quarta-feira, 25 de março de 2009

MEU AMIGO ARCÍLIO COSTA



Arcilio Costa, é um amigo que conservo há mais de 50 anos, desde Maio de 1951, e nunca tivemos um amargo de boca, uma ausência de carinho.
Desde que o conheci via rádio, na banda dos 40 metros, logo descobri uma pessoa invulgar, daquelas em que gostamos de “tropeçar” pela nossa vida, talvez por sentirmos que é GRANDE e, em muitas situações, maiores do que nós, daquelas pessoas a que hoje se chama, “amigo do peito”.
O radioamadorismo, é uma espécie do que hoje chamamos de “Blog”, onde conhecemos imensas pessoas, anos e anos, mas agora, com a grande facilidade de as podermos conhecer por fotografias, imagens e som.
O seu indicativo oficial, era CT1MI e a sua actividade radioamadorística, permitiu-lhe mais tarde, vir a conhecer perfeitamente, toda a aparelhagem electrónica da aviação, que estava a aparecer no mercado e a ensinar aos novos pilotos, como toda ela funcionava, para poder voar muito acima das nuvens, noite e dia.
Toda a gente queria que fosse ele o seu piloto de instrução, porque sabia da sua capacidade imensa de ensinar.
Quando usando a rádio, não se pode fazer a mais pequena ideia de quem está “do outro lado” e esta situação, muitas vezes, nos leva a grandes desaires, quando nos conhecemos pessoalmente… porque encontramos pessoas muito diferentes do que levámos anos a imaginar…
Mas há 50 anos, quando só se podia ouvir a sua voz, podíamos conversar horas e horas, sobre o que estávamos a fazer e o que havíamos feito, e podíamos comentar toda a nossa vida, desde a infância, à adolescência, os azares e grandes alegrias da vida, as nossas aventuras e desventuras, com a complacência dos Serviços de Escuta Oficiais da DSR, Direcção dos Serviços de Radiocomunicações..
Tanto podíamos ter uma vida muito desafogada, como cheia de dificuldades e em cada dia podíamos descobrir um assunto para conversar, uma experiência nova para fazer.
Assim viemos a descobrir infâncias um tanto difíceis, mas tão semelhantes, que até parecíamos irmãos.
Uma vontade insaciável de fazer experiências e arcarmos com as responsabilidades dos nossos, às vezes, incríveis projectos.
Ele, na sua adolescência, também se entusiasmou pela aviação e de tal forma que em algum tempo, havia evoluído até à instrução de novos pilotos, e aprendido a voar em imensas máquinas, praticamente todos os modelos ligeiros, existentes em Portugal.
Não havia avião que fosse autorizado a voar, sem ter passado pelas suas mãos e corrigido de algum defeito existente e perigoso. Era um autêntico “piloto de teste” e tinha de conhecer a fundo todos os defeitos e qualidades de cada avião, para auxiliar nas suas correcções e novos voos de ensaio, até ficar satisfeito. E, quando os aviões tinham de ser levados para a manutenção em Alverca, era ele que os transportava pelo ar e os experimentava antes da volta.
Em 1961, entusiasmei-me imenso pelos AUTOGIROS, aparelhos voadores de asas rotativas e desejava fazer os primeiros ensaios, a reboque de um automóvel.
Como ele já era um sábio na pilotagem dos pequenos aviões ligeiros assim como do reboque de planadores, sabia bem do perigo em que eu me iria meter, e veio de Oliveira de Azeméis, a 200 Km de distância, propositadamente para me rebocar de carro e conhecer o autogiro. Segundo a sua grande experiência, sabia que ia ser necessário uma série de corridas, até descobrir a velocidade a que o automóvel teria de andar, para se criar a sustentação ideal.
E assim foi feito, mas o rotor de sustentação, é que não ganhava a rotação suficiente, e teve que se fazer outra corrida um pouco mais rápida e muito constante.
A certa altura, as 360 rotações necessárias (RPM) aconteceram e o aparelho descolou muito suavemente, enquanto provocava um “zip-zip-zip” da corrente de ar no rotor e lá fui eu pendurado “naquela coisa”, a cerca de um metro de altura! Estava a voar e a comandar a minha máquina! Era a primeira máquina deste género, existente em Portugal.


Mas como a pista se estava a acabar e eu ainda nem sabia que para ir mais alto, teria de aumentar a velocidade, assim que tentei fazê-lo, exagerei tanto a inclinação nos comandos, que o grande rotor de 9 metros de diâmetro, acabou por tocar no solo, à minha retaguarda, e como se danificou, tive de fazer uma aterragem forçada, mas com tanta violência que se partiu o trem de aterragem e dei uma cambalhota batendo com a cabeça no chão e ficando completamente cego, embora consciente. Eu queria falar, mas não saía som nenhum… estava a ouvir tudo o que se passava à minha volta, mas não podia dizer que estava vivo e nem um dedo conseguia mover…
Então, depois dum grande esforço para fazer qualquer som, lá saiu um gemido e o Arcilio, ajudado por várias pessoas que logo apareceram, puseram-me em pé, perante o alvoroço dos presentes, que gritaram ao mesmo tempo: - Ele está vivo!. Como não conseguia ver nada, pedi-lhes para me tirarem a terra que devia ter nos olhos, mas eles responderam que não viam terra nenhuma e foi aí que pensei que
estava completamente cego ou que tivesse partido a coluna!
Foi realmente um momento de pânico, porque estava casado há pouco tempo e o que seria da minha vida, se tivesse ficado cego… mas muito lentamente, e amparado pelas pessoas para não cair, fui recuperando a visão e tudo voltou ao normal.

Mas tinha sido uma experiência inolvidável ! Tinha valido a pena !
Um camionista que se apercebeu do acidente, veio de imediato com ajudantes e colocaram os restos do meu autogiro, em cima do camião.
Quarenta anos depois deste acontecimento, um grande amigo meu, que já estava a voar em autogiro MAGNI, um lindíssimo aparelho comercial e nele acompanhou a volta aérea a Portugal, concedeu-me a alegria de voltar a voar naquela estranha mas lindíssim máquina.
Há poucos anos, e dada a sua curiosidade pela aviação, consegui que ele fosse experimentá-lo pela primeira vez, por convite do meu amigo Dr. Joaquim Figueiredo, dono e piloto do autogiro que tanta confusão lhe estava a fazer.


Eu e o meu amigo Arcílio, ambos amantes de tudo o que fosse científico, até entrámos pela medicina e construído aparelhos para tratamento de dores e inflamações, cada um com suas soluções . Embora ainda hoje defendamos pontos de vista diferentes !

Ele constrói tudo com muita perfeição, nem que seja pelo gozo de as estudar, construir, afinar e experimentar. Até os painéis são construídos por ele !
Como profissional exigente, percorreu o mundo de ponta a ponta, dos EUA ao Japão, para conseguir os melhores contratos e isso levou-o à Direcção Técnica de várias empresas, embora mantendo a pilotagem dos aviões.
Hoje vive da sua reforma, sempre muito distraído com tecnologias diferentes, com muito acesso aos computadores e usando o MSN que nos tem proporcionado imensas horas de contacto visual, embora nem sempre de acordo, como já é nosso velho habito.
Infelizmente, como a mim aconteceu também, perdeu a sua amada esposa, que lhe deixou 3 filhos muito amigos, que lhe vão emoldurando a vida, tal como a mim.
Com a sua enorme capacidade de realização, construiu uma belíssima auto-caravana, com tudo o que há de mais moderno, incluindo TV de satélite, HI-FI, painéis solares para recarga de baterias, frigorífico, etc, passando imensas horas rodando pelo país maravilhoso que temos, para não se deixar envelhecer e enferrujar, embora já esteja com um pouco mais de 70 anos...
Desculpa-me, Arcílio, o ter-te vindo “despir” um pouco em público, mas se o não fizesse hoje, talvez amanhã já fosse tarde.


E DEU -LHE O NOME DE CAMILA


Quando a minha amiga Ana Bela, mais conhecida na NET, por Ana Ramon, me disse que havia dado o nome de Camila, à sua linda cadelinha Serra da Estrela, que o seu empregado Sebastião lhe havia ofertado, até senti um baque no coração ! Mas como aquele minúsculo animal, iria ser mais uma preocupação para ela, não achou graça nenhuma à oferta... Só que Camila era a meiguice "em pessoa" e logo se afeiçoou à sua dona, só pedindo carinhos, o que tocou fundo no seu coração. Felizmente que os outros cães a aceitaram muito bem, embora sentisse a necessidade de se refugiar no colo da dona, mal eles se aproximavam...
Como a Ana tem na sua quinta, muitas ovelhas que tem de guardar e pôr a pastar, ainda não havia encontrado aquela raça de cão, que consiga acompanhar o rebanho, sem lhe fazer mal. Aquilo é um problema complicado, porque os seu cães de guarda, atiram-se aos recem nascidos e matam-nos. Tinha de ser um cão que desde pequenino, conseguisse dormir junto delas, para as considerar como "irmãs" a quem defender, embora tenha de ser bem ensinado...



Quando eu estava muito doente num sanatório do Caramulo, mas já me encontrava na linha dos curados, apareceu por lá um conjunto musical muito simpático, em que a estrela era uma linda garota de nome Camila.
Aquele pequeno conjunto de 3 artistas, em que os irmãos tocavam maravilhosamente viola a acompanhá-la e em que o mais virtuoso era canhoto tendo o braço da sua viola à direita, enquanto o outro irmão, que era destro o tinha à esquerda.
Assim a Camila, ficava ao meio, vestida de sevilhana, tecido de cetim azul, cantando lindamente em espanhol e rodopiando enquanto tocava as castanholas, com uma linda rosa vermelha agarrada ao cabelo.
Aquela visão duma tão jovem alourada, deu-me volta ao miolo…
Eu nunca havia estado perto duma “espanhola" tão linda, de pele acetinada, e que pronunciava tão distintamente o espanhol , como as que eu ouvia na rádio!
Dentro de toda a assistência, eu era o mais novo e fiquei mesmo à frente, a cerca de uns dois metros deles, porque não havia palco. Era uma sala normal de recreio.
Talvez já fosse hábito dela, afastar-se dos irmãos e vir cantar muito perto da assistência que a seguia hipnotizada.
No meu caso, ela quase que me tocava com o seu nariz no meu !!! Aquilo era bom DEMAIS… até porque tínhamos a mesma idade, e ambos solteiros.
Naquele tempo, ainda não havia televisão e os artistas tinham de andar sempre de terra em terra, à procura dos seus ouvintes. Era pois uma vida extremamente dura e mal paga , pelo que eles tinham muita dificuldade em sobreviver, até porque ela era todo o amparo da sua mãe, que estava cega.
Talvez por isso, a “minha Camila" adoeceu dos pulmões, mas como estava de visita ao Caramulo, logo foi vista e tratada pelos simpáticos médicos, e passado poucos meses, já estava a caminho da sua cura.
Como eu já estava curado, ainda a fui visitar ao seu sanatório, Senhora da Saúde, e conversar com ela muitas vezes, pelo que ela ficou a saber de toda a minha vida, também muito difícil e cheia de solidão.
Mas como eu não queria, de forma alguma, recair, nem um beijo lhe podia dar !
Entretanto, já curado, tive de a deixar lá, à procura da sua convalescença, e fui para Lisboa, sempre com aquela fisionomia na ideia. E pensava: será que ela se cura ? Será que ainda está viva ?
Eu não lhe podia oferecer nada, mesmo nada, a não ser aquela adoração.
Passados uns 10 anos, já com os meus 24 anos, casei-me e já tinha os meus 3 filhos miúdos, quando, já empregado numa firma americana, fui fazer umas férias a Albufeira, no Algarve e no meio daquela grande confusão da chegada das pessoas, vou dar de caras com ela, também já casada e com filhotes.
Ela estava tal e qual a havia conhecido, embora com roupa simples, de passeio, mas era o mesmo sorriso, aquela meiguice de olhar e sorrir, aquele falar baixinho que não fazia adivinhar a linda voz que ela tinha ao cantar !
De imediato a apresentei à minha esposa que também simpatizou imenso com ela, e se fizeram grandes amigas, nunca mais se separando durante aquelas férias.
Ela tinha-se casado com um rapaz, também doente num sanatório, que não a queria mais ver a cantar e a ter de correr meio mundo, para conseguir sobreviver. Assim, o seu casamento foi feito com a condição dela largar a vida artística, e estava agora, só a fazer a vida de qualquer dona de casa.



Nesta foto, está ela com uma mão debaixo do queixo, enquanto a minha esposa se entretinha sempre com as suas rendas e um olho na garotada.
Quem ficou a perder, foram os irmãos, que não conseguiram adaptar-se a outros conjuntos musicais muito barulhentos, e nem me lembro de que viveriam, agora sem a sua estrelinha, no meio deles.


E agora, viúvo e solitário, fico a pensar se ela ainda estará viva e livre... ERA BOM DEMAIS