Desde que o conheci via rádio, na banda dos 40 metros, logo descobri uma pessoa invulgar, daquelas em que gostamos de “tropeçar” pela nossa vida, talvez por sentirmos que é GRANDE e, em muitas situações, maiores do que nós, daquelas pessoas a que hoje se chama, “amigo do peito”.
O radioamadorismo, é uma espécie do que hoje chamamos de “Blog”, onde conhecemos imensas pessoas, anos e anos, mas agora, com a grande facilidade de as podermos conhecer por fotografias, imagens e som.
O seu indicativo oficial, era CT1MI e a sua actividade radioamadorística, permitiu-lhe mais tarde, vir a conhecer perfeitamente, toda a aparelhagem electrónica da aviação, que estava a aparecer no mercado e a ensinar aos novos pilotos, como toda ela funcionava, para poder voar muito acima das nuvens, noite e dia.
Toda a gente queria que fosse ele o seu piloto de instrução, porque sabia da sua capacidade imensa de ensinar.
Quando usando a rádio, não se pode fazer a mais pequena ideia de quem está “do outro lado” e esta situação, muitas vezes, nos leva a grandes desaires, quando nos conhecemos pessoalmente… porque encontramos pessoas muito diferentes do que levámos anos a imaginar…
Mas há 50 anos, quando só se podia ouvir a sua voz, podíamos conversar horas e horas, sobre o que estávamos a fazer e o que havíamos feito, e podíamos comentar toda a nossa vida, desde a infância, à adolescência, os azares e grandes alegrias da vida, as nossas aventuras e desventuras, com a complacência dos Serviços de Escuta Oficiais da DSR, Direcção dos Serviços de Radiocomunicações..
Tanto podíamos ter uma vida muito desafogada, como cheia de dificuldades e em cada dia podíamos descobrir um assunto para conversar, uma experiência nova para fazer.
Assim viemos a descobrir infâncias um tanto difíceis, mas tão semelhantes, que até parecíamos irmãos.
Uma vontade insaciável de fazer experiências e arcarmos com as responsabilidades dos nossos, às vezes, incríveis projectos.
Ele, na sua adolescência, também se entusiasmou pela aviação e de tal forma que em algum tempo, havia evoluído até à instrução de novos pilotos, e aprendido a voar em imensas máquinas, praticamente todos os modelos ligeiros, existentes em Portugal.
Não havia avião que fosse autorizado a voar, sem ter passado pelas suas mãos e corrigido de algum defeito existente e perigoso. Era um autêntico “piloto de teste” e tinha de conhecer a fundo todos os defeitos e qualidades de cada avião, para auxiliar nas suas correcções e novos voos de ensaio, até ficar satisfeito. E, quando os aviões tinham de ser levados para a manutenção em Alverca, era ele que os transportava pelo ar e os experimentava antes da volta.
E assim foi feito, mas o rotor de sustentação, é que não ganhava a rotação suficiente, e teve que se fazer outra corrida um pouco mais rápida e muito constante.
A certa altura, as 360 rotações necessárias (RPM) aconteceram e o aparelho descolou muito suavemente, enquanto provocava um “zip-zip-zip” da corrente de ar no rotor e lá fui eu pendurado “naquela coisa”, a cerca de um metro de altura! Estava a voar e a comandar a minha máquina! Era a primeira máquina deste género, existente em Portugal.
Mas como a pista se estava a acabar e eu ainda nem sabia que para ir mais alto, teria de aumentar a velocidade, assim que tentei fazê-lo, exagerei tanto a inclinação nos comandos, que o grande rotor de 9 metros de diâmetro, acabou por tocar no solo, à minha retaguarda, e como se danificou, tive de fazer uma aterragem forçada, mas com tanta violência que se partiu o trem de aterragem e dei uma cambalhota batendo com a cabeça no chão e ficando completamente cego, embora consciente. Eu queria falar, mas não saía som nenhum… estava a ouvir tudo o que se passava à minha volta, mas não podia dizer que estava vivo e nem um dedo conseguia mover…
Então, depois dum grande esforço para fazer qualquer som, lá saiu um gemido e o Arcilio, ajudado por várias pessoas que logo apareceram, puseram-me em pé, perante o alvoroço dos presentes, que gritaram ao mesmo tempo: - Ele está vivo!. Como não conseguia ver nada, pedi-lhes para me tirarem a terra que devia ter nos olhos, mas eles responderam que não viam terra nenhuma e foi aí que pensei que estava completamente cego ou que tivesse partido a coluna!
Foi realmente um momento de pânico, porque estava casado há pouco tempo e o que seria da minha vida, se tivesse ficado cego… mas muito lentamente, e amparado pelas pessoas para não cair, fui recuperando a visão e tudo voltou ao normal.
Mas tinha sido uma experiência inolvidável ! Tinha valido a pena !
Um camionista que se apercebeu do acidente, veio de imediato com ajudantes e colocaram os restos do meu autogiro, em cima do camião.
Quarenta anos depois deste acontecimento, um grande amigo meu, que já estava a voar em autogiro MAGNI, um lindíssimo aparelho comercial e nele acompanhou a volta aérea a Portugal, concedeu-me a alegria de voltar a voar naquela estranha mas lindíssim máquina.
Há poucos anos, e dada a sua curiosidade pela aviação, consegui que ele fosse experimentá-lo pela primeira vez, por convite do meu amigo Dr. Joaquim Figueiredo, dono e piloto do autogiro que tanta confusão lhe estava a fazer.
Eu e o meu amigo Arcílio, ambos amantes de tudo o que fosse científico, até entrámos pela medicina e construído aparelhos para tratamento de dores e inflamações, cada um com suas soluções . Embora ainda hoje defendamos pontos de vista diferentes !
Ele constrói tudo com muita perfeição, nem que seja pelo gozo de as estudar, construir, afinar e experimentar. Até os painéis são construídos por ele !
Como profissional exigente, percorreu o mundo de ponta a ponta, dos EUA ao Japão, para conseguir os melhores contratos e isso levou-o à Direcção Técnica de várias empresas, embora mantendo a pilotagem dos aviões.
Hoje vive da sua reforma, sempre muito distraído com tecnologias diferentes, com muito acesso aos computadores e usando o MSN que nos tem proporcionado imensas horas de contacto visual, embora nem sempre de acordo, como já é nosso velho habito.
Infelizmente, como a mim aconteceu também, perdeu a sua amada esposa, que lhe deixou 3 filhos muito amigos, que lhe vão emoldurando a vida, tal como a mim.
Com a sua enorme capacidade de realização, construiu uma belíssima auto-caravana, com tudo o que há de mais moderno, incluindo TV de satélite, HI-FI, painéis solares para recarga de baterias, frigorífico, etc, passando imensas horas rodando pelo país maravilhoso que temos, para não se deixar envelhecer e enferrujar, embora já esteja com um pouco mais de 70 anos...
Desculpa-me, Arcílio, o ter-te vindo “despir” um pouco em público, mas se o não fizesse hoje, talvez amanhã já fosse tarde.
1 comentário:
Mais um belo belo trabalho sobre" experiências " desconhecidas do grande público e realizadas por cientistas autodidactas.Servirão de exemplo e de crítica aqueles que nada fazendo só pedem subsídios para fingir que fazem
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