quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

A MOTO SÓ ANDAVA A DIREITO...

A minha necessidade de experimentar coisas, já vem desde criança e, agora, com quase 80 anos, ainda não se apagou...Tudo quanto é novidade, me apaixona !

Mas quando eu tive o azar de ir parar com as costelas a um sanatório do Caramulo, além de poucas roupas, fazia-me acompanhar dum máquina fotográfica, por mim construída uns anos antes, e que serviu de muito gozo ao meu companheiro de quarto que, não conseguiu reprimir aquela observação de que eu julgava ir fazer umas férias na montanha...

Na verdade, eu nem pensava que me iria preparar para a entrada no cemitério e só levava na ideia de que aquilo iria ser mais uma "aventura" das muitas por que já havia passado...

Infelizmente aquilo começou a ficar "preto" para mim e passados uns meses, eu até já nem me conseguia aguentar de pé, tal era o meu estado de fraqueza... e desmaiava, para acordar uns minutos depois, ficando muito admirado de me ver estatelado no chão...com cara de parvo...

Assim, resolvi que teria de mudar daquele estilo de vida deitado dia e noite, sem conseguir alimentar-me convenientemente, porque chegava ao jantar, ainda com o almoço em digestão... e dar umas fugidas ao campo, mesmo a horas proibidas... mas foi o que me safou ! O ar do fresco campo e o andar, rapidamente me ajudaram a ganhar mais força, e passado um ano, até os médicos estavam admirados com o que se estava a passar com a minha saúde, porque de caso perdido, segundo me disseram nessa altura, já estava a melhorar e, como as análises de positivas se haviam tornado negativas...eu estaria em vias de cura...

Passados uns dois anos de lá estar, o meu médico assistente, vendo que eu estava a arrebitar, e à procura de distracções, disse-me que tinha o seu velho carro parado e sem ninguém que descobrisse o seu defeito, pelo que logo aí me senti convidado a ir dar uma vista de olhos.

O raio do carro estava numa minúscula garagem inclinada para dentro e nem havia espaço para dar à manivela...mas como o terreno era inclinado, eu não tinha força para o empurrar para fora e foi mesmo ali que desmontei o carburador para limpar, verifiquei as velas, puli os platinados, assoprei no depósito da gasolina, para fazer chegá-la ao carburador e vai de dar à manivela, porque a bateria já estava muito fraca. Felizmente que o motor pegou e ali estive eu às apalpadelas, a tentar descobrir onde ficava a marcha-atrás, pois todas iam para a frente... Aquilo estava chato para burro, mas eu tinha de ir dar uma volta com o carro, custasse o que custasse, mesmo muitos anos antes de ter carta de condução...

A minha curtíssima curiosidade de conduzir, só a tinha usado ainda nos tempos da escola primária, como já narrei noutro episódio a que intitulei "Sozinho ao volante".

E finalmente lá encontrei a malvada mudança, depois de quase ter arrancado a alavanca das mudanças, com tantas tropelias... e vai de tirar a velha carripana cá para fora e ir dar uma volta, levando-o até ao consultório onde o meu médico Dr. Trajano Pinheiro (já falecido) muito admirou a minha façanha ... e me agradeceu ! Esse pequeno e antigo carro, foi posteriormente entregue ao Museu dos Automóveis do Caramulo.

-Um certo dia, aconteceu que o padre da freguesia, talvez por ter sabido da minha habilidade para arranjar o carro do Dr. Trajano, me veio pedir se lhe conseguia ver o porquê da sua velha moto ARIEL 350 não funcionar e ali estava mais uma aventura agradável para meu gosto e vai de arranjar ferramentas para fazer os mesmos trabalhos que tinha efectuado no velho automóvel. Assim, a primeira coisa que fiz foi tirar a vela, ligar-lhe a bateria e dar uma pedalada, para ver se tinha faísca, e até tinha. Então, pensei eu, isto deve ser sujidade no carburador e vai de borrar-me todos para o retirar e limpar devidamente.

Depois voltei a abrir a torneira do combustível e vai de ligar e dar uma pedalada, mas a "mula" é que não gostou nada daquilo e pregou-me um tal coice, que me ia partindo a perna...além de me atirar ao ar, para fora do seu "lombo", mas voltei a repetir a manobra e consegui pô-la a funcionar !!! Malvada "mula"...

Mas aquilo era outra coisa, pesadíssima para as minhas poucas forças, mas eu tinha de a ir experimentar...

Eu já andava perfeitamente de bicicleta desde a minha infância e pensei que aquilo devia ser "canja" !

Depois de andar às apalpadelas com as mudanças, ora pedal para cima ora para baixo, finalmente lá consegui uma mudança em que aquela besta pesadíssima, andasse em frente, e lá me meti pela avenida principal da Estância Sanatorial acima, gozando à parva com o vento na cara, a ouvir o belo roncar do motor, mas vendo que o raio da moto não gostava nada de fazer as curvas... Aquilo era mesmo estranho, mas como eu pesava uns 40 Kg, por mais que a tombasse e tentasse voltar o guiador, aquela treta só queria ir em frente...

Malvada da moto, pensava eu, mas devido à minha ignorância em retirar acelerador e deitá-la, continuava a acelerar, pensando que fosse mais fácil obrigá-la a fazer as curvas, mas triste pensamento...ela ia mesmo e só a direito... Já era mania dela, pensava eu...

A avenida tinha e ainda tem, uns murinhos dos lados, com uns 10 centímetros de altura, e ao chegar lá acima, tinha mesmo que fazer a curva para a direita, mas ela é que não ia nisso e felizmente que não havia qualquer trânsito à vista, porque cruzei a avenida para o lado oposto e fui até tocar com a roda da frente do murete ! Claro que a moto raspou no murete a roda da frente, e parou de repente e lá vou eu catapultado para fora da moto e da avenida, ficando ela a trabalhar, deitada no chão, provavelmente muito admirada pelo que tinha acontecido... e eu todo roto e cheio de terra, fazia tudo por me conseguir levantar...depois de ter dado uma data de cambalhotas...

Mas um pouco amolgado, lá me pus de pé e fui até ela, desengatei-a e tentei pô-la de pé, mas aquilo pesava toneladas...era demais para mim ! Mesmo assim, enchendo bem o peito de ar, lá a coloquei em pé, mas mal passei pela vertical, ela me levou para o lado oposto, ficando ela e eu, estatelados no chão...mas agora no sentido contrário...

O meu coração batia que nem um desalmado, não só pelo cansaço, mas também de desespero por não conseguir por em pé aquela bruta coisa...mas finalmente lá o consegui e, engatando uma mudança que nem cheguei a saber se era a primeira ou a segunda, ou até a terceira... (marcha atrás é que não era...) lá a arranquei e aos zig-zags, lá continuei a minha odisseia, tentando perceber porque é que aquela máquina só gostava de andar a direito...

Eu estava todo arranhado e a mota também, mas lá a consegui entregar ao padre que, um tanto amargurado e surpreso, vê a sua bela mas velha ARIEL, a funcionar e, com um sorriso muito amarelo, me agradeceu...

Uns anos mais tarde, por motivos de necessidade de transporte para emprego, adquiri um motoreta nova e muito linda, de 50CC, que ainda me lembro chamar-se Pelegrino, e foi com ela que fiz muitos quilómetros e alguns acidentes estúpidos... devido às muitas tentativas de novas experiências...

O mais engraçado é que passados tantos anos, ainda tenho medo das grandes motos, sempre pensando que o meu peso actual de somente 60 Kg, pode voltar a não ser o suficiente para a manter em pé, mas quando as olho, coisas lindíssimas e caras, não sinto coragem de as montar, sempre a pensar no que me aconteceu há mais de 50 anos atrás....embora cheio de vontade...

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá tio!!
(sou uma das filhas da sua irmã Manuela)
Foi com surpresa que descobri este blog, onde encontrei histórias e fotos da família, algumas delas já minhas conhecidas, embora com menos pormenores. Guardarei, religiosamente todas elas, para a minha "colecção" de preciosidades da família. Que orgulho, ter um tio com quase 80 anos, que se serve das novas tecnologias para partilhar "pedaços" (bons e maus) da sua vida. Bem haja, tio Mário e continue. Um grande abraço da sua sobrinha Leonor. (Comentar)


Escrito por: Leonor Alípio em 2007/02/13 - 11:08:58

Anónimo disse...

Provavelmente não me conhece, mas não posso deixar de lhe dizer que fiquei sensibilizado pero facto de referir uma história do Caramulo envolvendo o nome do Dr. Trajano. Com efeito, presumo que deve ser uma pessoa próxima dado que refere o seu recente falecimento (Dez 2006). Gostei da descrição que faz dos seus a(in)cidentes com a mota do padre. Também eu tive alguns precalços de moto no Caramulo... quem agora lhe escreve é o filho do Dr. Trajano! Gostaria também de o informar que o Dr. António Passos Coelho publicou um romance autobiográfico sobre o Caramulo, precisamente com o título...Caramulo. Já o li, e, pqrq quem viveu aquela experiência até será capaz de indentificar as personagens. A editora é a Papiro editora.
Os meus cumprimentos, e continue a a satisfazer-nos com a sua prosa (Comentar)


Escrito por: Luis Filipe Pinheiro em 2007/03/23 - 21:24:43