"O ALMOÇO ESPECIAL"
Quando me iniciei a abrir este Blog, em Outubro de 2006, nem me passou pela cabeça, que houvesse a possibilidade dele ter tanto êxito, até porque já tinha entrado em vários e mais me pareciam uma espécie de "Diários" onde cada um se podia "divertir" com os amigos de perto ou distantes, a comentar o seu dia-a-dia, a comentar os sucedidos e o que estava pensar fazer em cada dia, mas indo encontrar alguns, até com palavreado obsceno ... que em nada me agradavam... embora muitos outros bastante interessantes, e muito bem feitos !
Eu era e sou, um podão em informática, e já ficaria muito satisfeito, com um dos mais simples.
Estava mais interessado em poder guardar as minhas memórias, como se de um livro se tratasse, mas como isso não era nem fácil nem barato, julguei que o melhor fosse o poder aproveitar este incrível meio de comunicação, com acesso em todo o mundo, daquilo que me podia lembrar e pudesse, de alguma forma, distrair saudavelmente os leitores que por ele tivessem a curiosidade de entrar e de ler.
Desde a minha Escola Primária que a coisa que mais adorava, era o poder escrever e descrever factos, sobre as minhas aventuras na época de tanta e rocambolesca juventude. Era a coisa que mais me agradava fazer e até tinha um certo orgulho em poder desenhar muito claras as minhas letras, como se de imprensa se tratasse.
Naquela altura, tínhamos de usar o tinteiro que estava enfiado nas nossas mesas e com aparos bem escolhidos, fazer as letras o mais bonitas e iguais que pudéssemos, tendo especial atenção ao mata-borrão. Aquilo podia não valer nada, mas ao menos dava gosto de ver...
Em minha casa, meu avô que, além de médico, era um entusiasta por imensas coisas cientificas, como já tenho descrito noutras crónicas, teve para mim a grande virtude de me assentar ao seu colo, e por-me a ler em voz alta, os escritos que me punha na mão e, embora fossemos sete netos, e ainda não sei porquê, ele para mim, sempre tinha uma especial atenção e tinha a paciência de me corrigir a dicção, a respiração, as pausas, as interrogações, tudo.
Aqueles bocadinhos ao seu colo, desde que havia aprendido a ler, eram os mais preciosos da minha vida.
Meu pai estava no continente, a tratar dos seus complicados negócios e a minha mãe sempre estava muito ocupada, em especial a treinar exercícios ao piano, ou a acompanhar a costureira, a D. Perpétua, para me dedicar atenção, enquanto minha avó delirava em ensinar os netos mais velhos, a aprender línguas estrangeiras, em que era exímia, sempre dizendo que quem as soubesse, não teria qualquer dificuldade, mais tarde, em arranjar emprego.
Este meu avô era pois o Centro da minha vida e eu sempre sentia uma enorme atracção por estar onde ele estivesse, fosse a ajudar a fazer andar com o meu pé, o pesado torno mecânico que ele tinha no sótão, ou a preparar as centenas de cartuchos de caça, carregando-os, metendo as buchas e rebordando-os, ou a vê-lo preparar os banhos necessários para ele fazer as fotografias, ou a fazer de minúsculo enfermeiro, no consultório, etc. etc.
Ainda hoje me recordo de que ele, tendo uma vida tão agitada, com tantos doentes para ver e acompanhar, ainda conseguisse uns minutos, exclusivamente para mim. Era pois uma "AVÔ" imenso !
Era o que se pode chamar de pessoa muito simpática de conviver e a sua presnça me fascinava !
Sempre impecavelmente vestido, barbeado e perfumado, com o seu bigode revirado e torcido a quente, me parecia que estava em frente a sua Exªa. o Rei D. Carlos ou o Príncipe de Gales, de que muito se falava naquela época, embora já estivéssemos a viver a época do Sr. General Carmona e Prof. Dr. Salazar, eu até sentia imenso orgulho dele e ele devia sentir essa minha atracção, como hipnotismo.
Minha avó era linda de ver, sempre impecável nas suas vestimentas um tanto estranhas para mim, sempre de saias até aos pés e sempre pronta a nos arrancar das brincadeiras, para irmos ter mais umas lições de inglês, enquanto as minhas irmãs gostavam mais do francês e da música.
Depois de decorridos tantos anos, é curioso que nunca me lembro de os ter visto doentes e de cama, nem com constipações, nem dores de
cabeça, nem de camisa de dormir e chinelos, mas talvez me falhe aqui ou pouco a memória...
O seu ar aristocrático, via-se à distância e, quando se assentava ao piano e arrancava a tocar, aquilo era o "fim do mundo" com tanto esplendor, tanta emoção, com tanta virtuosidade !
Os seus dedos delgados, conseguiam correr aquele teclado de ponta a ponta e a força que ela tinha neles, pois quase se partiam os "martelos" das cordas, naqueles necessários "fortíssimos"...
Ela sempre tinha tempo para exercícios no teclado, nos intervalos das suas aulas.
Minha mãe levava os dias não só nos exercícios de piano, mas a tocar duma forma muito diferente, pois como era muito romântica, muito mais se dedicava a músicas que faziam chorar o coração... aqueles crescendos e deminuendos, do forte ao pianíssimo, ela vivia intensamente, cada música que tinha de tocar e toda a gente vibrava com ela. Era Mendelson , Chaminade, List, Debussi, Grieg, Chopin,...sei lá quantos !
Embora todos nós, os miúdos, andássemos sempre em correria pela casa, nunca me lembro de a ter visto nem de pijama ou talvez camisa de dormir, nem chinelos, nem engripada nem constipada...
Mas vi-a chorar várias vezes, quando foi da morte de meu pai... isso sim, quando eu tinha 11 anos.
Lembro-me de ela andar à nossa volta, quando estávamos todos doentes, com varicela, tosse convulsa, anginas, etc...a ver a febre de cada um e a tomar nota, sei lá, mas até parece que agarrávamos todas as doenças e éramos metidos no mesmo quarto, que até parecia uma enfermaria... e vai de xarope a cada um, comprimidos e mais não sei o quê, remédios que meu avô mandava fazer na farmácia e nos eram dados com todo o cuidado a horas muito certas, que todos podíamos ouvir daquele grande relógio de torre, enorme, que fazia BING,BING,BING..
Pelos vistos nós éramos "especialistas a arranjar doenças", e meu avô que já sabia que estando um atacado, os outros iriam todos por igual, não estava com mais aquelas, e enfiava-nos todos no mesmo quarto, para facilitar o tratamento...
O velho era mesmo esperto !
O aparecimento desta hipótese tão maravilhosa de descrever os imensos factos da minha mocidade, me apaixonou de uma forma intensa e, de vez enquando, lá recordo de mais um episódio que venho para aqui descrever, no meu melhor, mas às vezes com tanta saudade, que até as lágrimas me toldam a vista !
Aqui há uns tempos, estava eu à procura de elementos sobre o bárbaro assassínio de meu irmão Carlos Mar Bettencourt Faria, no seu Observatório da Mulemba em Angola, em Julho de 1976, em África, quando um amigo meu me informa por e-mail, que havia um blog na NET em que uma senhora falava dele.
Como é natural, fiquei entusiasmadíssimo e fui logo à procura do blog www.paixaodossentidos.blogspot.com e realmente num lindo blog, duma linda senhora ainda nova, lá estava o seu encantamento por não só ter conhecido meu irmão, mas até convivido umas horas com ele, quando dumas suas visitas a Portugal.
Ela, certamente que nem faria ideia de que esse Carlos Mar, tivesse um irmão ainda vivo e que muita saudade tinha dele, pelo que lhe enderecei um mail a dar-me a conhecer.
Ela era realmente impressionante de gentileza e logo me respondeu e assim, vim a saber que ela o havia conhecido ainda quando muito novinha, mas já tão linda, e entusiasmada pelo que, de cientifico ele estava a fazer em Angola.
Aquilo era de espantar, vindo duma garota tão jovem, interessada em foguetões, satélites, astronautas, etc.
Ela manteve-se em contacto escrito com ele, até porque ainda nem havia blogs, e guardava dele as melhores recordações. Se o leitor for ver o blog acima indicado, verá que ela se chama Ana Ramon, uma mulher de têmpera, pois vive numa enorme quinta, com a responsabilidade de centenas de animais que possui e ainda tem tempo para escrever no seu blog, sempre interessantes artigos com ensinamentos científicos de lavoura, etc.
Como eu lhe mandei a minha foto, para ela ter uma ideia de quem eu era, ela também me enviou uma que guardo ciosamente.
Mal sabia eu que iríamos passar a manter correspondência diária, sobre os mais diversos assuntos, mas como ela vive a 200 Km do sítio onde vivo, ainda não nos conhecemos pessoalmente.
Sei, no entanto, que ela vai muitas vezes ver este meu blog e sei também que o Blog brasileiro de Lima Coelho, já reeditou vários artigos dela.
Uma das coisas que mais me espantou, foi receber um convite dum brasileiro, dirigente de um dos maiores, senão o maior blog do Brasil, LIMA COELHO, para que eu o autorizasse a reeditar alguns dos meus escritos que ele havia descoberto na NET. Claro que eu nunca havia pensado em que os meus tão simples escritos, pudessem interessar a uma pessoa daquela dimensão, e de imediato autorizei.
A sua Colaboradora MEL, de imediato me informou que um dos meus artigos já estava no MUNDO DA NET e, para meu grande espanto, logo acompanhado dum enorme role de comentários muito simpáticos, acerca dos meus escritos.
Que povo tão simpático, me havia aparecido, este brasileiro !
E passados poucos dias, mais outro e mais outro... e já foram aproveitados mais duma dezena, como o primeiro, cheios de muito amáveis comentários...
Isto dos blogs, tem, positivamente "magia" !
E agora, mais uma crónica:
« Estou neste momento a recordar que em certa altura, tinha havido necessidade de fazer um almoço especial e de cerimónia, o que obrigou minha mãe a estar por perto da cozinha, para que tudo decorresse o melhor possível.
Só nestas alturas muito especiais, é que apareciam os mais lindos pratos, copos, travessas, garfos facas e colheres, que se mantinham bem guardadas durante todo o ano, tal era o medo que os meus avós e mãe tinham, de que se partisse alguma daquelas autênticas e preciosas obras de arte... com mais de 100 anos...
Já não me lembro bem do que era o prato, mas numa enorme travessa do melhor que existia em casa e que só saía do armário, em dias muito especiais, a criadagem esmerou-se por apresentá-lo o mais bonito possível, enquando o meu avô e avó, entretinham as visitas, que me parece seria um primo da minha avó, o Vice Almirante Guilherme Ivens Ferraz, que estaria em S. Miguel, de passagem.
Depois de servida uma bela e saborosa sopa, numa enorme terrina do mesmo serviço dos pratos, chegou a altura da criada de fora, trazer o prato especial, antes da fruta, e que eram rodelas de ananás açoriano e doces, para que minha mãe tinha muita habilidade. Se bem me lembro era um creme espanhol, que levava muitas gemas de ovos e açúcar quase em caramelo...ou sei lá como se chama... Mas aquilo era de comer e chorar por mais...
Até que o almoço começou e estava tudo muito bem disposto na sala de jantar, depois dumas horas a ouvirem tocar o piano de cauda, quando se ouve um grande estrondo... e tudo ficou intrigado ! Minha mãe saltou logo da cadeira e foi ver o que se teria passado.
Naquela "casa-cor-de rosa", de que já várias vezes tenho falado neste blog, onde vivíamos, da cozinha para o corredor, que dava acesso à sala de jantar, havia 2 degraus de pedra e a garbosa empregada toda de ponto em branco e vaidosa, vinha trazer para a mesa, aquela enorme travessa, a que não estava em nada habituada, mas como não viu bem os degraus, vai de tropeçar e se espalhar ao comprido no corredor, atirando com a travessa pelo ar e toda a comida espalhada pelos chão, a metros de distância !
"Ai minha senhora", dizia a pobre criada, toda lavada em lágrimas, " E o prato que estava tão bonito...", sem se ralar nada com a caríssima travessa toda feita aos bocados e tanta comida estragada...
Minha mãe não era pessoa de andar aos berros, mas ficou completamente transfigurada e aflita, pois logo as visitas se aperceberam de que algo de grave havia acontecido pela cozinha, e o almoço estava interrompido, enquando minha mãe veio pedir desculpa às visitas, pelo acontecido e dizendo que se iriam fazer uns ovos estrelados, para salvar a situação... quase com as lágrimas nos olhos...pois não havia frigoríficos ainda, nem tempo para fazer outras comidas mais requintadas.
Mas vá lá, tudo acabou em bem e toda a gente saboreando o referido creme espanhol e elogiando a sua cozinheira...