quarta-feira, 30 de setembro de 2009

E LEVEI A VIDA A BRINCAR (lll)














Crónica Nº. 109

1 de Outubro de 2009

CT1DT@SAPO.PT



E LEVEI A VIDA A BRINCAR (l l l)

Nesta secção da crónica, estou tentado a mostrar algumas das minhas actividades entretanto realizadas há muitos anos, mas como as fotografias então feitas, eram a preto e branco, porque as fotos a cores, ainda não existiam, a maioria terá de ser a preto e branco.

Espero que o leitor encontre algum interesse nesta crónica, pois talvez até tenha sido ou deseje fazer pela sua vida fora, algo parecido, para sentir como eu, uma vida muito entretida e com muitos assuntos diversos.

Quando se ama o que estamos a fazer, estamos realmente a brincar, quer se tenha 2 anos ou 82.

Quando se chega à minha idade, e se se procurou uma actividade profissional que se possa executar com prazer, e se temos em casa, também uma actividade agradável, estaremos a viver a brincar.
Nesta imagem rara, estamos em S.Miguel. Açores, na freguesia de Ginetes, mas em 1938.

Ela é especial para mim, porque nos extremos, estão meus dois primos nascidos nos Ginetes e de todos os outros, só eu sou açoriano de gema e aí estou todo encaracolado, sobre o Austin-7 que meu avô tinha acabado de adquirir, depois de se ter desfeito do "Char à banc" que era puxado por um dócil e belo cavalo castanho.

O resto da trupe, eram os meus irmãos, todos nascidos em Portugal Continental, enquanto meu pai ultimava o funcionamento da sua Empresa Nacional de Máquinas, em 1926, devido às contantes revoluções militares e às trocas de Governos.

Como se pode ver, estavamos todos na Escola Primária.

Como as estradas eram todas muito más, aquele carrinho era tratado com muito cuidado e até a manjedoira foi tapada para fazer dela uma pequena bancada de trabalho de beneficiação do carrinho, todo cheio de ferramentas de meu pai, que havia chegado do continente para consumir os seus últimos dias de vida. Ele estava atacado duma doença muito grave e que não perdoava, se não fosse tratada a tempo, mas mesmo assim, como gostava muito de "brincar" se manteve até ao fim da sua vida, entretido com vários tecnologias, desde a reparação de todo o tipo de relógios à complicada afinação de órgãos de igreja, agricultura, e outras engenharias, além de ir dando uns passeios a pé ou no carro de meu avô.

Eu o descrevi na crónica "Martins Faria, uma vida de sonhos ", em 9 de Março de 2007.

A sua grave doença, por ser muito contagiosa, exigia que todos estivéssemos à distância, o que muito nos entristecia, e incluindo minha mãe que teve de ir dormir com filhos, para o sótão, por imposição de meu avô !
Até a sala de convívio e música, foi mudada para outra sala, para que meu pai tivesse pouca possibilidade de contagiar a familia e as visitas, pelo que tudo foi mudado. Foi uma imensa reviravolta de todas as nossas vidas.

Até antes de ele chegar, especialmente eu, todos levávamos uma vida de grande entretenimento a fazer e gozar com os nossos brinquedos. Talvez o que mais gozo me deu, foi um a que chamei de monocicleta, que era um pau de vassoura com uma forquilha em baixo, onde eu havia colocado uma roda de ferro, duma velha máquina de moer café e, para me agarrar, coloquei um pau transversal, com um travão puchado por um cordel e empurrava uma tábuinha sobre a roda, travando-a. A outra ponta, apoiava-se no meu ombro e podia correr lindamente com aquilo, pois me cansava muito pouco.

Talvez por ter sido meu avô que me ajudou a vir a este mundo, ele mostrava uma especial atenção a tudo o que eu fazia e me divertia e, como ele era muito engenhocas, também "brincava" muito no seu "laboratório" que era uma grande oficina que tomava 1/3 do sótão , que em S.Miguel se chama falsa, e onde guardava imensas coisas, para seu entretenimento, como torno a pedal, todo montado em ferro, uma bancada de marcenaria dotada de muitas ferramentas, uma forja, material de caça, prelo de impressão com milhares de letras de muitos tipos, e o seu "laboratório fotográfico" , além de muitas outras coisas mais.

Assim que ele abria a porta da sua oficina, aí estava eu, pronto a fazer perguntas e a querer ajudar em tudo, o que ele me ia permitindo e sempre explicando.

Era no torno, uma espécie de grande máquina de costura, onde ele torneava as bolas e tacos do jogo de croquet, que eu punha o meu pé para ajudar e a sentir cair-me nos cabelos, as imensas aparas da madeira que iam saltando.

Mas quando ele se metia na casa da fotografia, depois de ter preparado cuidadosamente os banhos de revelação e fixagem, é que eu mais gostava... embora tivesse de ficar horas à espera que ele de lá saísse para eu ver as chapas de vidro com as fotografias em negativo! Aquilo até parecia magia !

Mas como o mais que ele me poderia dizer, era que "agora não...", eu acabei por pedir-lhe para assistir e ele deixou, pelo que mesmo nos bicos dos pés, porque a bancada era alta, consegui assistir a todo aquele trabalho maravilhoso feito a uma fraca luz vermelha, porque as chapas eram ortocromáticas, naquela época !

Só muito mais tarde é que eu vim a saber que havia as pancromáticas e como era sensível ao vermelho, essa cor não poderia ser usada, mas sim uma verde muito escura.

No andar debaixo, provavelmente estaria minha avó ou minha mãe a tocar ou a aperfeiçoar as suas lindas músicas de piano.

Aquela "casa cor de rosa", era mais bonita naquela altura, porque todas as janelas tinham persianas encarnadas, mas agora, já com outros donos, embora continue cor-de-rosa, já não as tem.

Esta foto foi tirada há pouco tempo e já com outra em frente, além duma escola.

Como os tectos eram muito altos, dessa janela que se vê em cima, havia outra do lado oposto, e era onde o meu avô tinha a sua oficina, enquanto nesta que se vê à esquerda, era por onde poderíamos ver tudo o que se passava em baixo, embora com certa dificuldade, porque nessa altura, há 70 anos, a casa era toda rodeada de frondosas árvores.

A entrada para a casa, era por este portão de ferro que interrompe o muro branco e que acompanha todo o terreno, de uns 50 metros.

Mesmo em frente da porta principal, havia 3 degraus em pedra, onde se faziam belas fotos.

Como os rapazes estavam a jogar no croquet, um deles, à esquerda, até tem o seu taco de jogo, ao ombro, certamente para ir ficar presente na fotografia.

Esta foto é certamente histórica e foi tirada em frente da casa, nos degraus acima citados, e onde se pode ver uma das janelas de persianas fechadas.

À esquerda de todos, pode ver-se de chapéu, o farmacêutico Sr. Vargas Moniz, pois naquela época, onde existisse médico, tinha de haver um farmacêutico para fazer os remédios. Assim, a farmácia era um ponto de encontro para as pessoas mais gradas da terra, além do posto telefónico e de notícias.

Ele também veio da Maia, com alguns dos seus 4 filhos mais velhos, enquanto outros ficaram amigos íntimos da minha mãe, como o Eng. Vargas Moniz, que foi Eng. Chefe do Arsenal do Alfeite e que descrevi neste blog, em "Meu amigo Eng. Rogério Vargas Moniz", publicado em 25 de Março de 2007. Um dos outros irmãos, se formou em genecologia, e todos atingiram graus académicos importantes .

Tenho reparado que este jogo do croquet, por não ser cá conhecido em Portugal continental, tem dado azo a muitas confusões, dada a sua semelhança com o jogo do cricket, mas é muito diferente, embora também jogado com tacos a bolas do tamanho de laranjas.
É que no croquet, temos de destruir o jogo dos adversários, atirando a nossa bola, com muita precisão, até à grande distancia dos cerca de 20 metros do campo e, se lhe tocarmos, temos direito a fazer um croque, prendendo bem a nossa bola com um pé e batendo-lhe com o maço com a força necessária para que a bola do nosso adversário, e que está encostada à nossa, fosse parar o mais longe possível, estragando-lhe o jogo. Obviamente que esta operação tem de ser feita com cuidado, senão bateríamos no nosso próprio pé...
Tendo conseguido o croque, podíamos continuar a jogar, crocando para este e para aquele, até onde pudéssemos. Depois seguia-se o outro adversário. Assim, quem tivesse mais habilidade, e muitos croques, quase nunca mais parava...

Assim, todo o jogo é feito e calculado para destruir o jogo dos nossos adversários e irmos, entretanto, passando os 8 arcos de ferro colocados fortemente no terreno e, além disso irmos passando por dois arcos em cruz, com uma campainha pendurada e que está no meio do campo.
Além disso, onde se começa e se acaba o jogo, existem dois paus na vertical (estacas) e onde lhe temos de bater com a nossa bola, no fim do jogo. Todos os arcos de ferro, só podem ser passados num sentido.
Destes constantes CROQUES (choques) é que teria surgido o nome de JOGO DO CROQUET.

No nosso caso, para que os assistentes pudessem estar à sombra, havia um caramanchão forrado de plantas aromáticas, por todos os lados, excepto à frente e a toda a volta, muitas árvores como o plátano, em forma de tecto.

Eu estava desejoso de pode chegar às fotos de alguns dos meus brinquedos, mas como isto já está muito grande, vou ter de o fazer, se ainda estiver vivo... na crónica seguinte, a Nº. lV.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

E LEVEI A VIDA A BRINCAR (ll)











Crónica nº.108
Setembro 2009
e-mail ct1dt"sapo.pt

" E LEVEI A VIDA A BRINCAR " (ll)


Há pouco tempo, li um pensamento chinês que dizia:

« Se ouvir, esqueço, mas se vir, nunca mais esqueço » (Confúcio)
Até chegar à idade da imagem com que inicio esta crónica, muito se passou na minha vida, e desde muito criança, e a assistir a coisas sempre interessantes, pelo que ficaram retidas na minha memória, para sempre !
Ainda estava antes da Escola Primária, e por isso entre os 5 e os 6 anos, e porque meu avô, já com mais de 60 anos, me deixava estar junto dele, quando ele "brincava" com muitas coisas, eu fiquei a pensar que ele devia ser um bom brincalhão...
Ele era médico, mas possuía uma habilidade imensa, para muitas profissões e no sótão da sua casa, onde eu havia nascido, em 1927, de que já tenho falado imensas vezes, como " A CASA COR DE ROSA", havia milhões de coisas interessantes, porque ele sempre tinha uma paixão entre mãos e, podia adquirir as ferramentas apropriadas para cada trabalho.

Aquilo estava tudo guardado no sótão, fechado à chave, mas de tempos a tempos ele abria aquela sala misteriosa, que eu tanto adorava visitar.

Ele não era uma pessoa muito faladora, talvez enjoado por me ouvir a perguntar constantemente, para que era aquilo...como aquilo funcionava, como se chamava, tantos porquês que talvez ele tivesse dificuldade em responder, porque eu só tinha 6 anos, e ele devia sentir que eu era curioso demais. Assim, preferia ir fazendo as coisas, sem botar "faladura".

Naquela enorme sala, que se tornava muito baixa, por causa da inclinação do telhado, lá para os cantos, aquilo estava cheio de tralha e era impossível lá ir alguém, a menos que levasse luz de uma lanterna eléctrica, mas eram tantas as aranhas, e suas teias, que aquilo até metia medo...

Mas eu nem me lembro de tudo o que lá existia, embora me recorde de ver umas caixas com sacos pequenos e cheios de pós brancos, que mais tarde vim a saber que eram produtos químicos para gerar fogo de artifício ! Aquilo é que meu avô era um brincalhão !!!
Mas me recordo de ter encontrado uma máquina para moer café e tinha duas rodas em ferro, e ali estava abandonada por já não moer bem.
De imediato pensei a fazer uma MONOCICLETA, ou seja, na ponta dum pau de vassoura, apliquei duas tábuas à laia de "garfo" onde coloquei uma roda.
Mais ou menos a meio, coloquei atravessado, um pau, onde podia agarrar. Depois era só correr com aquilo e guiar a roda para as curvas.
Aquilo até era engraçado, pois eu ficava inclinado para a frente, e podia correr á vontade sem me cansar tanto...
Sim, porque não havia dinheiro para uma bicicleta... e sempre era mais um brinquedo...
Mais tarde um pouco, construi uma BICICLETA, usando um pau em ângulo recto, onde me escanchava e apertava as pernas, e numa rampa qualquer, eu me conseguia deixar correr, bem equilibrado... Claro que não tinha pedais nem corrente, nem onde por os pés , nem rodas dentadas, porque bicicleta de fábrica, era só para ricos...
Havia naquele sótão, uma armação em madeira, com uma dúzia de tabuleiros, com milhares de letras metálicas, e que era uma máquina de imprensa, onde eu um dia aprendi a imprimir o papel para as receitas com o nome de meu avô, papel de cartas e envelopes, para ele e para a família, e aqui a podemos ver, muitos anos depois, quando na RARET, estava a imprimir fotos no nosso Boletim Técnico RARET, e porque havia uns pingos de chuva, de tempos a tempos, no inverno, o meu chefe de nome Fernando Calhau, que era muito brincalhão também, foi procurar um guarda-chuva para ficar "melhor na fotografia"...

Meu avô me havia deixado por herança a sua máquina de impressão, por ter sido o único dos seus 7 netos, que se havia mostrado interessado a manejá-la.
Aquilo era um tanto complicado, porque havia que compor o escrito, usando as letras que desejávamos, e adicionando os espaços. Isto era feito numa peça em chapa de aço e dobrada em "L", em que se apertavam os conjuntos de letras e se amarravam fortemente. Este conjunto de letras, de maior e menor tamanho, era colocado com muito cuidado, numa moldura em latão, que levava uns enchimentos em madeira e uns parafusos laterais seguravam todas as letras, para serem agarradas à máquina de impressão.
Mas havia depois, que colocar sobre o Prato circular da tintagem, que era em aço, uma certa quantidade de tinta espeça e se tinha de a espalhar muito bem, em todos os sentidos, com um rolo de borracha, para que o Prato ficasse todo igualmente tintado, com uma fina camada de tinta.
Mas antes disso, já se haviam feito os rolos da tintagem, com gelatina e mel, nuns tubos metálicos, (as formas), que já levavam no meio, uns varões de aço, onde se haviam enrolado uns cordéis, onde a gelatina se iria agarrar, mas deixando uns roletes de aço, para que eles ficassem perfeitamente centrados, e eu a prestar muita atenção...
Uma vez endurecida a gelatina com mel, os dois tambores eram colocados na máquina, ainda sem a moldura com as letras, e se andava para cima e para baixo com a alavanca, tantas vezes quanto necessário, até que estes dois rolos agarrassem a tinta que ia sendo "roubada" do dito Prato.
Este Prato só podia rodar para um lado, por uma unha metálica que por baixo dele, o fazia rodar uns 30 ou 40 graus, que cada vez que o braço vinha abaixo e fazia um prelimpimpim, ao levantar o braço.
Um prato quadrado, onde se agarravam uma data de folhas de papel, umas 12, à laia de cama, e era sobre esta Cama, que as letras já com tinta, iam ser comprimidas e impressa cada folha. Esta cama era um tanto chata de montar, para que a impressão não ficasse vincando as letras...nem com falhas de tinta por esta cama não ter a altura suficiente.
Na foto a seguir, pode-se ver a máquina com o Prato da tinta, um pouco inclinado e a moldura da Cama onde se colocavam as folhas de papel a ser impressas e o braço em que o operador tinha de carregar, por cada cópia impressa.
Eu, embora com 5 e 6 anos, já tinha visto e aprendido todas estas operações, e como as cópias eram umas centenas, eu havia notado que meu avô se chateava de fazer aquele trabalho, por ser muito repetitivo, e um dia, lhe pedi para experimentar a ver se tinha força para puxar aquela enorme alavanca, e ele me deixou fazer, pelo que logo me disse que me pagaria 1$00 , se conseguisse printar umas centenas de folhas, o que assim aconteceu e eu todo contente...
Quando terminei o trabalho e o fui entregar, ele sacou da sua algibeira uma carteirinha de rede de prata, de onde tirou o escudo prometido e, "montado" na minha monocicleta, lá fui rapidamente a uma loja, para comprar dois lápis e uma borracha.

De cada vez que o braço da máquina, vinha abaixo...prelimmm, e saía uma folha impressa.
Mas o mais amargo daquilo, era que eu tinha de limpar com petróleo, não só toda a máquina, além da moldura onde estavam as letras, e ainda teria de colocar as letras todas e os espaços, nos respectivos tabuleiros... mas tinha de ser... e lá ficava este pirralho de gente, todo borrado de tinta preta... Esta operação era-me muito confusa, porque eu havia começado a ler, mas não conseguia ler as letras metálicas... Mas que chato !!!!
Bem que as voltava e olhava , de todas as formas, quase as metendo pelos olhos dentro, mas meu avô, que estava atento e a ver a minha dificuldade, pegou numa receita e me perguntou: "Que letra é esta ?" e eu respondi que era um "C", "E agora esta ?", é um "A". " E agora esta ? ", é um "R". E continuou, "Estas letras estão como se fossem vistas ao espelho, de marcha atrás"... Finalmente eu havia entendido que tinha de ser assim, para que se entenda, quando são impressas.
Assim entendido, logo comecei a colocar as letras no grande tabuleiro, onde eu mal chegava ao cacifo dos "AAAA" ou dos "aaaaa", por ter os braços curtos demais.
Havia sido mais fácil entender o meu professor, o Sr. Silva, que me ensinou a ler, escrever e contar, antes de eu entrar para a instrução primária, mas essa de ver as letras ao espelho...é que ele não me havia ensinado....

Como já contei, havia um torno mecânico em ferro, mas a pedal, onde eu havia visto meu avô tornear as esferas em madeira, para o jogo de croquet, muito popular em S. Miguel, e pequenas peças metálicas, uma mesa de marceneiro com belas polainas e muitos formões, uma mesa onde ele carregava centenas de cartuchos de caça, e um cubículo muito escuro, que só era iluminado por um vidro encarnado, ao que ele chamava de Câmara escura.

Nesta época, só havia chapas ortocromáticas e, por isso, nada sensíveis à luz encarnada. Por isso, a sua iluminação, para todo o trabalho na câmara escura, só podia ser feito com esta cor.

A sua enorme máquina fotográfica, era muito parecida a esta da foto, e o seu operador, tinha de usar um pano muito escuro, para fazer uma perfeita focagem, no seu vidro despolido, com ela bem agarrada a um valente tripé. Depois da focagem, saía o vidro despolido e entrava no seu lugar, uma cassete com a chapa virgem, para ser feita a fotografia.

Aquele sítio, escuro como breu, era uma paixão para a minha curiosidade e eu já sabia que, quando ele para lá entrava, durante horas, não podia abrir a porta. O que estaria ele a fazer com tanta paixão, naquela quartinho escuro ? Pela certa que estaria a "brincar"...
Mas um dia, vi-o a preparar os banhos necessários para revelar fotografias, porque já tinha visto que depois de ele fazer uma fotografia, ele tinha de ir preparar os banhos de revelação e fixagem.

Ele tinha uma balança de ourives onde colocava uns papelinhos cobrados em "V", onde colocava com muito cuidado, uns produtos químicos, chamados Sulfito de Sódio, Hidroquinona, Metol, o Carbonato de sódio, e Alumen. Ele colocava cada um, dentro de água aquecida, a uns 50ºC, para se dissolverem facilmente e aquilo era feito sempre a seguir, no que eu já podia ajudar, porque ele deixava-me andar a mover o líquido com uma vareta de vidro. Depois de todos juntos, ele filtrava o conjunto e despejava dentro de uma cuvete. Era o Revelador.
Depois ia buscar um grande frasco com Hipossulfito de Sódio, que dizia ele ser o Fixador, e depois dele estar bem dissolvido, num litro de água, colocava-o numa outra cuvete.

E ele ia-me explicando:

Este Sulfito de Sódio, o conservador, é para tornar o líquido alcalino e ser mais fácil dissolver o Hidroquinone e o Metol. Sabia eu lá o que era "alcalino..."

Depois entra o Carbonato de Sódio, porque este banho tem de ser fortemente alcalino...

Depois entrava uma pitada de Brometo de potássio, para evitar um véu que se poderia formar, durante a oxidação da prata exposta à luz, pela objectiva, com as imagens. Sabia eu lá, o que era " Oxidação"...

Ou seja, as altas luzes, como um Céu bem iluminado, depois do banho revelador, tornava-se negro e os negros como os cabelos das pessoas, ficavam brancos. Ou seja, a imagem ficava invertida, era o Negativo.

Na passagem ao papel, tudo se trocava e obtinha-se o Positivo que já podia ser bem lavado e posto a secar.

Segundo ele, como a chapa ficava com muita prata virgem, o Brometo de prata, era necessário o banho Fixador que retirava toda esta prata mais ou menos virgem, e já não haver perigo de apanhar luz.
Na câmara escura, ele colocava 5 cuvetes, sendo a primeira com água, a seguir o Revelador, depois outra com água, depois a outra com o Fixador e, ao fim de certos tempos em cada processo, com todos à temperatura de 18ºC, já podíamos abrir a porta.

Meu avô devia ficar intrigado por eu querer saber os nomes e manobras, que eu ia decorando, até que certo dia, mesmo nos bicos dos pés, para poder espreitar o que iria acontecer, ele me convidou para ir assistir ao que ele ia fazer na câmara escura e aquilo de ver uma chapa de vidro, toda branca, só iluminada pela luz vermelha, e progressivamente ver o aparecimento duma imagem, foi das coisas mais interessantes que me havia de acontecer ! Aquilo parecia magia !

Naquela época, só se fotografava em chapas de vidro muito caras e por isso, nos preparativos para fazer uma foto, toda a gente envolvida na fotografia, tinha de estar muito bem arranjada...


Aqui estamos os cinco, no campo do croquet.
Eu tinha mesmo de possuir uma máquina fotográfica, nem que a tivesse de fazer, porque já havia entendido os porquês daquilo tudo e já um pouco mais velho, conseguiria fazer uma, nem que levasse um ano inteiro...



Embora com muitos defeitos, esta foi a minha primeira fotografia, mas tinha tido a honra de pedir a meu avô que disparasse a máquina, o que ele fez todo sorridente, o que me encheu a alma de alegria, porque ele me deixou repetir todas as operações da preparação dos Banhos e usar a sua Câmara escura ! Julgo que ele devia também, estar a achar muita graça à minha coragem , para aquela aventura...
Como ele ia deitar fora os banhos fotográficos, iria fugir das tentaivas das pesagens e do ter de manter os banhos a 18ºC...
Este gosto pela fotografia, me ficou agarrado à pele, para sempre !
Felizmente que começaram a existir as máquinas fotográficas da Kodak e eu já estava na Escola Industrial , com 11 anos, mas só aos 13 anos, me ofereceram uma que de pouco serviu, porque a película era muito cara...
Mas recordo que era o único aluno que possuía uma máquina fotográfica de construção caseira e que levei para a Escola, mas já lhe havia aplicado uma parte dum sistema de relojoaria, de um velho despertador, para eu a disparar e poder ficar na foto. Assim, coloquei-a num banco, dei corda ao maquinismo e corri para o conjunto, tendo-lhe posto antes, uma pedra em cima para ela ficar fixa, mas o mecanismo explodiu, com rodas dentadas por todo o lado e fiquei sem saber se ela teria disparado ou não... Um dos meus colegas mais velho, levou a película para revelar num fotógrafo profissional, e para meu espanto, ela tinha mesmo disparado um instantâneo e havia feito uma bela foto daquela malta toda...mas não fiquei com nenhuma... ou então esqueci-me...

Já nesta altura, eu havia construído vários projectores de cinema , lanternas mágicas...e andava desejoso de fazer um projector com movimento, usando fita de cinema perfurada, e quando pedi ao Mestre da Escola, que me deixasse fazê-la, ele logo me disse que eu iria necessitar do torno, ferramenta a que os alunos só tinham acesso nos anos a seguir, mas eu logo referi que tinha alguma prática do torno de meu avô, e lá me deixou construir. Ela é imprescindível para fazer saltar as imagens e dar-lhes movimento.
Nessa altura, eu já sabia de que iria necessitar duma peça, muito difícil de construir, e que se chamava Cruz de Malta, mas consegui construí-la.

Esse projector, que andava à manivela, é o que vê na foto a seguir e à direita em baixo, mas eu já estava noutra, com o encanto pela rádio.

Em 31/10/2006, eu já havia publicado uma crónica chamada "A magia de vida", e na mesma data, um outro que intitulei "E era um garoto como os outros ".
Não me lembro já, como teria o Grande poeta brasileiro Lima Coelho, descoberto o meu blog, mas a partir de 2007, e com a grande ajuda da muito conhecida e querida MEL, ele começou a reeditar quase todas as crónicas que aqui iam saindo.
Gostaria de lembrar que meu avô só ia "brincar" com as suas paixões, quando não tinha pacientes à espera, mas era tal a sua paixão com a medicina, que a vivia duma forma intensa, nem que estivesse horas à cabeceira dos seus doentes, mas ficava imensamente triste, quando via algum morrer..., por não lhe ter acertado com o tratamento.

Está-me a parecer que esta crónica já estará a ficar muito grande e, por isso, e porque tenho imenso para contar, talvez seja melhor ficar por aqui agora, até à terceira parte.
x

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

E LEVEI A VIDA A BRINCAR





Crónica nº.107 de 11 de Setembro de 2009


Blogs:


" E LEVEI A VIDA A BRINCAR "
(Î)
(Nota: Como vou ter de inserir muitas fotos, resolvi dividir esta crónica em várias partes.)

Quando se chega acima dos 80 anos, e se se teve uma vida muito cheia de vivência de muitos assuntos diferentes, e se se fizeram algumas fotografias, chega a parecer impossível que se tenha feito tanta coisa... mesmo que a maioria tenha sido como brincadeira.
Na verdade, quando se ama o que estamos a fazer, e foi o meu caso, tanto podem ser assuntos de amador como profissional. Por isso, intitulei esta crónica de "E levei a vida a brincar", embora mais de 35 anos, como profissional de electrónica, numa empresa americana, a RARET.

Mas olhando bem ao longe, acabo por verificar que pertenço a uma família muito especial e digna de alguma referência, até para entender o porquê de tanto eu como meu irmão Carlos Mar Bettencourt Faria, termos levado umas vidas um tanto especiais...

Me perdoe o leitor o não ir directo ao assunto, mas um meu grande amigo actual, um dia me perguntou onde eu e meu irmão, teriamos ido buscar este tremendo entusiasmo pela vida.
Mas quando desejei responder, tive de ir muito atrás aos meus ascendentes da ilha da Madeira.
Eu nunca fui grande entusiasta por ir meter o nariz no passado, mas sei que meu avô, de origem madeirense, duma terra chamada Madalena do Mar, e teve 13 irmãos, todos de nome Bettencourt Leça e, por isso, eu devo ter imensos primos por lá ! Estes Bettencourt estão espalhados por todas as ilhas açorianas, mas os Leça, são o ramo a que pertenço.







Originários de uma família talvez modesta, nem sei como conseguiram todos sobreviver e ainda conseguirem tirar cursos superiores, como meu avô em medicina e um que chegou a Cónego e muito admirado pelos seus vastos conhecimentos de astrofísica.
Estou em acreditar que todos se entre ajudariam, dado que meu avô, como não conseguia comprar os imensos e caríssimos livros de medicina, se refugiava na Biblioteca da Universidade e, como tinha muito jeito para desenhar, teve muito que riscar, não só para ele, mas também para um seu amigo...

Foi aí que ele entrou em contacto com outro aluno também pobre, mas não tinha tanta habilidade para o desenho, o José Alberto de Carvalho Ferraz, e assim foram estudando, muitas vezes na casa duma senhora pianista e com grande habilidade para línguas, que lá ia ensinando música, como treinando inglês e francês, além do português, às meninas inglesas que por lá abundavam na Madeira, filhas de doentes de tuberculose e lá encontrarem um clima muito ameno.
Em Dezembro de 2006, escrevi uma crónica intitulada " No centro das festas", sobre esta maravilhosa senhora, a D.Leonor Ester de Carvalho Ferraz, que acabaria por ser minha avó materna.

Foi esta senhora que custeava os estudos do seu irmão José Alberto, um jovem apaixonado pela música como a sua irmã, mas em violoncelo, tendo chegado a tocar em Lisboa, para sua magestade o Rei D.Carlos. Infelizmente morreu muito cedo, com uns 40 anos, mas tendo deixado o seu nome gravado numa rua em Belas, onde tinha ido viver e fazer medicina.

Minha avó, que era mais idosa do que o meu avô, uns 9 anos, sempre teve uns cabelos brancos de aspecto prata e era muito linda, mesmo de aspecto imponente !





Ela era muito nervosa, mas quando entrava em palco para se exibir, nos seus concertos de música séria, normalmente quase que a sala linha abaixo com palmas.
Em 7 de Julho de 2007, descrevi uma crónica dedicada a este meu tio José Alberto, que odiava política e tropa, e chegou a ficar cego, quando foi obrigado a estar na tropa em Lisboa.
Essa crónica, a intitulei, " E cegou de tristeza ".
Isto se passou antes do curso de medicina, que ele adorava poder fazer e só o conseguiu, quando minha avó e irmã, conseguiu ajudar financeiramente com o dinheiro das suas lições.
Como meu avô gostava imenso de música e tinha muita habilidade de mãos, não se ralou nada de vir a casar com aquela senhora mais idosa do que ele, 9 anos, e até numa situação muito triste para ela, porque já estava pedida em casamento por outro jovem que havia falecido pouco tempo antes, já com o dia de casamento marcado .
Mas ambos se fizeram médicos e brilhantes !
Como a vida de um jovem médico era muito difícil, naquela altura, meu avô aceitou um convite para médico de bordo de um navio que estava para sair para as Bermudas, mas ele se afundou e morreu toda a tripulação, tendo ficado minha avó desesperada novamente e viúva.
Felizmente que antes do navio desaparecer, meu avô estava a ser operado ao apêndice em terra numa ilha e quando noutro navio, voltou à Madeira, minha avó, muito nervosa, nunca mais o deixou embarcar, e foram ambos parar à ilha de S. Miguel, fazer assistência médica na freguesia da Maia, ao norte da ilha.
Aí nasceu o seu primeiro filho, a quem foi dado o nome de Francisco Assiz Bettencourt Leça.
Como não havia médico na costa Sul, meu avô se candidata a essa zona e foi parar a uma freguesia de nome Ginetes, onde veio a nascer a minha mãe, Maria da Luz Ferraz Bettencourt Leça, em Fevereiro de 1902.
Teria agora, 107 anos, se não tivesse falecido ha pouco tempo, e como a sua mãe, também era exímia tocadora de piano, de bordados e desenho em que era duma perfeição máxima, além de muito bonita.
Mal sabiam eles que os Ginetes, era um dos sítios mais procurados pelas pessoas mais gradas da ilha, e onde tinham os seus palácios. Ginetes fica num baixo, em que uma montanha não deixa ver o Oceano Atlântico, mas tem a vantagem de não receber os ventos frios do mar.
Todos os dias, minha avó tinha de tocar o seu piano de cauda e mal chegou o verão e as nobres pessoas da cidade de Ponta Delgada, para férias, todos se passaram a encontrar em reuniões elegantes, em casa do Dr. Carlos Abel Bettencourt Leça e sua esposa Leonor Ester Ferraz Bettencurt Leça.
Fim da primeira parte