terça-feira, 25 de agosto de 2009

E DERAM-ME 6 MESES DE VIDA
















Crónica nº.106- Agosto de 2009

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http://engenhocando2.blogspot.com/

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Aqui há tempos, li, algures, uma observação que dizia: Conheci um velhinho que esteve a morrer, mais de 80 anos...

Achei uma certa graça a este comentário, porque logo em miúdo, meu avô, que era médico, estava sempre à procura de nódulos no meu pescoço e, dos meus irmãos, que eram 5, eu era o mais fraco e franzino, embora muito vivo, pelo que ele até me injectou imenso cálcio, com o que eu embirrava à brava...mas como lhe tinha muito respeito, gemendo e chorando, lá ia levando com as injecções...

Não é que eu entendesse aquela "mania", mas muitos anos depois, acabei por entender que ele estaria muito preocupado com a minha saúde, até porque meu pai estava com tuberculose pulmonar e me estava sempre a chamar para o pé dele, para o ajudar e não podia dizer que não...

Tanto meu avô como toda a família, também não podia fazer nada.

Como a minha mãe não tinha meios de sobrevivência, tirou um curso rápido de Professora Primária e acabou por se transferir para o Continente, em Portugal, uns anos depois, porque estávamos a viver em S.Miguel, nos Açores e aí comecei, talvez, os piores dias da minha vida, que já contei noutras crónicas deste blog . Os meus irmãos foram todos "arrumados" em vários lados, e eu fiquei um tanto abandonado à minha sorte com várias tentativas de continuar a estudar e trabalhar, quase não tendo tempo para comer, dormir, estudar ou namorar...

Minha mãe era bastante bonita e sabia tocar lindamente piano, mas isso não lhe foi aproveitado, e acabou por ir tomar o lugar de Administradora da cozinha da Santa Casa da Misericórdia em Lisboa, onde esteve muitos anos.


Embora meu pai tivesse falecido quando eu tinha 11 anos, acabei por adoecer da mesma doença, quando tinha os meus 17 anos e fui enviado para um sanatório do Caramulo, onde estive 4 anos em tratamento, mas como sempre fui um brincalhão, aproveitei o melhor possível, as horas em que me permitiam sair e vaguear pelas montanhas, nem que fosse para apreciar a natureza e ver bem de perto, cobras e lagartos...e onde arranjava um pouco mais de vontade de comer, com aquele belo ar das montanhas.

Logo aí, tive de me habituar às picadas do único tratamento que lá se fazia, os pnemotóraxes, em que uma bruta agulha me era enfiada a sangue frio, pela costelas a dentro, até encontrar a zona intrapleural, para deixar descansar os pulmões, mas nada daquilo me assustava, porque, como disse já, picadas de agulhas, eu já as tinha levado desde os tempos da minha Escola Primária e, se era preciso...que viessem. Eu só queria estar vivo !
Mas depois de um ano desta vida, o meu médico me chamou e me disse: Quando você aqui chegou, eu não lhe dava mais de 6 meses de vida, mas o que é certo é que você está em vias de cura, por estas radiografias e análises, que estou a ver...

Belo, pensei eu, será que desta me vou safar, tendo visto vários morrer, entretanto ?

Mas o tratamento ainda se manteve, de 15 em 15 dias e durante 4 anos, até esgotar o tempo da Assistência e tive de me vir embora , mas continuando com os malvados tratamentos... num médico da minha familia, o simpatiquíssimo Dr. Ancelmo Ferraz de Carvalho, já falecido há muito.


Eu era Funcionário Público no Arsenal do Alfeite, e como não sugeria que o clima aí, me fosse favorável, acabaram por mandar-me embora para uma pré-reforma.

Mas lá me fui aguentando e acabei por ir parar a uma Empresa americana, a RARET, que se estava a montar em Portugal, e tendo pedido ao seu Cônsul , emprego naquela empresa, até porque já havia aprendido muitas coisas de electrónica, como radioamador, com indicativo CT1DT, lá fui encaixado e lá trabalhei 35 anos, até ter atingido a reforma.

Minha adorável mãe, já havia envelhecido bastante, mas continuava linda, até falecer com 95 anos !


Mas depois de uma data de amigdalites, (que acabei por descobrir a sua cura, de um dia para o outro, com tintura de Gaiacol em zaragatoa) constipações e gripes, fui chamado ao médico da empresa, que me mandou ir fazer uma análise às glândulas supra-renais, e lá voltei para o meu trabalho em electrónica no Centro de Recepção, com a melhor aparelhagem do mundo.




Era uma saúde precária, mas lá ia vivendo sempre muito entretido com imensas actividades: Barcos à vela e com motor, aviões (largado com 4 horas de voo), motas, asas delta, autogiros, helicópteros, energias alternativas, tratamentos alternativos, pintura a óleo (12), caricaturas, fotografia, imprensa, publicado mais de 15000 páginas de assuntos técnicos, cinema, vídeo, tocado piano de ouvido, há mais de 70 anos, robots, jornalista, locutor de radio, Radioamador em muitas faixas, actividades que já contei no meu blog http://www.engenhocando2.blogspot.com/


É curioso notar que um dia, sou surpreendido pela notícia de que o blog do Brasil de Lima Coelho, havia descoberto o meu blog e me pediu para reeditar alguns dos meus artigos, o que aceitei com muito orgulho. Mal sabia eu que o meu simples blog, iria ser tão apreciado no Brasil, sempre com imensos e simpáticos comentários !


Minha esposa, que eu considerava muito bela, acabou por falecer nos meus braços, na sua cama, com um malvado cancro nos intestinos, em 1991, mas tendo podido ajudá-la com dezenas de injecções, para que não sofresse .

Assim, eu ia vivendo com o resto de saúde que era possível ter, casei, tive 3 filhos lindos, muito feliz, mas sempre com dificuldades financeiras....

Verdade seja dita, que nunca lutei por ganhar dinheiro e já ficava muito feliz, quando ele dava para o dia a dia. Realmente, pode-se ser muito feliz, com pouco dinheiro...


Às tantas, o mesmo médico que me havia "empurrado" para a análise às glândulas supra-renais uns 4 anos antes, me pediu para ir repetir o mesmo exame que era feito em Lisboa e tem de ser feita em dois dias. Ou seja, por aquilo que eu já me tinha apercebido, no primeiro dia, punham-me às portas da morte e, no segundo, me injectavam extracto de supra-renais, ou coisa parecida, para me "ressuscitarem..."... Nunca soube o nome daquela malvada análise...

Mas passados aqueles 4 anos desta análise, ele, admirado de eu ainda estar vivo, me pede para repeti-la, ao que eu aproveitei para lhe perguntar: mas o Dr. nunca me disse o resultado dessa análise que me ia matando !!!...

Ao que ele respondeu que, com o resultado dela, "não conhecia ninguém que tivesse sobrevivido, mais de 6 meses "... e eu ainda estava vivo ! Hoje penso: ainda bem que ele não me disse aquilo, quando veio o resultado do exame, pois só de pensar que iria só viver 6 meses...teria morrido mesmo !

Mas o mesmo médico, o Dr. Duarte Silva, mais ou menos da minha idade, me havia dito que tomava 7 e 8 cafés por dia, enquanto eu lhe disse: se eu fizesse isso, já tinha morrido e até adiantei: Eu só posso tomar um café e de manhã, porque se for à noite...adeus sono, ao que ele respondeu que isso era mania minha, porque o café só fazia bem...

Como ele me apanhou a fumar um cigarrinho, ainda me disse que aquilo é que era um suissidio !

Embora ele fosse especialista em cardiologia, o que é certo é que um ano depois desta nossa conversa, ele agarrou um AVC e lá se foi...


E eu, tal como o tal velhinho que tinha levado 80 anos a morrer, cá continuei a viver e, mais, com vontade de fazer, pelo menos, os 83 anos...se não puder ser mais...