante tão grande dificuldade para respirar, lá conseguiu por o bebé cá fora, são e salvo, mas já sem força para caminhar, só quando chegou o dia, arranjaram para transporte, uma carroça vulgar e sem comodidade alguma, além de que meu avô já tinha sentido o gosto terrível de sangue na boca e estava a cuspir sangue !
Algo de muito grave lhe teria acontecido e ele já pensava numa costela partida e que lhe estivesse a perfurar um pulmão.


Aquela seria a sua última viagem àquele santuário da Natureza, aquela linda Lagoa das 7 Cidades, que ele havia visitado centenas de vezes, no cumprimento dos seus deveres clínicos.

Mas o pior ainda estava para vir, pois começou a ter imensa falta de ar e gritava para que lhe abrissem as janelas de par em par, para poder respirar melhor... estava com uma angina de peito !
Minha avó logo foi ao telefone, telefonar ao médico mais próximo, um tal Dr. Pavão, que fazia clínica a uns 5 Km de distância, na Várzea, que passados poucos minutos, já estava a pedir a meu avô para arregaçar a manga do pijama para lhe dar uma injecção (?), mas eu nunca tinha visto uma coisa assim... parecia que meu avô tinha o braço cheio de minhocas ou cobras por baixo da pele que se ondulava toda e gritava para que o colega acabasse com aquilo depressa.

Um minuto depois, realmente sossegava das crises de falta de ar e finalmente acalmava.
Ele era muito bom médico, mas um terrível e pavoroso doente... pelos vistos, nem podia ver uma agulha que o fosse picar !
Por outro lado, este médico, muito mais novo do que ele, havia feito uma propaganda muito assanhada contra a medicina que meu avô sabia, e que ele é que tinha muitas "cadeiras de universidade", que meu avô não tinha.
Aquilo era assim naquele tempo; os médicos tinham de ter uma espécie de "peão de brega" que ia pelas terras fazendo a sua propaganda e à caça de mais clientes, certamente dizendo mal dos outros...
Uns anos antes, em que meu avô sempre brincalhão, viu uma carroça passar na rua, e carregada de cadeiras, me disse: Olha ali vão as "cadeiras" que o Dr. Pavão diz que tem a mais do que eu ...
Mas agora, já não podia brincar mais, até porque estava nas suas mãos.

Eu entretanto, levava todo o tempo deitado a seu lado, vestido, lendo-lhe as notícias dos jornais, iluminado por um bom candeeiro de acetilene. Infelizmente, os 15 de férias a que eu tinha direito, estavam a acabar e já estava marcada a minha viagem de regresso, para o dia seguinte.
Minha avó, como sempre muito exacta em tudo o que fazia, a ponto de estar de relógio na mão, para saber quando teria de nos dar um remédio crítico, de 6 em 6 horas, me veio lembrar de que eu me devia ir deitar, porque a camioneta que me levaria para Ponta Delgada, passava lá nos Ginetes, muito cedo.
E foi aí que eu ouvi meu avô dizer: amanhã, já não tens avô !
Mas como ele estava muito calmo, eu lhe disse: "Nem pense nisso! Agora que já está tão bonzinho..." o beijei na mão pedindo "a sua bênção" e me fui deitar.
Era muito cedo, umas 6 da manhã, quando sinto minha avó chamar-me para me levantar , e dizendo até que o meu avô já tinha falecido!
Eu nem queria acreditar no que estava a ouvir e num repente, estava a olhá-lo, deitado de lado com a sua cara deitada sobre a sua mão esquerda e a outra sobre o peito. Era a posição em que o tinha deixado na véspera.
A sua expressão até era sorridente, parecendo que estaria a dormir, pelo que baixinho, para não o acordar, perguntei à minha avó: Mas ele está mesmo morto ? Parece tão feliz...
Mas ela acenou-me com a cabeça que sim, embora eu não visse nem uma lágrima naqueles olhos...
Até me pareceu que estivesse feliz por saber que ele não iria sofrer mais. Ela era muito forte e encarava estes factos com absoluta normalidade.
Realmente ele estava muito frio e me senti todo arrepiado e me afastei, pois havia que tomar o pequeno almoço e seguir viagem para a cidade, onde iria apanhar o navio Carvalho Araújo.
E assim, nem assisti ao seu enterro.
Segundo me contaram depois, teve um enterro miserável, com meia dúzia de pessoas que talvez ele tenha ajudado a pôr neste mundo ou salvo a vida.
Em contrapartida, a morte de meu pai, que tão pouca gente conhecia, uns 5 anos antes, havia levado aos Ginetes, centenas e centenas de pessoas, e até a banda de música Filarmónica Minerva, ia tocando a marcha fúnebre, aquela banda que meu avô havia fundado uns anos antes.

Poucos meses depois, chegava a Lisboa a minha avó Leonor Ester Ferraz Bettencourt Leça, e que sempre muito lúcida, veio a falecer aos 85 anos, depois de um AVC seguido de coma, em que só se sabia que ainda estava viva, porque o rosário que tinha nas suas mãos, passava uma bolinha, de quando em quando, até que parou, por se ter "apagado".
Eu não assisti, porque nessa altura, estava num sanatório do Caramulo, a brigar com a morte que me queria levar aos 20 anos, e de que graças a Deus me livrei, até hoje.