Pelas mãos do meu amigo e professor João Martinho, aqui vai mais uma sua história das gentes e costumes do Espinheiro, terra ribatejana, que ele muito admira, e com tanta graça descreve, aproveitando para nos presentear com interessantes ensinamentos.
O Editor
Custódia Jesus Duarte
16-10-1909 12-02-2003
Custódia Duarte..?! Não sabemos quem é….Assim responderia qualquer espinheirense se fosse interrogado sobre a existência de tal patronímio…Custodica sim,,,Ti Custodica está bem guardada no coração de amigos e vizinhos que através do diminutivo demonstraram o carinho com que a distinguiram,.
Custodica era nome que não tinha conotação com a estatura física. À primeira vista dir-se-ia traduzir uma minimização da figura o que não é verdade.
Ti Custodica atirava mais para o alto que para a média corporal.
Na sua condição de mulher simples mostrava majestade no porte e bonomia no olhar. Mas o que mais aflorou nas suas vivências foi a simpatia que irradiava dum rosto a lembrar uma matrona romana.
Porquê romana….? Não descendemos nós duma mescla galaico-celta,luso-romano-africana com cromossomas russos,germanos e mongóis e ainda com afluxos franceses,flamengos,ingleses,coloneses e burguinhões..?
Fixando-se o olhar em ti Custodica, ainda hoje a sua foto traz à memória Marco Aurélio,imperador romano do ano 161 ao ano 180 que analisando o caso de Aelius Priscus,louco que matou sua mãe,entendeu aplicar-lhe a pena de custódia,expressando claramente a sua intenção de castigo e protecção.( direito romano)
Custódia, significa desde esses tempos, guarda….protecção.
No rito cristão é o sacrário ou o relicário onde se guarda ou expõe a hóstia consagrada..
Ti Custodica,pelas cores negras com que se vestia e tapava a cabeça,por muitos hábitos tradicionais com que enfeitou a sua existência,coloca ainda hoje os mais incautos na encruzilhada da cultura judaico-cristã .
E se custódia é guarda e repositório,ti Custodica guardou muitas reminiscências culturais entre elas a arte de cozinhar o prato típico do Espinheiro que foi conhecido por quinhão de sangue e que não é mais mais do que um outro nominativo de sarapatel tão vulgarizado na comunidade judaica.
Historiando um pouco :
A Páscoa hebraica ou pesack significa “ passagem “ e foi instituída há mais de 3000 anos para comemorar um facto extraordinário que permitiu a saída do povo hebreu do Egipto onde era escravizado. Os faraós obrigavam os hebreus a fazer os trabalhos mais rudes e por isso se opunham à sua saída.
Então o Senhor mandou um anjo liquidar os filhos mais velhos das famílias egípcias avisando o povo hebreu de que devia assinalar as suas portas com sangue de carneiro afim de ser evitado qualquer lapso identificativo.
Daí nasceu uma liturgia do signo (sinal) carneiro que é anterior ao signo dos peixes adoptado pelos cristãos. Se bem que, presentemente,haja uma simbiose de costumes a verdade é que sarapatel é um coziinhado festivo e comemorativo com base no sangue de carneiro a relembrar a libertação dos judeus.
No Espinheiro as grandes festividades nas quais se incluem os casamentos em que havia uma espécie de reencontro da comunidade sempre foi obrigatório o quinhão de sangue prato delicioso e genuíno que é uma espécie de ensopado de pão de trigo com o sangue e as víscera de borrego.
Ti Custodica,honra lhe seja feita, foi uma indefectível defensora da tradição,não se deixando influenciar por alterações introduzidas a esmo que desvirtuaram a verdade .Mas não foi só a Curtodica a permanecer firme.Toda a população espinheirense continua determinada a manter hábitos oriundos dos 11 vizinhos que povoavam o Espinheiro no reinado de D.João III.
Sirvamo-nos das História para se entender esta impenetrabilidade a influências indesejáveis:
Pelo decreto régio de Alhambra promulgado em 1492 pelos reis católicos de Espanha foram expulsos os judeus daquele país tendo-se fixado na zona raiana de Portugal. Esta expulsão foi uma cedência ao mais abjecto movimento segregacionista de que há memória-a monstruosa inquisição que cometeu os mais horrosos crimes em nome de Cristo e dos quais,Sua Santidade o papa Paulo II pediu desculpa ao mundo num louvável esforço para redimir a igreja católica.
Aliás, como contributo para uma explicação simplista, atente-se que na história da existência humana ,para se atingirem determinados fins, sempre foram aproveitados políticas e credos ,muitas vezes ou quase sempre, sem quaisquer convicções ditadas por razões de consciência ou de intelecto.
Continua a acreditar-se que tomando partido se adquirem posições privilegiadas na ultrapassagem do semelhante e na disputa de regalias acima do comum. A realeza foi quem mais ,prodigamente, se aproveitou de embustes e falsidades para atingir os seus desígnios.
Em conformidade, os reis católicos de Espanha ,tendo em vista a consolidação do poder absoluto e a garantia da protecção papal ,forjaram o decreto de Alhambra que lhes permitiu a expulsão dos judeus em 1492,os quais se refugiaram, em massa.,em toda a zona raiana de Portugal. O nosso rei D. Manuel I ,propondo casamento à princesa primogénita daqueles monarcas teve que aceitar ,como condição, a expulsão de todos os judeus que se tinham refugiado no nosso reino. Porém, foi permitida a permanência apenas aos que concordassem em se baptizar passando a ser conhecidos por cristãos novos. Mas porque o êxodo foi grande e a sangria de capitais, maior, logo o rei proibiu em 1499 a sua saída de Portugal.. Entretanto em 1531,o papa Clemente VII cedendo ao apelo do nosso “piedoso “ rei D.João III,nomeou um inquisidor mor e,em 1536 autorizou a instalação dum tribunal do Santo Ofício,o mais abjecto e horroroso instrumento de repressão que envergonha o mundo católico o que levou o papa Paulo II a pedir perdão pelo execrando holocausto que só na Europa vitimou mais de cinquenta mil sentenciados.
Não surpreende pois que os cristãos novos ,receosos das torturas e da execução pelo povo tivessem adoptado comportamentos susceptíveis de evitar as suspeitas dos esbirros e bufos da época. Assim, o sarapatel cozinhado com as vísceras de carneiro passou a ser cozinhado com carne de porco, animal proscrito pelo Torá se bem que, secretamente seguissem as leis do Kashrut (o que é permitido comer).
No Espinheiro, até há décadas atrás ,se bem que num aspecto meramente especulativo, confrontavam-se duas realidades bem distintas a saber:
O açougue fornecia carne de carneiro e respectivas vísceras, com acentuado consumo na época pascal.
Acompanhando a carne de carneiro os consumidores levavam para casa o quinhão de sangue que ,objectivamente, eram pedaços de sangue cozido colhido do animal abatido.
Segundo a Mishnah (tradição judaica) e o Tref(alimentação) não era permitido aos judeus comer sangue, ainda que , minimamente fazendo parte da carne a consumir a qual era lavada cuidadosamente até ficar completamente limpa.
Parece pois que os vizinhos do Espinheiro dos tempos do “Piedoso” usaram o quinhão de sangue como credencial identificativa da sua condição anti judaica o que pode não condizer com a realidade. Como se depreende ,portas a dentro, cada um cozinhava como queria e como podia..Cabe aqui aduzir que a matança do cordeiro pela Páscoa tinha e tem para os judeus um duplo significado. Se por um lado é um acto comemorativo da sua libertação ,é por outro uma afirmação de desprezo para com o povo egípcio que concedia honras de adoração ao carneiro.
Ora Ti Custodica , não ficou alheia à miscigenação cultural que definiu durante cinco séculos o povo judaico- cristão que somos hoje com plena liberdade religiosa. Enquanto viveu cozinhou a própria miscigenação traduzida no mais delicioso prato do Espinheiro que ,ressuscitado (o prato) é um esplêndido ensopado de carneiro onde não falta o tão cobiçado sangue e as batatinhas alegradas pelos sabores da hortelã e dos cominhos..
Que se saiba não houve judeus no Espinheiro.. mas,,,cristãos novos …… é de crer que sim.
Na antroponímia ainda hoje existem apelidos bem significativos. Ainda há quem não goste de ver o pão com o lar voltado para cima e o beije se ,por acaso, cai no chão. Há ainda mulheres que cobrem a cabeça nos ofícios fúnebres e religiosos. Há ainda noivas que usam véu no dia do casamento.
Há ainda gente que evita pisar uma sepultura...Que lança um punhado de terra sobre um caixão…Que perpetua os seus mortos através de expressões gravadas nas pedras tumulares…que veste de negro em sinal de luto…tudo costumes judaicos ….Que ajoelha diante dum crucifixo em que se lê a inscrição I N R I iniciais da expressão latina IESU NAZARENUS REX IUDEORUM (Jesus Nazareno Rei dos Judeus )
Finalmente fixando a imagem da Ti Custodica agradecemos a sua expressão de bonomia e de perdão…Relembrá-la é a mais comovente homenagem que se lhe pode prestar…….
16-10-1909 12-02-2003
Custódia Duarte..?! Não sabemos quem é….Assim responderia qualquer espinheirense se fosse interrogado sobre a existência de tal patronímio…Custodica sim,,,Ti Custodica está bem guardada no coração de amigos e vizinhos que através do diminutivo demonstraram o carinho com que a distinguiram,.
Custodica era nome que não tinha conotação com a estatura física. À primeira vista dir-se-ia traduzir uma minimização da figura o que não é verdade.
Ti Custodica atirava mais para o alto que para a média corporal.
Na sua condição de mulher simples mostrava majestade no porte e bonomia no olhar. Mas o que mais aflorou nas suas vivências foi a simpatia que irradiava dum rosto a lembrar uma matrona romana.
Porquê romana….? Não descendemos nós duma mescla galaico-celta,luso-romano-africana com cromossomas russos,germanos e mongóis e ainda com afluxos franceses,flamengos,ingleses,coloneses e burguinhões..?
Fixando-se o olhar em ti Custodica, ainda hoje a sua foto traz à memória Marco Aurélio,imperador romano do ano 161 ao ano 180 que analisando o caso de Aelius Priscus,louco que matou sua mãe,entendeu aplicar-lhe a pena de custódia,expressando claramente a sua intenção de castigo e protecção.( direito romano)
Custódia, significa desde esses tempos, guarda….protecção.
No rito cristão é o sacrário ou o relicário onde se guarda ou expõe a hóstia consagrada..
Ti Custodica,pelas cores negras com que se vestia e tapava a cabeça,por muitos hábitos tradicionais com que enfeitou a sua existência,coloca ainda hoje os mais incautos na encruzilhada da cultura judaico-cristã .
E se custódia é guarda e repositório,ti Custodica guardou muitas reminiscências culturais entre elas a arte de cozinhar o prato típico do Espinheiro que foi conhecido por quinhão de sangue e que não é mais mais do que um outro nominativo de sarapatel tão vulgarizado na comunidade judaica.
Historiando um pouco :
A Páscoa hebraica ou pesack significa “ passagem “ e foi instituída há mais de 3000 anos para comemorar um facto extraordinário que permitiu a saída do povo hebreu do Egipto onde era escravizado. Os faraós obrigavam os hebreus a fazer os trabalhos mais rudes e por isso se opunham à sua saída.
Então o Senhor mandou um anjo liquidar os filhos mais velhos das famílias egípcias avisando o povo hebreu de que devia assinalar as suas portas com sangue de carneiro afim de ser evitado qualquer lapso identificativo.
Daí nasceu uma liturgia do signo (sinal) carneiro que é anterior ao signo dos peixes adoptado pelos cristãos. Se bem que, presentemente,haja uma simbiose de costumes a verdade é que sarapatel é um coziinhado festivo e comemorativo com base no sangue de carneiro a relembrar a libertação dos judeus.
No Espinheiro as grandes festividades nas quais se incluem os casamentos em que havia uma espécie de reencontro da comunidade sempre foi obrigatório o quinhão de sangue prato delicioso e genuíno que é uma espécie de ensopado de pão de trigo com o sangue e as víscera de borrego.
Ti Custodica,honra lhe seja feita, foi uma indefectível defensora da tradição,não se deixando influenciar por alterações introduzidas a esmo que desvirtuaram a verdade .Mas não foi só a Curtodica a permanecer firme.Toda a população espinheirense continua determinada a manter hábitos oriundos dos 11 vizinhos que povoavam o Espinheiro no reinado de D.João III.
Sirvamo-nos das História para se entender esta impenetrabilidade a influências indesejáveis:
Pelo decreto régio de Alhambra promulgado em 1492 pelos reis católicos de Espanha foram expulsos os judeus daquele país tendo-se fixado na zona raiana de Portugal. Esta expulsão foi uma cedência ao mais abjecto movimento segregacionista de que há memória-a monstruosa inquisição que cometeu os mais horrosos crimes em nome de Cristo e dos quais,Sua Santidade o papa Paulo II pediu desculpa ao mundo num louvável esforço para redimir a igreja católica.
Aliás, como contributo para uma explicação simplista, atente-se que na história da existência humana ,para se atingirem determinados fins, sempre foram aproveitados políticas e credos ,muitas vezes ou quase sempre, sem quaisquer convicções ditadas por razões de consciência ou de intelecto.
Continua a acreditar-se que tomando partido se adquirem posições privilegiadas na ultrapassagem do semelhante e na disputa de regalias acima do comum. A realeza foi quem mais ,prodigamente, se aproveitou de embustes e falsidades para atingir os seus desígnios.
Em conformidade, os reis católicos de Espanha ,tendo em vista a consolidação do poder absoluto e a garantia da protecção papal ,forjaram o decreto de Alhambra que lhes permitiu a expulsão dos judeus em 1492,os quais se refugiaram, em massa.,em toda a zona raiana de Portugal. O nosso rei D. Manuel I ,propondo casamento à princesa primogénita daqueles monarcas teve que aceitar ,como condição, a expulsão de todos os judeus que se tinham refugiado no nosso reino. Porém, foi permitida a permanência apenas aos que concordassem em se baptizar passando a ser conhecidos por cristãos novos. Mas porque o êxodo foi grande e a sangria de capitais, maior, logo o rei proibiu em 1499 a sua saída de Portugal.. Entretanto em 1531,o papa Clemente VII cedendo ao apelo do nosso “piedoso “ rei D.João III,nomeou um inquisidor mor e,em 1536 autorizou a instalação dum tribunal do Santo Ofício,o mais abjecto e horroroso instrumento de repressão que envergonha o mundo católico o que levou o papa Paulo II a pedir perdão pelo execrando holocausto que só na Europa vitimou mais de cinquenta mil sentenciados.
Não surpreende pois que os cristãos novos ,receosos das torturas e da execução pelo povo tivessem adoptado comportamentos susceptíveis de evitar as suspeitas dos esbirros e bufos da época. Assim, o sarapatel cozinhado com as vísceras de carneiro passou a ser cozinhado com carne de porco, animal proscrito pelo Torá se bem que, secretamente seguissem as leis do Kashrut (o que é permitido comer).
No Espinheiro, até há décadas atrás ,se bem que num aspecto meramente especulativo, confrontavam-se duas realidades bem distintas a saber:
O açougue fornecia carne de carneiro e respectivas vísceras, com acentuado consumo na época pascal.
Acompanhando a carne de carneiro os consumidores levavam para casa o quinhão de sangue que ,objectivamente, eram pedaços de sangue cozido colhido do animal abatido.
Segundo a Mishnah (tradição judaica) e o Tref(alimentação) não era permitido aos judeus comer sangue, ainda que , minimamente fazendo parte da carne a consumir a qual era lavada cuidadosamente até ficar completamente limpa.
Parece pois que os vizinhos do Espinheiro dos tempos do “Piedoso” usaram o quinhão de sangue como credencial identificativa da sua condição anti judaica o que pode não condizer com a realidade. Como se depreende ,portas a dentro, cada um cozinhava como queria e como podia..Cabe aqui aduzir que a matança do cordeiro pela Páscoa tinha e tem para os judeus um duplo significado. Se por um lado é um acto comemorativo da sua libertação ,é por outro uma afirmação de desprezo para com o povo egípcio que concedia honras de adoração ao carneiro.
Ora Ti Custodica , não ficou alheia à miscigenação cultural que definiu durante cinco séculos o povo judaico- cristão que somos hoje com plena liberdade religiosa. Enquanto viveu cozinhou a própria miscigenação traduzida no mais delicioso prato do Espinheiro que ,ressuscitado (o prato) é um esplêndido ensopado de carneiro onde não falta o tão cobiçado sangue e as batatinhas alegradas pelos sabores da hortelã e dos cominhos..
Que se saiba não houve judeus no Espinheiro.. mas,,,cristãos novos …… é de crer que sim.
Na antroponímia ainda hoje existem apelidos bem significativos. Ainda há quem não goste de ver o pão com o lar voltado para cima e o beije se ,por acaso, cai no chão. Há ainda mulheres que cobrem a cabeça nos ofícios fúnebres e religiosos. Há ainda noivas que usam véu no dia do casamento.
Há ainda gente que evita pisar uma sepultura...Que lança um punhado de terra sobre um caixão…Que perpetua os seus mortos através de expressões gravadas nas pedras tumulares…que veste de negro em sinal de luto…tudo costumes judaicos ….Que ajoelha diante dum crucifixo em que se lê a inscrição I N R I iniciais da expressão latina IESU NAZARENUS REX IUDEORUM (Jesus Nazareno Rei dos Judeus )
Finalmente fixando a imagem da Ti Custodica agradecemos a sua expressão de bonomia e de perdão…Relembrá-la é a mais comovente homenagem que se lhe pode prestar…….
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