quinta-feira, 19 de novembro de 2009

E REBENTARAM O MEU PULMÃO

Crónica 110 de Novembro de 2009

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Quando eu tinha 16 anos de idade, depois duma infância extraordinariamente feliz nos Açores em S. Miguel, vi-me metido em Lisboa, numa situação de imensas dificuldades financeiras, porque minha mãe estava empregada, como interna na Santa Casa da Misericórdia, Directora das Cozinhas, e teve de arranjar forma de me arrumar, para eu ir conseguindo viver e poder estudar à noite na Escola Industrial Marquês de Pombal que ficava no extremo oposto da cidade.



A casa onde fui hospedado, à hora que eu chegava do Arsenal do Alfeite onde trabalhava, só tinha tempo para me arranjar uma refeição muito débil, consistindo apenas numa sopa aguada que eu mal tinha tempo de engolir para ir apanhar o eléctrico e poder estar a horas na escola .



Eu estava a despoletar na adolescência, e o interesse sexual me obrigava à minha auto-satisfação (masturbação) desse por onde desse, porque se o não fizesse, acordava de noite todo encharcado de líquido espermático, o que obviamente obrigava a dona da casa onde eu morava, a ter de substituir toda a roupa. Por esta situação muito agradável mas também muito complicada por outro, passarão, naturalmente, todos os rapazes, naquela idade, e cada um tem de resolver o seu problema à sua maneira.



Meu irmão Carlos Mar, mais svelho do que eu 3 anos, ia resolver o seu problema sexual como podia, dado que ambos vivíamos no mesmo quarto, lá para os lados do Arco do Cego.



Foi por esta altura, que a minha mãe se lembrou dum seu amigo de infância, Eng.Rogério Vargas Moniz, e que era Engenheiro Chefe do Arsenal do Alfeite, do outro lado do rio Tejo, para onde tínhamos de ir todos os dias numa vedeta da Administração e despejados no Arsenal do Alfeite, onde me arranjaram um serviço na Secretaria da Administração, num lugar vago há muito tempo, pelo que estava tudo muito atrasado, mas como eu gostava de escrever e ler, logo me entendi com ele, pois tinha toneladas de documentos de contratos para ler e tomar nota dos assuntos, num enorme livro, e enviar tudo o que já estava visto e registado, para os arquivos.



Passado pouco tempo, eu já conseguia ir arranjando alguns minutos para estudar as matérias da escola, e na volta para Lisboa, novamente de vedeta, lá tinha de ir ao Arco do Cego, para me alimentar e pegar o carro eléctrico para ir para a Escola Industrial, onde chegava quase morto, de cansaço, sono, fome e mal preparado !



Ou seja, tanto eu como todos os meus colegas da escola, éramos alunos nocturnos. Andávamos todos rebentados...mas tínhamos um professor antipático que não chamava ninguém, e ficava à espera que algum de nós levantasse a mão...



Desta forma, eu, que, modéstia à parte, era o melhor aluno de desenho com 20, e mecânica na Escola Velho Cabral, em S. Miguel, nos Açores, passei a ser um dos piores alunos da Marquês de Pombal, e não via solução para esta porca de vida !


Em 12-12-2007, descrevi esta triste história, que foi publicada no Brasil, por Lima Coelho, na sua crónica nº.926 e que ganhou 24 amáveis comentários, dos meus sempre amáveis leitores brasileiros.


Para ajudar a esta triste sina, mas na boa intenção de me ajudar, a minha mãe pediu a um grande seu amigo, que conhecia o professor da geografia, matéria onde eu estava pior, que não apertasse muito comigo no exame, dizendo-lhe que eu era açoreano, mas disso eu não soube, e andei a preparar-me para países do Continente Europeu, rios, afluentes e cidades, caminhos de ferro, etc.


Infelizmente nem pensei que o exame fosse referente aos Açores e dei uma barracada das antigas, por nem saber os nomes das capitais das 9 ilhas do arquipélago e fui chumbado ! Mas por que diabo a minha mãe não me avisou ?


Ou seja, eu teria de fazer o ano seguinte todo, só com geografia, pelo que foi o fim da minha estadia na Marquês de Pombal.


Minha mãe já se tinha conformado com esta situação e foi alugar casa do outro lado do Rio Tejo, na Cova da Piedade, para onde fomos todos os 5 filhos, até porque ficávamos mais perto do Arsenal do Alfeite e tanto eu como meu irmão, já podíamos ir a pé, embora ainda fossem uns quilómetros....

A alimentação no refeitório do Arsenal, era muito débil, e não ajudava nada à minha recuperação da saúde já muito abalada e cheio de tosse, pelo que vivendo no mesmo quarto com meu irmão Carlos Mar, já um grande entusiasta pelas químicas, físicas e astronomias, me disse para eu colocar numa tacinha, um pouco da minha expectoração, para ele inspeccionar ao microscópio por ele construido, e para espanto e terror de todos nós, ele vem a descobrir que eu estava com bacilos de Koch, ou seja, tuberculose pulmonar, embora o médico chamado, achasse que era uma simples gripe !


Em 22-3-2008, eu reportei no famoso blog de Lima Coelho, na sua crónica 1275, este facto, em "E meu irmão me salvou a vida...e não era médico !".


De imediato foi pedida ao meu médico uma credencial para exame ao bacilo de Koch, e que foi confirmada como Positiva.

A partir desse momento, em nossa casa, tudo o que dizia respeito a mim, roupas, alimentação, talheres, etc, foi afastado e minha mãe tratou de imediato para que eu fosse internado num hospital de infecto-contagiosos, o que conseguiu rapidamente, e novamente ,com a ajuda do seu amigo de infância, Eng.Rogério Vargas..

Triste sina a minha !

O meu pai havia morrido de tuberculose, porque sabia que o tratamento era desesperante, preferiu morrer a tentar tratar-se, o que havia acontecido quando eu tinha 11 anos, e ele só com 45. Como ele era tão novo !!!!

Meu pai, era muito novo, e já era Eng. de Máquinas da Empresa Nacional de Máquinas, em Lisboa, a maior empresa portuguesa deste tipo, mas que acabou por falir em 1926, devido às revoluções existentes no país, e teve de ir viver para a Parede, na linha de Cascais, onde ainda continuou a montar máquinas e a vendê-las.

Nesta imagem, já ele estava muito doente, com 42 anos, e morreu aos 45.

Meus avós, nos Açores, é que resolveram recolher a sua filha e netos, para irem viver nos Ginetes, freguesia onde eu nasci e me mantive toda a mocidade, até aos 12 anos.

Minha mãe vivia apavorada, sempre a pensar se o marido me tivesse contagiado, antes de morrer e sabendo dos problemas dos rapazes na adolescência, por vergonha, nunca me levou a um médico, mas sim a um padre que mesmo na sacristia, e eu ajoelhado à sua frente, muito envergonhado, tive de responder a perguntas muito íntimas, sobre sexo...mais para me controlar como "pecado" do que outra coisa...


Eu creio que continua a haver muita confusão de toda a gente, sobre o tratamento da terrível tuberculose, pensando-se que é pouco mais do que uma gripe e se poderá curar em poucas semanas...ou meses...


Toda a gente possui este bacilo no seu corpo, além de muitos outros, mas se se está bem alimentado e pouco sexo, ele se mantém inactivo, mas se os pulmões mostram qualquer fragilidade, e a actividade sexual é diária, eles vão-se juntando num brônquio qualquer e com tanto sangue em movimento, e finas películas dos brônquios, rapidamente se desenvolvem, não só provocando muita tosse e expectoração, como podendo escavar o brônquio e logo aparecendo alguns laivos de sangue com a expectoração. É o que se chama de Infiltração pulmonar, e exigia imediatamente o pneumotórax de compressão desse ou dos dois pulmões.


Mas muito antes disso acontecer, já o doente está a contagiar tudo onde toca, e até passando a cumprimentar qualquer pessoa por um simples aperto de mão, dado que ao tossir, normalmente põe uma mão em frente da boca e a enche de bacilos.


Mas desde há cerca de 100 anos, que não havia remédio para a tuberculose, a não ser ultimamente, e só existia uma forma de tratamento: furar o peito, por baixo do sovaco, por entre as costelas e sem anestesia, muito lentamente, até que o médico encontre o "espaço" entre as duas películas que lá existem, as pleuras, e deixe entrar ar duns garrafões com água destilada, que estão ligados um ao outro, em vasos comunicantes, por tubos flexíveis.


A descoberta deste "espaço", é muito crítica, porque se a agulha entrar mais um ou dois milímetros, perfura-se a pleura do pulmão e aparece de imediato hemorragia pela boca. Este ar, ao entrar, provoca a compressão do pulmão e daí uma menor capacidade de respiração, dando a sensação de muita falta de ar. Por isso, a compressão dada por esta compressão, dita pneumotórax, é feita por semanas, para menor sofrimento do doente, na tentativa de paralizar o pulmão e assim, dificultar a vida aos bacilos de Koch.


Exames de expectoração de pouco em pouco tempo, informam a data em que eles deixaram de corroer o pulmão e as análises mostram-se Negativas. Está o doente em vias de cura, muito ajudada por uma imensa dose de descanço em ares de montanha, que se pode prolongar por anos.


Infelizmente, se se mantém uma alta actividade sexual, o desgaste físico, é tão grande, que pode o doente recair e voltarem as análises Positivas. Está tudo estragado ! Normalmente, é morte certa, por grandes hemorragias de sangue pela boca , as hemoptises !


Por este motivo, se os doentes são casados, são proibidos de ter relações sexuais, mas os mais novos, como eu era, com 18 anos, e embora solteiro, isso é muito difícil, por causa dos sonhos eróticos que exarceberam a próstata e mesmo a dormir, ela se despeja do seu líquido seminal, por ejaculação...


Ou seja, o jovem macho, está sempre pronto a recair, se não tiver uma cura prolongada de anos e tentar fugir de ver imagens eróticas.


Além disso, e desde que se tenha estado sempre a fazer pneumotórax, convém manter as duas pleoras afastadas, para, no caso duma recaída, se poder aumentar o pneumotórax e parar novamente esse pulmão.


Se se abandona o pneumotórax, julgando-se que se está plenamente curado, as pleuras são chamadas uma à outra, pelo próprio organismo, fazendo vácuo, mas agora, em vez de deslizarem suavemente uma pela outra, quando se enche o pulmão de ar, elas como estando coladas, não o fazem, e fica-se sem a possibilidade de voltar a fazer pneumotórax, a menos que se opte por uma intervenção extremamente dolorosa, onde o operador mete uma mão pelo diafragma entre o intestino e o pulmão, e vai descolando, à força, as pleuras, ao que se chama extra-pleural, e seguindo-se logo a entrada de ar para as manter afastadas.



Algum leitor poderia perguntar: e no início do pneumotórax, como é que o médico sabe onde pode meter a agulha do diâmetro de um pau de fósforo, e sem saber se nesse sítio, existe já alguma colagem das pleuras ?


A pergunta está bem formulada, pois não sabe, e é muito natural que estando coladas devido a alguma pleuresia, estejam mesmo coladas, mas ele está muito atento à cara e comportamento do doente, para ver se picou mesmo o pulmão e tem de retirar de imediato a agulha, para experimentar mais acima ou mais abaixo. É muito chato e doloroso, além de que podem haver muitas colagens !


Embora o doente, num caso destes, tussa e ainda mostre sangue na boca, normalmente não é muito grave.


Só depois de ter entrado algum ar, é que o médico pode ver aos raios-x, (radioscopia) se o colapso do ar do pneumotórax, é total, o excelente, ou se há aderências noutros sítios, onde têm de ser descoladas, até que o pulmão fique comprimido por todos os lados.


Esta intervenção é feita por uma pequena equipa médica, enfiando uma espécie de periscópio, com o diâmetro de um lápis, mas com anestesia local, por entre as costelas, até ao espaço entre pleuras e, por um outro orifício igual, enfiar uma luz, para poder ver onde estão outras aderências.


O paciente está acordado e a acompanhar o que se está a fazer e dizer, normalmente anedotas...porque o rasgar da aderência, é feita com ferro em brasa (termocautério) e o pulmão tem de estar completamente parado. Para isso, é feito um pneumotórax muito violento, até o doente aguentar se ainda pode respirar e dar sinal, para que parem e o deixem respirar por mais uns segundos, enquanto o médico afasta os instrumentos.


Depois volta a alta pressão, e tantas vezes quantas as necessárias, até que todas as aderências deixem de existir.


É nesta inspecção a "periscópio" que o médico pode observar o estado das pleuras e no meu caso, foi encontrar uma data de pequenas bolhas, a que chamou de pleuresia bolhosa, mas quando queimou uma delas e não viu líquido, não achou importante, até porque podiam ser líquidas, purolentas ou sanguíneas, que poderiam vir a provocar uma pleuresia muito mais grave, e que teria de ser extraída por sucção, com agulha grossa e enfiada na parte mais baixa do pulmão, onde está esse líquido, porque ao encher-se o espaço criado pelo pneumotórax, se se encher de líquido, provocaria uma tremenda compressão no pulmão (auto-pneuma) e uma violenta falta de ar. Na verdade, até hoje, nunca me apareceu nenhuma e lá devem continuar as bolhinhas a enfeitar os meus pulmões..


Ou seja, com a minha tão longa estadia de 4 anos num Sanatório do Caramulo, acabou-se o tempo de Assistência da ADSE e embora ainda lá estivesse mais um ano pela Direcção Geral da Assistência, acabei por ter de me ir embora, mas continuei a ser assistido particularmente pelo simpátiquíssimo Dr. Ancelmo Yvens Ferraz de Carvalho, que aqui podemos ver, embora já falecido e que, durante muitos anos, havia sido Director Clínico no Caramulo.


Quando eu para lá fui, ele havia acabado de sair, desesperado com uma grave situação familiar, provocada pela sua esposa, e abandonado o Caramulo, para sempre, mas abrindo consultório em Lisboa, na Av. da Liberdade, onde continuou a fazer-me os pneumotórax, sempre com receio que eu racaísse.




Eu nem sabia, mas esta fabulosa pessoa, era da minha família, e primo da minha mãe, pelo lado dos Ferraz, da ilha da Madeira, e nunca me levou um tostão.

Poderia aqui perguntar um meu paciente leitor: E o que faziam entretanto, no sanatório?


Cada um procurava alguma distracção não cansativa, como passear pelos campos, e eu, a fazer caricaturas dos outros doentes, construir o Radio Clube dos Pinguins e irradiar os seus programas, fazer cinema para os miúdos do Sanatório Infantil, assunto que levei à edição em Lima Coelho, no artigo "Meu amigo João Pereira", em 15-2-2009, nº.2367, e que recebeu dos brasileiros, 18 comentários, tocar música, pois existia lá um doente de nome Dr. Amaro da Silva Rosa, que tocava lindamente guitarradas de Coimbra, numa bela guitarra de um outro doente também médico, mas não a sabia tocar, fazer pinturas a aguarela, muitas fotografias com uma máquina de construção caseira, que eram reveladas no quarto mais escuro que lá existia e era do doente Alvaro Caffer e Reno, e depois ir entregar as imensas fotos aos companheiros, depois foi a locução dos programas do Radio Polo Norte, foi a ida a Viseu para apresentar um programa de variedades, reparar relógios, fazer e usar um gravador de discos de acetato, e conversar sobre tudo o que nos vinha à cabeça, arranjar o automóvel do meu médico Dr.Trajano Sebastião da Costa Pinheiro e a mota do padre, que só andava a direito... além de irmos fumando uns cigarrinhos, os que tinham esse hábito, isto tudo, além de ir fazendo as curas diárias.


Espero que, com esta crónica, ter podido ajudar os pais de muitos jovéns daquela minha idade e menos, e que, actualmente, com as facilidades sexuais dadas pelas moças, e tantos preservativos, se sintam tentados a uma vida exageradamente activa sexual, colocando-lhes todas as facilidades, porque se sentem muito protegidas de ficarem mães solteiras...

2 comentários:

Eurico de Andrade disse...

Mário,
Até que enfim consegui ler sua crônica "E rebentaram o meu pulmão", aqui mesmo no seu blog. PArabéns! Você consegue tirar do fundo do baú tantas e tão boas histórias que encantam a gente pela simplicidade e pela forma, fazendo com que cheguemos ao fim com gosto de quero mais.

Unknown disse...

Gostei Mário. Vida difícil a sua, não? Ainda bem que hoje já há tratamento para a tuberculose.
Beijão
Yolanda