sábado, 25 de novembro de 2006

Dona Mirandolina..... Crónica de A.Águedo

Meu amigo António Águedo Gomes
Nota do Editor:

António Águedo Gomes, que ainda não conheço pessoalmente, vive no Algarve e é um autodidacta que já trabalhava aos 11 anos e veio a frequentar mais tarde, a Escola Militar de Electro-Mecânica, onde se distinguiu como primeiro classificado no seu curso, tendo passado a chefe das oficinas de rádio do Batalhão de Telegrafistas, e responsável por equipamentos de altas tensões. Foi impulsionador da robótica programável, matéria imensamente complexa e dirigiu montagens industriais, desde as suas planificações, montagem e orientação. É pois um poli-valente e de extrema simpatia humana.

Além destas inúmeras ocupações, possui o dom de nos diliciar com os seus escritos e foi por isso, que lhe solicitei a bondade de me permitir publicar alguns dos seus escritos, que tanto têm entusiasmado os leitores, como é o caso do artigo que se segue.

O Editor

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« DONA MIRANDOLINA »

Um conto bofial cheio de suspenso mistério

O enigma mirabolante da Dona Mirandolina

A Dona Mirandolina ladrava! Não porque fosse cão, ou cadela no seu caso, mas porque era ladra e fazia ostensivo alarde de o ser!

A Dona Mirandolina, amantíssima esposa do respeitável senhor Manfredo de Miranda, homem de paz, digníssimo presidente do conselho administrativo da rede dos casinos “Clã 10 Tinos” na praia da Pedra Roxa e outras, proprietário do laboratório naturalista “A Herbanária Herbácea” que, sabiamente, de todos os modos conhecidos e para todos os fins, manipulava as mais finas ervas das que uma larga carteira de assíduos clientes não podia prescindir, era uma senhora de prestigiosa e invejável posição, digna de ser admirada, mas muito solta de língua.

Não chegava a casa uma única vez que não dissesse à sua empregada, a Leocádia Soprano, que por tartamuda só se fazia entender a cantar, que tinha estado a roubar no supermercado Ilha, na loja do K. Melo, na botica Francesa, no hipermercado Molde, dizia desenganadamente que roubava em todos os sítios aonde ia, menos a compras que de visita.

Esta mania, porque de mania se tratava, não era uma mania clepto porque esta é uma doença e a da Dona Mirandolina era uma mania, muito mais vezes, pior que a doença.

A fiel Leocádia namorava o Balé Sinistro, cognome por que era conhecido não tanto por ser canhoto, mais por ter sido guarda nocturno no cemitério, habitualmente polidor de fundilhos de calças e de calçadas, andava a fazer uns “taimes” como sentinela nas sentinas do hiper Molde, mister que acumulava com o cargo de técnico de higiene das referidas.

Já farta de ouvir os garganteios da patroa, a Soprano soprou ao Sinistro quanto ouvia da ama, pedindo-lhe recato.

O Balé, que a Dona Mirandolina não queria ver nem ao longe, na posse de tão comprometedora confidência resolveu propalar o que sabia mas sem se comprometer, por receio de perder as mercês da Leocádia.

Obcecado pela ideia, tanto matutou que, ao fim de várias noites a fio sem pregar olho, acabou por sobrevir-lhe o modo de levar a termo, e de maneira ignota, o que se tinha proposto malsinar.

Elegeu, como sustentáculo do acto de denúncia, a parede frontal ao porcelânico assento no interior da cabina das intimidades femininas a que tinha acesso ao fim da tarde quando exercia as suas actividades técnicas de higienista.

Munido de um lápis labial de berrante cor escarlate, grafou, num vistoso e elegante cursivo redondo e cheio, a desonrosa denúncia: “a Dona Mirandalina róba em toudas as lojes e tamém cá”.

Estavam lançados os dados da imputação e a Dona Mirandolina ia aprender que o não querer o namoro dele com a Leocádia não era higiénico.

Quando, na manhã seguinte a caixeira mor foi aliviar-se do stress proveniente do ensaio de uma receita gastronómica secreta que lhe tinha sido transmitida, à sorrelfa, pela cozinheira da cooperativa “A Sopa dos Pobres”, deparou com o opróbio do Sinistro ficou banzada.

Uma acusação de tal jaez a uma senhora de tal qualidade???!!!...

Passada que foi a primeira surpresa e com o stress mais mitigado, lembrou-se que desde que conhecia a Dona Mirandolina no Molde era frequente vê-la de costas encostadas às estantes em conversas fúteis com as arrumadoras dos produtos.

Daí a pensar que poderia ser verdade o que à sua frente lia-se, foi um passo.

Mais um alijamento de stress e mais um passo, e ficou certa de que a postura aliada à conversa eram a táctica usada pela safada da Dona Mirandolina.

Foi posto o gerente a par das suspeições e dos factos e, desde logo, ficou assente vigiar a descarada.

Convocou-se a segurança do estabelecimento para estabelecer as directrizes e tomou conta da horrenda circunstância, pela sua manifesta argúcia, o casal Telésforo cujos componentes eram subgerentes e que, por nome e por norma, levavam tudo até ao fim.

A senhora Telésforo foi incumbida de esquadrinhar, junto dos estabelecimentos mais frequentados pela desavergonhada, algum indício que servisse de prova.

Ninguém adiantou qualquer facto provado excepto que tinha o hábito de se encostar aos expositores e ter longas conversas com as funcionárias das lojas e que não comprava.

Estava confirmada a estratégia! Faltavam as provas, mas essas viriam com astúcia e empenho bem desempenhado.

As arrumadoras foram todas avisadas que deveriam alimentar as conversas da senhora Dona Mirandolina de Miranda e para estarem atentas a todos os seus movimentos.

A partir daqui a Dona Mirandolina passou a dizer à Leocádia que cada vez roubava mais no Molde e com muito mais facilidade.

O sagaz Telésforo, ao saber que o Sinistro desejava a Leocádia aliciou-o para informador das conversas da conversada com a patroa, e veio a saber que o Molde estava a ser mais roubado e com mais facilidade.

A senhora Telésforo foi encarregada de tentar descobrir aonde a senhora de Miranda alapava o rédito dos latrocínios.

A primeira actuação foi encostarem-na à estante dos cosméticos e à saída fazerem cair a sua mala de mão, despejarem-na e verificar o conteúdo.

Nada suspeito! Nada resolvido!

Outras seguiram-se até chegarem-na ao expositor dos fêmeos adornos e após duas horas de conversa com a empregada, aparece a senhora Telésforo que enaltece o assentamento do vestido e, com o pretexto de que lhe caía muito bem, palpou-a toda sem nada encontrar.

Novo revés dos Telésforo e novas informações da Leocádia comunicando que a patroa roubava mais e com mais facilidade.

Desespero, maior que uma noite de dor de dentes, o do infeliz e ineficaz detective que fê-lo resolver falar, muito circunspectamente, com o senhor de Miranda, de quem era aplicado cliente nos “Clã 10 Tinos” e na “Herbácea”, e que levou o ilustre senhor a ficar muito chocado e prometer indagar a verdade sobre o que se passava e assim fez.

E, nessa mesma tarde, o senhor Manfredo de Miranda ficou a saber, pela boca da consorte, que sim, que era verdade o que se dizia, mas que actualmente só fazia no Molde porque toda a gente a ajudava e fazia-o por não poder conversar normalmente com a Soprano que, por ser gaga, só falava num cantar muito esganiçado, o que a fazia ir, com as suas dilatadas conversas, pelas lojas roubar o tempo às empregadas nas horas do serviço.

Prosador do Sotavento

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

SERIA QUE IRIA SER PRESO ??

Quando eu casei, aos 26 anos, estava completamente perdido pela garota ribatejana mais linda que eu havia encontrado, e que me havia de dar a máxima felicidade possível, durante quase 50 anos e mais 3 filhos.

Com esta idade, sente-se que todo o mundo nos sorri pela frente e que, mesmo de algibeira vazia, sempre há espaço para uma boa risada de felicidade...

Naquele tempo, 1952, conseguir comprar um automóvel, era imensamente complicado, porque nem em segunda mão se conseguia, a não ser que estivesse em muito mau estado... No entanto, depois de muito procurar, fui encontrar um velho Ford V8, para duas pessoas, que tinham sido muito usados pela polícia de trânsito uns anos antes, mas que custava 9 contos, o que representava 3 meses de ordenado ! Mas, aos bochechos, lá o adquiri.


A bagageira, onde estava agarrada a roda de reserva, abria-se para fora e dava acesso a dois bancos extras, para quem não se importasse de viajar à chuva !... Aqueles 8 cilindros em "V", mamavam gasolina, que era um disparate e os travões mecânicos, estavam sempre desafinados...

Como eu estava para casar e íamos viver para uma casinha no meio do mato, lá num sítio chamado "Vale de Estacas" que nos emprestava a madrinha de casamento, e como não havia água canalizada, o carrão, carregando um bidão de 100 litros, colocado na traseira, iria ser carregado de água duma nascente ali próximo, com a ajuda de baldes e um funil.

Como não havia por estes lados, qualquer Escola de Condução, uma pessoa ia conduzindo à socapa e depois ia fazer exame a Lisboa. Assim, depois duns milhares de quilómetros feitos, pedi a um amigo encartado que me acompanhasse a Lisboa para o exame, mas o examinador, Sr. Engenheiro, como todo o mundo os chamava, é que ao ver o carro, logo me informou que naquele carro, não faria exame algum !

Mas, talvez com pena de mim, que lhe dizia necessitar da carta urgentemente, porque me iria casar no dia seguinte, e desejava fazer a minha viagem de núpcias, lá me foi dizendo que arranjasse um carro de escola e, foi-se...

Em poucos minutos, estava eu a falar com o Sr. António da Escola, mas ele me dizia que só tinha disponível um velho Austin-7 que ainda por cima, estava sem rodas e em cima de 4 tarolos de madeira... mas vendo a minha aflição, lá mandou colocar as rodas no carrinho e um seu instrutor traz-me o carro até à porta do edifício dos exames, mas quando vou informar o examinador, que já tinha conseguido um carro, logo aí ele me dispara que já não fazia mais exames naquele dia...

-Pior, pensei eu... mas determinado a fazer o exame naquele dia, pedi para falar ao Chefe dos Examinadores e passados alguns minutos, lá me aparece o mal-encarado examinador, muito chateado, com uns papeis debaixo do braço e lá fomos, fazer o exame.

Eu só conhecia, da minha meninice, um carro daqueles, mas mal recebi ordem de marcha, vai de puxar a manete do motor de arranque, que já tinha uns 10 centímetros de fora e nada de ouvir o motor de arranque arrancar... quando ouço o instrutor dizer: -puxe mais... e já com quase um palmo de arame à vista... lá pegou e, olho no espelho, mão de fora e vai disto...

Como o trânsito estava todo muito rápido, e eu não queria empatá-lo, vai de andar à sua velocidade, mas quando uns minutos depois, o examinador me manda parar para sair do carro, o instrutor, que ia atrás, e muito amarelo, me dispara: -o senhor está completamente chumbado !!!! tal foi a velocidade com que andou durante o exame !

Eu nem queria acreditar, pois não sentia ter feito asneira alguma, e como ia todo bem vestido, talvez que o examinador tivesse pensado que eu seria filho de alguém importante, e lá me meteu na mão, a famigerada carta de condução...
E assim, venho eu todo eufórico pela estrada velha, entre Lisboa e Vila Franca de Xira, única que existia, quando me apercebo que mesmo atrás de mim, vinha no seu belo carro descapotável, o Manuel dos Santos, toureiro afamado e que viria a falecer uns anos depois, e que tinha mais ou menos a minha idade. Mas como a estrada era muito sinuosa, sempre que ele me queria ultrapassar, eu chegava-me mais à frente e ele tinha de ficar atrás de mim, embora com cara de quem já não estava a achar graça nenhuma...

Infelizmente, ali mesmo em frente ao Quartel dos Marinheiros, a bicha dos carros na minha frente, estancou abruptamente, mas embora eu tivesse metido travões a fundo e até puxado o travão de mão, iria mesmo bater com certa violência, no carro da minha frente, pelo que optei por fugir da bicha para o lado direito, enfiando pelo portão do quartel da Marinha, sendo de imediato rodeado pela guarda toda armada, aos berros, com as metralhadoras apontadas à minha cabeça...

Aquilo estava ali uma situação trágico-cómica, porque eu não podia ir em frente, para dentro do quartel e, de marcha atrás também não, porque o Manuel dos Santos havia tomado o meu lugar... Aquilo estava a ficar feio e já pensavam em mandar-me prender, mas talvez porque todos tínhamos a mesma idade, e perante a risada à gargalhada dos ocupantes do carro do Manuel dos Santos, até os marinheiros estavam a achar certa graça aquela rocambolesca situação que ainda demorou uns minutos, certamente estando eu com um sorriso muito amarelo, tentando pedir desculpa pela "invasão" intempestiva do Quartel dos Marinheiros.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Meu amigo Murilo Lopes

Meu Amigo Murilo Marques Lopes

Se há coisas interessantes na minha vida actual, é recordar aqueles amigos com que alguma vez "tropecei" na vida e me vêm à memória, com histórias muitas vezes rocambolescas.

Eu tinha 24 anos, quando entrei para o serviço da Rádio Europa Livre, e o vim encontrar na RARET em Benavente, como técnico de electrónica.

É daquelas pessoas que nasceu para a rádio, e sendo um pouco mais novo do que eu, tudo fazia para estudar profundamente, tudo o que ia aparecendo de novo naquela época.

Nascido perto de Leiria, em Arrabalde da Ponte, veio para Lisboa, onde o seu pai tinha uma fábrica de tecelagem, mas que ele abominava ! Assim, e já muito apaixonado pela electrónica, encontrou uma casa em Lisboa, onde viria a fazer furor com a sua rapidez de raciocínio e reparação de tudo quando fosse electrónica, em poucos minutos.

Em 1951, respondeu a um anúncio de jornal, duma empresa ( a RARET) que necessitava de técnicos de electrónica, qualificados, e respondendo a ele, foi de imediato admitido.

Ele logo se apercebeu de que não era o sítio ideal para trabalhar, porque só havia montagem de equipamentos e a sua manutenção esporádica. Não havia lugar para criação...

A certa altura, Setembro de 1957, entusiasmou-se em emigrar para os EUA, onde durante alguns meses, se ocupou da reparação ao domicílio de receptores de TV e depois para a RCA, onde trabalhou nos cálculos de lóbulos de antenas de broadcasting, e não só, durante 24 anos e depois para a Marconi no Canadá, e por lá ficou até hoje.

Nota do Editor
Murilo era dotado duma memória que nunca mais acabava, tão grande quanto a sua enorme testa e aventurava-se em tudo quanto pudesse sentir gozo.

Em 1951, ainda não havia ponte sobre o Tejo, em Vila Franca de Xira, e a travessia era feita de barco.

Um dia, ele comprou um velho Fiat-500, e mesmo antes de ter carta de condução, já andava em Benavente, por todos os lados, mas certo dia, desejando ir a Lisboa, pediu a um condutor da Empresa, de nome Frazão, já falecido, que estava de folga, se o acompanhava, não fosse ser agarrado pela polícia, sem carta, e lá fomos nós, mas na volta, apanhámos o último barco de Vila Franca e mal pusemos os pés em terra, deste lado de Benavente, vemos um polícia de trânsito mandar parar. -Será que já estamos lixados ? perguntei eu ao Murilo... Mas não, o polícia queria uma boleia para Samora Correia, porque não via mais carro algum. Mas como diabo ele se conseguiria meter dentro do minúsculo Fiat-500 onde eu já estava todo amarrotado há uma data de tempo, com o pescoço torcido ?....

Mesmo depois do Murilo lhe fazer ver que era impossível ele lá caber também, o homem, que ainda por cima, não era nada pequeno, e não tendo mais nenhuma hipótese de chegar a casa, lá se foi infiltrando e encolhendo, tendo o Murilo e o Frazão chegado o mais possível os bancos para a frente, ficando com as caras espalmadas de encontro ao vidro...enquanto eu e o polícia, tínhamos ficado com as caras espalmadas um de encontro ao outro... Aquilo estava mesmo cómico !!!

Mas seria possível que aquele micro-carro, conseguisse aguentar tamanho peso ? Mas lá arrancou e depois daqueles 7 Km da recta do Cabo, lá ajudámos o agradecido polícia a ser "desencaixotado" de dentro do carro e seguimos viagem.

-Naquele tempo, todos os anos, havia cheias tremendas no Ribatejo e, por norma, a recta do cabo ficava cortada mesmo do lado do Porto Alto. Era sempre uma tremenda chatice !

Nesta altura, o meu amigo Murilo já se tinha enjoado do Fiat-500 e vai de comprar um velho Porsche, o qual era as suas delícias, e aproveitava todas as oportunidades para lhe fazer imensas judiarias...sem ofensa para os judeus....claro está, mas ele era positivamente muito hábil na condução e até exagerava nas suas possibilidades.

Um dia, íamos de Jeep, para o trabalho mas, por falta de condutor, ele foi autorizado a nos transportar. Aquilo já não era a primeira vez, mas naqueles tempos, ter carta de condução...era coisa muito fina, mas o Murilo tinha-a. Assim, e vai de andar na máxima velocidade que o Jeep dava, com todo os pessoal agarrado aos tubos metálicos dos assentos, e sem ver nada para fora, quando ele grita:- Agarrem-se que eu vou fazer a curva ...

Aquilo era uma curva em ângulo recto, e era totalmente impossivel, para qualquer carro, fazê-la sem dar uma data de cambalhotas... Assim, e perante a nossa grande aflição, perante o acidente gravíssimo que iria inevitavelmente acontecer, o "malvado" Murilo, que sabia bem calcular as possibilidades do carro, em vez de se fazer à curva, fez um breve zig-zag e continuou em frente...parando uns metros à frente, para fazer marcha-atrás e então meter pelo estreito caminho que nos levava ao Centro de Recepção.

Devíamos estar todos brancos como a cal da parede, mas como estava escuro, lá passámos despercebidos ... mas quando nos apeámos, até parecia que íamos todos embriagados, aos tombos...

Por meu lado, e depois dum velho comilão de gasolina, um Ford V8, eu havia comprado muito barato, por ter volante à direita, um lindo Triunph Standard que fazia revirar os olhos a toda a gente...

Ele era azul celeste e cheio de cromados !

Não prestava para nada, mas ao menos era bonito que se fartava !!! Hoje seria um carro de museu, pela certa !

Certo dia, o Porsche do Murilo partiu a cambota em Vila Franca de Xira e vai de pedir-me socorro, para o rebocar até Benavente, mas a Recta do Cabo estava novamente cortada em mais de 2 Km ! Já era azar, até porque tanto o meu carro como o dele, eram muito baixos... mas se bem eu havia conseguido ir de cá para lá, enquanto se estudou a forma melhor para amarrar uma corda ao Porsche, quando chegámos ao meio de recta do Cabo, já estava um fila enorme de carros parada mas, um condutor de camião "astreveu-se" a passar e pensando eu que, enquanto o camião estivesse no meio da estrada, que não se via... e se eu me mantivesse muito perto dele, também o conseguiria. Aquilo era tenebroso, dada a escuridão total à nossa volta, onde ainda se podia ver água a perder de vista !

...Mas lá íamos andando, até que começo a ouvir um apito tocar freneticamente e pensei com os meus botões:- mas quem diabo me deseja ultrapassar sem ver estrada alguma, mas qual não foi o meu espanto, quando vejo o Porsche do Murilo a meu lado, literalmente a boiar e a ver-se a afundar !

-Oh diabo, pensei eu, e agora o que é que eu posso fazer ? A água esguichava para dentro do meu carro pelas frinchas das portas, com toda a força e ainda havia mais umas centenas de metros à minha frente, até atingirmos Porto Alto.

Mas como nada podia fazer e muito contristado por ver o Porsche cada vez mais afundado , lá continuámos, até que perante um grande estrondo no meu carro, que todo estremeceu, senti que o Porsche já estava a querer meter o nariz da estrada e pedindo a Deus que o meu para-choques aguentasse, vai de continuar, sempre com o carro em 1ª. velocidade e, felizmente, lá chegámos ao outro lado, onde abertas as portas, vimos jorrar água por todos os lados !!! O carro do Murilo esteve mesmo às portas de fazer de submarino...aquilo era só água...que lhe tinha chegado quase ao queixo !

Tinha sido o bom e o bonito se o meu Triunph parasse no meio daquela cheia !!!! Todos encharcados até aos ossos, lá chegámos a Benavente, sãos e salvos.

«Noutra altura, e estámos no inicio da TV em Portugal, e o Murilo pensou que havia de conseguir receber a TV americana, nem que fosse por uns segundos, pois a firma Nordemend lhe ofereceria um televisor, se ele o conseguisse provar.

O Murilo já tinha feito uma data de prospecções à propagação, num receptor Hammarlund SP600, lá para os lados dos 60 MHz e tinha ouvido o "gemido" característico do vídeo, mas por mais que sintonizasse o televisor, só havia imagens com muito lixo, mas elas estavam lá ! Havia que conseguir uma melhor antena.

Aqui a montagem pronta para receber as imagens dos EUA, fotografar o televisor e gravar em audio o que fosse possível, e foi !.

Como não era pessoa para se atrapalhar, vai de calcular uma rômbica para aquela faixa, mas necessitava de 4 postes altos, nem que fossem eucaliptos, mas só os conseguíamos arranjar, lá para os lados de Samora Correia.

Nessa altura, o Murilo tinha um Peugeot, com porta-bagagens amplo, mas os postes eram muito maiores do que o carro inteiro, talvez umas três vezes... !

Assim, amarrámos os 4 eucaliptos fortemente uns aos outros, com os lados mais pesados dentro do porta-bagagens, e o resto veio a rojo pela estrada... enquanto eu, todo encolhido dentro do porta-bagagens, com a tampa aberta, segurava fortemente os pesadíssimos eucaliptos, com toda a minha força !

Hoje, passados estes mais de 54 anos, isso seria totalmente impossível, mas naquela época, não havia trânsito quase nenhum entre Samora Correia e Benavente nem muito menos polícia. Foi a nossa sorte !

Depois foi por os eucaliptos na vertical, o que deu uma trabalheira terrível e com a ajuda das escadas dos bombeiros, lá fomos acima amarrar a rombica.

Estávamos completamente estafados, mas o Murilo não desistia. Assim, agarrou um circuito electrónico, por ele desenhado e construído, cá fora do TV e ligado ao seu AVC e, no caso de haver um aumento de sinal, ele tocaria um valente alarme para o acordar. Em frente ao televisor, já ele tinha sobre um tripé, uma máquina fotográfica apontada e só havia que esperar, até que em certa noite, aquilo começou a berrar e o Murilo enroscado no seu pijama de flanela, correu para a sala onde realmente se estava a ver relativamente bem um tipo a tocar viola, que foi logo fotografado.

Aquilo foi um sucesso para a Nordmende, que, conforme havia prometido, lhe ofereceu um televisor e ele até foi entrevistado para os jornais, junto da sua "trapizonga" toda montada, depois da firma se ter inteirado da verdade do programa captado àquela hora !

« Aí por volta de 1952, tinha eu construido um barco plano e todo forrado de chapa de aluninio, que levava um motor Mercury de 10HP, emprestado, a empurrar, mas o raio do motor deu-lhe para falhar um dos dois cilindros, e aquilo só andava muito lentamente. Enquanto o Murilo estava à frente, a conduzí-lo, eu lá atrás, trocava velas, abria e fechava gasolina...mas o malvado dali não saía. Como tanto eu como ele, eramos uns nabos em natação, tivemos o cuidado de colocar bem à mão, uma câmara de ar, para o que desse e viesse...

Nesta altura ainda não tinha o motor Mercury

Aquilo era um dia de excursão pela Vala Nova abaixo, até ao Rio Tejo, e numa fragata, lá ia imensa gente passar o dia.

Só que, eles lá se foram afastando e eu ao tentar passar para a frente, o raio do barco mete a proa dentro de água e em menos de 2 segundos, desapareceu, ficando nós os dois à tona de água, agarrados à mesma câmara de ar...

-Agora é que arranjámos uma boa, oh Murilo, digo eu, só pensando no motor emprestado e que teria de devolver...

Ai da minha vida !!! mas embora com a água muito verde e escura, senti que mesmo ali ao pé de mim, estava qualquer coisa a boiar e qual não foi a minha alegria, quando verifico que era o depósito do motor, que logo agarrei e assim de dois ocupantes da boia, ficámos três...

Felizmente que passados poucos minutos, vemos aparecer muito lentamente, uma fragata que logo nos acudiu e tendo-nos atirado uma corda, lá fomos para bordo, mas levando pendurado o barco com o motor.

E assim fomos até à foz da Vala Nova, onde toda a gente nos esperava com bastante inquietação mas agora toda risonha, lá iam apanhando os seus banhos de Sol e comendo os farneis que haviam levado.

Mas eu é que não largava o motor e tanta volta lhe dei, que acabei por o por a funcionar, mas agora com os dois cilindros, mostrando a sua pujança ! Como eu havia levado uma prancha, pedi ao Murilo que ma puxasse e lá vou eu deitado em cima dela, com a ideia de que, mal ela ganhasse velocidade, eu me poderia por em pé, mas....opsss, num repente, ela deu meia volta e eu fiquei por baixo dela e a sentir-me ir para o fundo, até que senti as costas arrojar no leito do rio e quando já pensava em marinhar pela corda acima, até porque sabia que no seu fim, estava o barco, acabo por verificar que felizmente, eu até podia por os pés no fundo e ficar com a cabeça de fora... Que alívio !!!

« Histórias com este Murilo, nunca mais acabam !!!

-Um certo dia, ele resolveu dar boleia a uma data de malta, 6 pessoas, onde se incluia uma garota por quem ele andava apaixonado e que ficou assentada do lado de tras dele. Como o carro ia completamente cheio e já era bem noite, eu que ia no lado do pendura encostado à porta, levei o meu braço esquerdo e a mão sobre as costas do banco, a qual ficou mesmo ao lado da cabeça do Murilo. Às tantas, talvez lhe tivesse tocado no seu cabelo, mas o que é certo é que ele se convenceu de que seria a sua querida garota e vai de fazer-me festas carinhosas na mão...

Eu ainda aguentei um pouco, para ver no que aquilo dava, mas como as suas "carícias" estavam cada vez mais fortes, acabei por dizer-lhe: -Oh pá quando é que me deixas de apalpar a mão ? Aquilo é que foi uma risota de toda a gente....

Murilo hoje, a gozar a sua bela reforma no Canadá, em 2006.

Aqui, como Marconi Field Engineer, em 1990.

Mas o seu gosto pela náutica, continuou mesmo no Canadá !

domingo, 19 de novembro de 2006

Naquele Tempo...(II) por Prof. Martinho

( Naquele tempo... (continuação)

O doutoramento do Zé Correia que passou a ser conhecido por Dr Galena não foi epílego que tenha arrefecido o ânimo do trio que, ao invés se empenhou mais na solução do problema da recepção galenística.,definindo numa mesa do café Montanha a estratégia para levar de vencida a inoperância das montagens do Dr. Galena e, se possível fazer-lhe uma concorrência feroz. Assim, no cumprimento do 1º ponto dum plano maduramente reflectido ficou resolvido fazer-se uma revisão cuidadosa de todos os capítulos da Física que versassem ondas electromagnéticas e propagação das mesmas o que equivale a dizer que, sem uma motivação própria, tais capítulos passaram duma chatice a assuntos prioritários de todas as conversas , ao mesmo tempo que se formalizavam buscas nas livrarias e bibliotecas para descobrir literatura que ajudasse na resolução do desafio posto às capacidades destes jovens arredados doutras preocupações mundanas.


E foi assim que um dia o Martins apareceu com um livro adquirido na livraria Almedina , livro esse que viria a ser determinante na evolução e sequência de todo um processo de pesquisa para o fim
em vista. Tratava-se duma obra cujo autor era Alan Boursan ? e tinha por título
“ Construa um Posto de TSF”.


Ávidamente folheado, fomos tomando contacto com uma esquemática e descrição de circuitos, para nós estranhos e indecifráveis visto desconhecermos a simbologia própria de cada esquema e sua inter-relação com o seu valor traduzido em prática.


No livrinho estavam excluídas as galenas….era tudo válvulas A415…B406….B409 etc.etc.


tríodos em que se referenciava a firma fabricante no vidro espelhado e negro o que despertava um mundo de interrogações.


Nestes tempos, o altifante ficava sempre por fora.

Como éramos 3 e porque achámos graça à coincidência, empenhámo-nos em estudar todo o funcionamento dessas válvulas e lá voltámos à Física para apreciarmos com outros olhos a figura emblemática de Lee de Forest, o verdadeiro pai da electrónica.

Naquele tempo , o estudante, caldeado por dificuldades de toda a ordem, conseguiu sobreviver a muitos desaires aplicando uma espécie de automedicação psicológica de resistência, adoptando como divisa


o princípio Acção-Determinação. Em obediência à filosofia implícita no binómio e por analogia com as descrições dos alunos de medicina,o Martins propôs:


- Vamos procurar uns rádios velhos….abri-los…-desmanchá-los…



Acode o Neves : E retalhá-los na sala da anatomia….eh…eh…eh…!.


A primeira dádiva é uma gentil oferta duma senhora moradora na Rua da Sofia onde comparece o Martins acompanhado de quatro caloiros mobilizados para o transporte da máquina. Colocada esta sobre uma capa estendida no chão e pegando cada um numa ponta , iniciou-se o cortejo em direcção à rua Visconde da Luz , ponto nevrálgico do bulício académico tendo parado várias vezes para satisfazer a curiosidade de vários doutores que inquiriam sobre tão insólito desfile.


Dali rumaram, num eléctrico, para Santo António dos Olivais onde, na toca deste vosso criado ficou depositada e em espera aquela preciosidade com que nos havíamos de iniciar a nossa auspiciosa actuação no mundo das válvulas.


Mas eis que, consequente da evolução dos factos, é definida nova estratégia em que sobressai uma intenção de espionagem.


O Neves foi destacado para se relacionar com um bobinador que tinha a oficina junto da estação nova. A sua missão era recolher todos os conhecimentos necessários para a bobinagem de transformadores. O Martinho iria conversar sobre bola com o Ferreira da Rádio Mondego, oficina de reparações localizada num estranho gaveto da rua Corpo de Deus.. com a intenção escamoteada de recolher tudo o que fosse útil para a tarefa que se avizinhava- construir um rádio a válvulas…! O Martins, por sua vez , coligiria em caderno próprio todo o material informativo que funcionaria como guião.


À volta da banca do senhor Albano, sapateiro, que naquele tempo exerceu a profissão no rés do chão da Real República dos Kágados, figura muito estimada pela academia, foram ouvidas muitas anedotas, das quais eram um exímio narrador. Também ali o triunvirato deu a conhecer a tarefa que tinha pela frente e o senhor Albano, um dia, depois de tomar conhecimento de nova problemática, espreitando por cima dos óculos e interrompendo o brunir dumas gáspeas ofereceu a sua disponibilidade :-Os senhores doutores façam o rádio que eu faço uma caixa em madeira…. Seguiu-se um ruidoso exteriorizar de agradecimentos com o júbilo próprio daquela mocidade coimbrã desse tempo, sempre altruísta e nobre de sentimentos. O senhor Albano passou a fazer parte da equipa e foi nomeado mestre de caixas cum laude .(com louvor). Só com a eloquência do Padre António Vieira seria possível descrever cada passo deste dealbar estudantil.

O Neves, um moço imberbe e loiro fundiu peças em alumínio, torneou-as e fez uma máquina de bobinar verdadeiramente revolucionária que espantou os profissionais da época. Serrando, cortando e soldando, sem qualquer instrumento de medida a obra foi tomando forma até que um dia se procedeu à primeira experiência de recepção. Entretanto o senhor Albano havia reparado um velho altifalante de agulha colocando-lhe um novo cone de cartolina.E foi com solenidade que o Martins recitando César se voltou para o rádio: ALEA JACTA EST FIAT RADIO ( a sorte está lançada , faça-se rádio ) .Aquilo arrancou com uma enorme chiadeira porque era um primitivo circuito a reacção mas , reduzida esta , no respectivo condensador, logo se ouviram várias estações….!
Foi um delírio…!
Acalmados os ânimos, o grupo, inconformista com o inesperado sucesso partiu de imediato para novas experiências e logo vai de fabricar um novo jogo de bobinas com as quais era suposto sintonizar a onda curta.
Na verdade mal tínhamos acabado a sua instalação começámos a ouvir uma voz que, insistentemente repetia:
- Chamada geral de CT1AZ….América…..Zelândia….
Ficámos atónitos sem atinar com o significado daquilo…seria alguém que estava a pedir uma boleia para a América ou para a Nova Zelândia..!?
Indagámos e viemos a saber que se tratava dum senhor doutor que tinha um emissor e era director do observatório astronómico da universidade. Mais…morava numa rua do lado de cima do Jardim da Sereia.

E palavras não eram ditas já o trio estava a bater à porta duma vivenda na rua Pedro Monteiro onde eram visíveis muitos fios (supostas antenas).
O dr Barata Pereira ao ter conhecimento do motivo que ali nos levava introduziu-nos de imediato numa sala onde havia dois aparelhos sobre uma secretária tendo-nos explicado que um era o receptor e outro um emissor o qual, segundo nos informou tinha duas válvulas 42 em paralelo e era controlado a cristal. O receptor era uma peça elaborada que nos fez abrir a boca de espanto pela quantidade de botões que tinha no painel.
Muito receptivo e mostrando muita vontade em nos ser útil e agradável logo se mostrou disponível para fazer uma comunicação exemplificativa em telegrafia.
Mudos e quedos ouvimos aqueles pi pis sem entender nada do que significavam mas que o bom do dr nos ia traduzindo.. Depois, na qualidade de delegado distrital da rede dos emissores portugueses explicou-nos o funcionamento desta associação vincando o compromisso de irmandade dos seus membros onde não havia lugar para quezílias e mal-entendidos……que não havia qualquer discriminação social entre sócios, apenas se exigia educação, respeito e civismo. Fiel aos princípios que nortearam os radioamadores NAQUELE TEMPO sou ainda o CT1AP.

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

NAQUELE TEMPO ....... por Prof.Martinho

Naquele Tempo……..
Naquele tempo ,isto é nos anos 48-50,os estudantes em Coimbra andavam num alto desassossego científico. As galenas vendidas pelo Zé Correia,electricista estabelecido na rua Antero do Quental estavam exposta na montra com um significativo cartaz que anunciava : Estas galenas captam a BBC em Londres.

A escuta do emissor regional da Emissora Nacional instalado em Montes Claros ,um ponto alto da cidade, constituía um escape ao condicionamento imposto pelo toque da cabra que às l8 horas batia as 6 badaladas do alto da torre da universidade lembrando o cumprimento da praxe e avisando caloiros, bichos e semiputos que deviam recolher a casa para se livrarem das troupes entre as quais ficou célebre a do Calado que sempre que podia rapava os mais descuidados fazendo na cabeleira um ridículo e largo risco ao meio que dava um aspecto psicodesintrabinquadrilhado ao apanhado.

Esta imposição que nada tinha a ver com a barbárie que se instalou na maioria das escolas do nosso país era rigorosamente controlada pelo dux veteranorum ,verdade seja dita,um bom substituto do poder paternal que por razões óbvias estava arredado do percurso diário de cada estudante.

A proverbial penúria que então era uma constante na vida académica ( só de vez em quando é que se ia ver uma cowboiada ao cine teatro Sousa Bastos) foi um factor limitativo de extravagâncias e ao mesmo tempo a causa da valorização das galenas do Zé Correia visto estas serem uma válvula de escape para o tédio acumulado na leitura das sebentas ,manuais e códices.

Daí que arranjar os cem paus para adquirir um aparato desses era ,por si só, um sacrifício que valia a pena fazer…..

Lá foram muitos sujeitar-se aos comentários escarninhos do Correia,largando a massa em troca duma cuidada embalagem e dos judiciosos conselhos técnicos :

-Ó doutor ligue ao borne da antena o colchão de arame da cama e à terra o cano da água…! Não troque as ligações…!

Pois este vosso criado, constituindo um triunvirato com o Martins de Carvalho ,estudante dos preparatórios de engenharia e com o Pires das Neves, aluno da escola industrial Brotero também foi à oficina do Zé Correia tendo os mesmos por acólitos.

Adquirido o aparato lá fomos parar a uma república, onde perante a curiosidade e os dixotes de vários repúblicos procedemos à montagem da galena. Era esta constituída por uma bobina com cursor,um condensador variável e um detector de sulfureto de chumbo.e obviamente por uns auscultadores que não faziam parte do kit do vendedor.

O que mais nos fascinava era o movimento das lâminas do condensador. Seria ali que residia o segredo da recepção da BBC ? E durante uma noite fizeram-se as mais díspares tentativas sem quaisquer resultados…para todas as posições do cursor e do condensador o resultado era o mesmo: Emissor Regional…!

Para se poder entender o desaire logo ali se convocou um plenário onde se distinguiu, em veementes discursos ,a malta de Direito que se propôs ir junto do Zé Correia reaver o dinheiro de jure. No dia seguinte, uma luzida embaixada de capa e batina lá foi à rua Antero do Quental ocupando de imediato toda a área do estabelecimento. tendo o Noronha gasto uma meia hora ,citando princípios do direito romano para desclassificar a galena e exigir a devolução dos cem paus.

O Zé Correia pediu a palavra e dixit :

_ Meretíssimos doutores….provem-me lá que levaram a galena a Londres para ouvir a BBC…Vou devolver 50 paus para irem beber uns copos ao Toino Ladrão…!

Perante o inesperado desfecho da situação reuniu logo ali o plenário que encarregou o Noronha de proferir uma inflamada oração de sapiência pela qual foi concedido,ao Correia o título de doutor honoris causa em galenas...

Zé Correia exigiu diploma que lhe foi passado em latim macarrónico .Durante muito tempo foi motivo de atracção na montra do seu estabelecimento.

(CONTINUA)

João Martinho

CT1AP

MEU AMIGO MARTINHO

João Martinho, seguido de CT1UP (Fernando Percheiro)

e este vosso amigo Mário Portugal, num fresco dia de inverno.

Meu grande amigo de há mais de 50 anos, João Vitalino Martinho, que foi professor da instrução primária, durante toda a sua vida, é uma daquelas interessantes pessoas que um dia encontramos pelo decorrer dos anos e nunca mais esquecemos. É mais um marco importante na nossa vida !

Tendo por Signo Escorpião, é certo e sabido que para tudo está sempre pronto a dar uma "ferroada", quando a situação se apresenta favorável...

Quando em contacto pessoal, de grande facilidade de expressão, atento a tudo o que o rodeia, não deixa passar a oportunidade de uma boa gargalhada.

Uma das suas últimas, foi passada numa Repartição Pública, onde havia de ser preenchida uma ficha e a menina lhe perguntou qual era a sua profissão, ao que ele prontamente respondeu « Professor, mas reformado», mas ela omitiu a palavra professor e só escreveu Reformado...

De imediato, o amigo Martinho interpelou a funcionária e vai de perguntar : - Mas desde quando REFORADO era uma profissão...

A menina, toda encabulada, pediu desculpa e vai de agarrar outro impresso, mas agora com todo o cuidado, não lhe fosse escapar mais alguma, lá escreveu tudo correctamente...perante o olhar astuto do Martinho...

Outra vez, havia ido ao campo buscar uma pequena arvore de Natal, mas um pouco da ramagem, ficava à vista, fora do porta-bagagens. Nem de propósito, um polícia de trânsito, o mandou parar e vai de querer saber o que ali levava, mas ficou todo encabulado, quando o Martinho lhe pergunta: - Ora diga-me lá qual é o código de estrada que proíbe transportar uma pequena árvore de Natal no porta bagagens...O polícia engoliu em seco e lá o mandou seguir...

A maioria das pessoas para e pensa um pouco, antes de falar, mas para o Martinho, é instantâneo... dá mesmo a sensação de que já tem e sempre, na ponta da língua, o que tem de dizer...

Mas o Martinho, que os nossos leitores só conhecem destas tão curiosas reportagens feitas neste BLOG, além de professor, tem imensa habilidade de mãos e mete-as em tudo quanto aparece, nem que seja a substituição de tubos de rega da sua horta, às torneiras, à montagem de antenas de rádio, por ser radioamador com indicativo CT1AP, às construções mecânicas, sabendo usar imensas ferramentas, como torno, serras mecânicas, soldadura, como à construção de equipamentos electrónicos, a fotografia, etc.etc.

Ele até chegou a ser locutor de rádio no antigo Rádio Ribatejo e dava a sua colaboraçao a tudo quanto tivesse algo de científico.

Em 1960, é o primeiro radioamador português que intenta a construção e montagem duma estação de rádio móvel, CT1APM, o que veio despoletar um grande interesse por essa modalidade, nessa época muito complexa, devido à necessidade de se gerar mais de 500V DC para alimentar as válvulas do andar final, provinda da bateria do carro de somente 12Vdc, mas ele tanto furou que conseguiu descobrir pela radio, um amigo nos EUA, um tal Frank Rose, de quem viria a ficar muito amigo, e lhe descobriu naquele país, os transistores necessários para a fonte de alimentação comutada. Assim, e como gostava muito de passear de automóvel, ia fazendo as suas comunicações à volta do Mundo, de bordo do seu belo carrinho, depois duma luta atróz com a sintonia da sua minúscula antena.

Foi nesta altura que também entrei para esta modalidade, bem como o colega Valdemar Vidal, CT1 AYM, e foi organizado um concurso na banda dos 40 metros, sendo finalizado em Santarém, onde inúmeros colegas nos esperavam, alguns para nos conhecerem pessoalmente, e outros para verem as nossas estações móveis. O "Rei da festa", era o nosso anfitrião CT1PK, Dr. Fragoso de Almeida, infelizmente já falecido.

O João Vitalino Martinho, sempre foi e será até ao fim da sua vida, um poli-valente, como agora se diz frequentemente, um "free lancer".

Um dia, perante a saborosa leitura de um dos seus escritos, perguntei-lhe como é que ele havia descoberto aquelas pessoas já falecidas há tantos anos.

Aí ele me disse que era simples, pois dava uma volta pelo cemitério do Espinheiro, e observava as datas de vida de alguns falecidos que havia conhecido e ia à procura de quem os tivesse também conhecido. Assim, conversa daqui, conversa dali, reunia facilmente os dados das vidas dessas pessoas e depois, era só "compor o ramalhete", dando-lhes vida, aquela vida que tanto nos encanta ler.

Não havia dúvida que era uma boa ideia, embora um tanto trabalhosa, mas muito do agrado deste ribatejano tão ilustre, em contacto com os seus patrícios ribatejanos, que tanto o admiram e eu também.

João Martinho nasceu em Outubro de 1928, tendo completado o ensino primário em 1939, ingressando de imediato no Liceu de Santarém. Depois foi finalizar os seus estudos no liceu D. João III, em Coimbra e terminou o curso de Magistério Primário em 1951. De seguida foi Director das escolas nºs 1, 4 e 8 de Santarém, secretário das escolas de aplicação anexas à escola do Magistério Primário de Santarém e orientador de estágio de numerosos professores recém-formados e corpo docente da referia Escola do Magistério, leccionando Didáctica Geral e Especial, e organizou um gabinete de audiovisuais.

Aposentou-se em 1992

Notas do Editor

EPISÓDIOS DESENHADOS NUM HOSPITAL

CARICATURANDO NUM HOSPITAL

Quando a minha falecida esposa, teve de ser operada a um cancer nos intestinos, no Hospital de Vila Franca de Xira, eu tive de lá estar horas há espera de a poder ver, e fui-me dando conta de imensas situações mais ou menos cómicas, que me despoletaram a vontade de voltar a caricaturar, coisa que sempre gostei de fazer, desde a minha instrução primária.

Já num sanatório do Caramulo, onde tive o azar de ir bater com os costados, quando tinha 18 anos, lá encontrei imensas caras que eu conseguia caricaturar facilmente, pelo que durante anos, as fui fazendo, embora alguns doentes, não achassem graça nenhuma a se verem assim tão ridiculamente caricaturados...

Mas, quem se sente com habilidade para caricaturar, leva a vida a olhar para as pessoas, tentando encontrar os seus defeitos mais visíveis, mas há muitas gente com feições tão correctas, que não se pode exagerar NADA...

Uns anos depois, em 1951, quando da minha entrada para a RARET em Benavente, continuei com esta "mania", mas felizmente que toda a malta achava graça às suas caras caricaturadas e até muitos me pediram para as fazer em tamanho grande, para poderem emoldurar e colocar nas suas salas.

Logo por azar, o meu chefe, um tal Adriano Lopes Vieira, radioamador CT1CW, já falecido, que estava a chefiar a Empresa em Benavente, era das figuras mais simples de caricaturar, e isso quase me veio a custar a expulsão da Empresa, logo nos primeiros dias...

Ele era gordo de barriga, mas com umas pernas muito magras e uma testa que nunca mais acabava...

Peguei numa caneta e ali num papel qualquer, fiz a sua caricatura, mas perante o receio de que ele a viesse a descobrir, amachuquei-a toda e deitei-a no caixote do lixo. Infelizmente, o papel foi-se abrindo e o amigo Lopes Vieira logo a agarrou e mandou chamar-me.

Quando cheguei, os meus colegas um tanto espavoridos, comunicaram-me que o chefe estava à minha espera e lá vou eu bater à porta do seu micro-gabinete, já à espera duma valente descompostura e talvez o ser despedido...

Embora não se veja no desenho, estava um toiro na base da torre de uma antena, à espera que ele descesse...

Quando entrei no gabinete, ele tinha o meu desenho, todo amarrotado, sobre a mesa, e com a sua voz sempre autoritária e muito sério, pergunta-me: - Foi o senhor que fez isto ?- Eu fiquei todo a tremer...

Mas o que é que eu vou responder ? -Pois desculpe, mas eu não o queria ofender... lamentei-me eu de tão triste ideia que tinha tido...

-Então faça isto em papel grande e perfeito, porque eu quero emoldurar isto e por na minha sala.

Aquilo é que foi um alívio !!!! Quase chorei de alegria !

Uns anos depois, já casado e com filhos, em 1991, minha falecida esposa teve de ser internada no Hospital de Vila Franca De Xira, mas mal tinha a possibilidade de a visitar, com tanta e tanta gente à sua volta, que eu ali fiquei assentado ao lado, a ver passar a hora da visita, sem me poder a ela chegar e vai de fazer a caricatura marcada com o nº14 do grande role de caricaturas, mais de 40, que se haviam de seguir.

Embora não se veja, esta era a "famosa" nº. 14

Mas um enfermeiro que por lá me encontrou a desenhar, achou tanta graça, que logo me pediu para ir fazer fotocópias e mostrá-las não só aos colegas, mas a todos os médicos e pessoal administrativo.

Nunca me havia passado pela cabeça que tanta gente estivesse interessada naqueles desenhos !!! mas um certo dia, estranhei saber que só poderia entrar uma pessoa de cada vez, para visitar o seu doente e inquiri o enfermeiro sobre aquela tão profunda alteração. Mais, fiquei admirado quando ele me disse que a caricatura 14, havia chegado à Administração do Hospital e também as que mostravam uma data de malta a "chatear" os doentes com tanta gente à sua volta e que numa reunião da Administração, essas "terríveis" caricaturas, haviam levado àquela alteração.

Mal sabia eu que uma simples caricatura, como aquela nº14, iria dar tamanha bronca, mas que resultou !

A partir daquela altura, foi um alivio para os doentes e enfermeiros, com muito menos "alarido" na hora das visitas...

Como eu tinha muito tempo disponível, fui passeando mais ou menos silenciosamente por todo o lado e descobrindo muitas situações engraçadas, mas inventadas, em especial as que se referem ao " Xico esperto", porque eram uns mecânicos que lá andavam a vontade por todos os lados, porque tinham de reparar campainhas, candeeiros, etc.

Por isso, eles aparecem de fato de macaco, em que um "explica" ao outro, o que se está a fazer aos doentes.

Mas uma coisa eu havia reparado, pela frincha duma porta onde os médicos se reuniam para conversar; é que, embora por todos os lados houvessem cartazes a proibir fumar, quase todos estavam de cigarro na boca...

Aquilo tocou a médicos, enfermeiros, bombeiros, radiologista, serventes, etc.

" Malvadas portas automáticas "....

Mas obviamente, não posso aqui continuar a apresentar desenhos, porque são mais de 40... mas fica uma ideia do gozo que aquela malta sentia ao vê-los.

Se no entanto, houver alguma manifestação de interesse por mais algumas, é só dizerem.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Voando em Asa Delta

Em 1983, tive conhecimento de que já havia em Portugal, algumas asas delta e que estavam a voar por todo o lado com sucesso, mas aqui perto de Benavente, só se ouvia falar dum tal Gomes da Costa do Carregado e de um José Manuel da Azambuja, que também possuia uma bela máquina de fábrica e bilugar. . .

Um certo dia, ali para os lados da Barrosa, uns quilómetros mais à frente, apareceu o Gomes da Costa com um atrelado onde vinha sua linda asa delta, que logo foi armada e posta pronta a voar.

Ele deu-lhe à corda, e aquela "coisa" ficou a roncar durante uns minutos, até que numa corrida curta, estava no ar e por ali andou a alta velocidade por cima de nós, até que chegou a altura de aterrar, mas aquilo vinha com tal velocidade, que não achei graça nenhuma àquela aterragem !

-Então ? pergunta-me ele, vamos ao baptismo ?

Ná... aquilo não me estava a agradar mesmo nada nem entendia o porquê dele ter feito uma aterragem tão longa e com tanta velocidade ...mas ele me respondeu que tinha de ser mesmo assim, para ser mais seguro...

Passado pouco tempo, aparece um automóvel e dele sai um jovem que logo se dirigiu ao Gomes da Costa e pelos vistos era pessoa muito sua amiga, porque logo se montou na maquina e aí vai ele para o ar. Eu estava desejoso de observar a sua forma de aterrar, mas ele conseguiu fazê-la com tal perfeição e suavidade, que fiquei encantado ! Assim sim; pensei eu, assim já me encantas...pensei eu.

Na foto acima, lá me escarranchei no banco de trás e logo de seguida, entre as minhas pernas abertas, o piloto tomou o seu lugar e lá vamos nós ! Aquilo, afinal, também voava muito mais lentamente e assim, era menos assustador...

De imediato, e com meu genro a assistir e também a ter o seu baptismo de voo, logo nos resolvemos ter uma máquina daquelas, mas feita em casa, com o material de que pudéssemos dispor.

José Manuel explicando ao Jorge como se faz, para pilotar as asas delta.

Nas explicações de pilotagem, há sempre muita mímica.

Passado pouco tempo, já o triciclo estava a correr pela estrada, mas sem asa, só para experimentar um pequeno motor de automóvel Citroen de 2HP, e só nos faltava adquirir uma asa de fábrica.

Um certo dia, veio visitar-nos o José Manuel que vendo o estado do triciclo, logo nos acrescentou que tinha lá para vender, uma asa de voo livre, mas que com uns certos reforços, poderia perfeitamente voar com o peso do nosso triciclo e ficou logo ali resolvida a sua compra por 80 contos. Era uma Choucás francesa, que ele no dia seguinte nos trouxe e rapidamente se aprontou o sistema de a agarrar ao triciclo e vai de levar o "estojo" para a Quinta da Foz, onde o brinquedo foi posto a funcionar e pilotado pelo próprio José Manuel, e aquilo foi canja ! Voava que era uma maravilha !

Mas nem eu nem o meu genro, percebíamos nada daquilo, e especialmente eu, estava com um medinho dos diabos... Felizmente que o meu genro já tinha voado muito em Angola, de helicoptero de que era mecânico, mas pilotar aquele "aranhiço" era outra coisa !!!

Nós nem sabíamos que para fazer qualquer máquina voadora subir, era necessário meter motor e pensávamos que bastaria aumentar o ângulo de insidência das asas, o que originava de imediato uma perda de velocidade e, certamente uma entrada em perda, sem qualquer controlo...

Aquilo metia-me muito receio, porque estas asas se abrem como um guarda-chuva e elas ficam esticadas, à custa num pequeno trinco ! Se aquilo salta, com a asa em voo, fechando-se a asa, é morte certa... e já não era a primeira vez que isso havia acontecido a outras pessoas... Assim, vai de reforçar este "trinco" !

Assim, vai de correr com a máquina, mas mal aquilo descolava, logo ele aterrava ! Assim andou aos saltinhos de meio metro, mas coragem para ir mais alto...é que nada !

-Oh Jorge, então quando é que tens coragem para ir mais alto ?, perguntava eu. Então já fazes a pista toda pelo ar e aterras lindamente, porque não te "astreves" (como se diz por aqui) a ir mais alto ? - Tenho medo, muito medo de não conseguir fazer a aterragem, por se ter acabado a pista, respondia ele !

Mas certo fim de semana, estava uma tarde lindíssima e ele já tinha feito várias "rapadas" perfeitamente controladas, quando me lembrei de lhe fazer uma partida; iria barrar-lhe o caminho e ele não teria outro remédio que não fosse ganhar altura e passar-me sobre a cabeça, o que veio a acontecer e a partir desse instante, ele ganhou toda a confiança e passou a voar bem por cima dos 5 e 10 e 20 metros, deixando sempre terreno suficiente, para fazer uma aterragem decente, o que sempre conseguia.

Voando cada vez mais alto...

Outro fim de semana, estávamos nós a brincar com a máquina e eu só a ver....quando apareceu da Azambuja, o José Manuel e mais uma data de rapaziada para aprender, mas numa das suas voltas, a sua máquina enguiçou e ele teve de fazer uma aterragem de emergência muito longe da pista, aí uns 1000 metros para o lado.

O Jorge lá continuava sempre com a brisa de frente, nas suas corridas desde o início ao fim da pista, quando eu lhe disse:- Oh pá, vai lá ver o que se passou, para sabermos se temos de lá ir de automovel, ver se alguém se magoou. Ele ficou um tanto amarelo, por saber que iria voar com vento lateral e por trás, situação por que ainda não tinha passado, mas lá entusiasmou e depois de ganhar altura, finalmente, saiu pelo lado da pista e voando a uns 50 ou 60 metros de altura, lá foi e depois voltou e aterrou perfeitamente, informando que não tinha havido azar especial, porque estavam a desenrascar-se.

Tínhamos um novo piloto de asa delta, mas agora em Benavente.

Mas ele queria mais potência disponível, pelo que vai de engenhar outro motor e mais outros, mais hélices e menos hélices. Aquilo estava a prometer, mas as máquinas estavam cada vez mais pesadas, pelo que ele se entusiasmou e foi comprar um motor ROTAX 503, de 40 HP e uma asa Cosmos novinha que foi buscar a França.

Agora, havia que construir uma coisa mais aperfeiçoada, chegando-se a construir 6 triciclos, agora bi-lugar e já se podiam fazer voos muito mais longos e confortáveis. O triciclo abaixo, foi todo feito em tubos de aço inox que eu soldava mesmo aqui na garagem, a electrogéneo, num soldador de construção caseira.

A minha filha que nunca teve medo de nada...passou a andar constantemente com o marido e se deliciava com o voo, muitas vezes até, em Porto Covo, a ir de asa delta para a praia ... perante a admiração e espanto de toda aquela gente.

Também lá, voei com ele sobre aquelas lindíssimas praias e também aterrei na praia, tendo uma vez ficado bastante molhado, porque mal íamos a tocar na areia, vem uma onda espraiar-se na areia dura e ...pimba, rodas na água e tudo encharcado ! Depois de lá estarmos a apanhar uns bons banhos de Sol, voltámos a descolar e ir pousar num pequeno terreno que nos haviam facultado, por estar livre de agricultura.

Infelizmente, uns anos depois, aquele casamento deu o estoiro e o meu genro desapareceu do mapa, constando que havia fugido para Moçambique, cheio de dívidas e por lá morrido.

Assim se acabou a história das asas delta !

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

MANUEL FÉLIX ...... Por João Martinho

« MANUEL FÉLIX »

João Martinho, é um narrador nato de histórias, amigo de há mais de 50 anos. Ele é daquelas pessoas com quem uma pessoa se sente feliz por ter tropeçado na vida. São dele as histórias aqui já publicadas Albertino Manelico, José Rosa e Manuel dos Santos Almeirão. A sua história de hoje, intitulada MANUEL FÉLIX, é mais uma bela prova do seu engenho e arte em descrever pessoas. Tenho o prazer de informar o leitor, que estas memórias irão ser publicados numa obra intitulada "TIOS E TIAS DO ESPINHEIRO" . O Editor
MANUEL FÉLIX

1936-198?


Por
João Martinho

Não há epíteto que melhor defina o estado anímico vivido por este espinheirense, na sua breve passagem pelo espaço terreno, do que a alcunha “O Risota” .


Nasceu na Etiópia , um agregado de casas com paredes de taipa implantado na orla do pinhal que, do Forno Telheiro, se estendia na direcção de sudoeste.


Risota viveu a alegria e a felicidade plena numa espécie de dádiva divina que faria inveja a tantos que, nadando em dinheiro, não encontram, neste mundo, a paz de espírito almejada.


Teve uma vida emoldurada pelo optimismo, encarando as agruras com descontracção e as dificuldades como meros acidentes de percurso, coisas insignificantes, incapazes de bulir com a firmeza do seu intelecto.


Merecia este conterrâneo que a ele fosse atribuído o titulo de decano da risoterapia, pois militou no campo oposto ao masoquismo, aliviando dores alheias, vergando até males físicos e sofrimentos onde a medicina tradicional não entrava.


Sendo filho do Ti Félix e da Ti Gaiata , um casal parco de bens materiais para quem um pedaço de pão duro servia, quanto bastasse, na partilha pela prole e era ponto de partida para o exercício do poder paternal com a correspondente formação baseada no respeito, Risota riu de tudo.


Riu da fome e do frio, da dor e do suor que lhe empapava o rosto na época das cavas e das debulhas. Riu das bicas, na colheita da resina, e riu de toda a gente arrancando gargalhadas por onde passava.



Em criança transpôs para a escola os bons hábitos adquiridos em casa não criando qualquer problema de ordem disciplinar, mostrando docilidade, obediência e receptividade, bendizendo a professora a pureza dos projectos educativos familiares das gentes das aldeias.


De olhos bem abertos, talvez surpreendido com a experiência de socialização a que ia ser sujeito e porque tinha ouvido dizer “muito riso pouco siso” reprimiu quanto lhe foi possível a tendência natural que o caracterizava. .


É claro que a empatia, gerada pelo bom relacionamento, com a professora acabou por permitir o afloramento completo da sua personalidade. Integrou-se nas matérias do currículo escolar e, rapidamente aprendeu a ler .


Um dia, durante uma aula de língua materna pediu-lhe a professora que lesse um texto do livro único adoptado nessa época e que tinha por título “A gatinha e a Boneca “


O Félix atacou com grande volume de voz que ia morrendo no decurso da leitura até emudecer. Estranhou a professora e invectivou-o:


-Anda rapaz..! Continua…!


Contrapunha o aluno:


Não quero….tenho vergonha…..! E.. ria….ria ..em gargalhadas que mais pareciam protestos e lamentos…


Notou a professora que a frase que o Félix evitava era a seguinte:


- Gosto mais da boneca mas não diga nada à bichana .


Indagou e veio a saber que , no Espinheiro , o termo bichana tinha uma conotação sexual e era dado como obsceno.


Risota, desempenhando as funções de coveiro, morreu com quarenta e poucos anos deixando o Espinheiro atónito e consternado. Foi conduzido em ombros à sua última morada onde ficou a perpetuar a máxima de Cícero “mors omnium rerum extremum est” (a morte é o fim de tudo) . Partiu com a espera a que cada um tem direito no chamado transe final.


Rapazes quando eu morrer


Levai-me devagarinho….


À porta do meu amor


Descansai um bocadinho…..……

sábado, 11 de novembro de 2006

A LAGOA DAS SETE CIDADES e outras

« A LAGOA DAS SETE CIDADES E OUTRAS »

Quem nunca foi visitar as ilhas dos Açores, não pode fazer a mais pequena ideia do que aquilo é !

Verdade seja dita que eu só conheci a ilha de S. Miguel, onde nasci em 1927, mas até para os açorianos, não era fácil nem barato, conhecer a ilha toda, até porque ainda são umas léguas de comprimento !...

Para qualquer continental, aquilo é um bocadinho de terra com água por todos os lados, mas pensando em LÉGUAS... já se pode ter uma ideia da sua dimensão !

« As lagoas verde e azul, das Sete Cidades »

Lá em baixo, uma pequena povoação, com o mesmo nome da sua lagoa, lá vive e reza na sua linda igreja, para que aquele Paraíso seja mantido pela Providência.

Nascida de vários vulcões extintos há imensos anos, é composta de enormes crateras onde as nascentes e as chuvas, formam lindíssimos e enormes lagos, repletos de arvoredo luxuriante por todos os lados, reflectindo nas suas límpidas águas doces, toda a vegetação circundante.

« Um recanto da Lagoa das Furnas »

Sendo um micro-clima, as chuvas são tão abundantes, que não se encontra um metro quadrado de terreno sem planas e todas elas viçosas e regadas constantemente por Deus Nosso Senhor. Ali, e dadas as temperaturas tão amenas, tudo se cria na terra, nem que seja nas valetas, facto que obriga a que os cantoneiros, estejam sempre de enxada na mão a limpá-las... Aquilo chega a ter a sua graça, porque é frequente encontrarmos pés de milho com mais de 2 metros de altura, nas valetas...

É por isso que S.Miguel é conhecida pela "Ilha Verde", onde o pó não existe, por mais vento que se levante...e o gado se cria a pastar com um pé amarrado, para se ir alimentando das ervas frescas e que vai "adubando" enquanto anda em círculos com uns 10 metros de diâmetro. Os pastores só têm de lá ir retirar as estacas, de vez enquando, para o mudar de sítio, retirar o seu magnífico leite, de que produzem os belos queijos açorianos, e , ao chegar da noite, o gado ali fica a dormir ao relento, com o seu pêlo malhado de preto e branco brilhante.

Assim, é frequente vermos diariamente cavalos carregados de dois latões a cada lado e o pastor em cima, viajando pelas estradas cobertas de túneis de árvores, onde o Sol mal consegue penetrar.

O clima é pois propício para o desenvolvimento de plantas como o Chá e os ananases, embora estes sejam criados em estufas, o vinho tinto, a groselha, o araçal, os figos, etc.etc.



Numa piscina das Furnas, a água jorra tão quente e sulfurosa, que imensas pessoas de todo o Mundo, lá vão à procura de cura para as suas doenças de ossos, reumatismos e doenças de pele.

Ali mesmo ao lado, um magnífico hotel está à espera destas pessoas que podem gozar de passeios a pé, a toda a hora, por entre aqueles espectaculares e aromáticos jardins.

« O Hotel Terra Nostra, junto da Lagoa das Furnas »

Nenhuma destas belezas se vê, quando se entra em S. Miguel pelo mar, porque tudo está "escondido" no seu interior, mas felizmente que actualmente, em poucos minutos de viagem, de automóvel, as podemos ver e, normalmente em miradouros habilmente escolhidos onde, num repente, se abrem a nossos pés estas imagens poderosas de encanto e surpresa ! Parece que se abre o Céu na nossa frente, e até parece que nos falta o ar ! Como é possível haver tanta beleza, e aqui a uma hora de avião !

Depois podemos viajar até lá abaixo, a mais de 300 metros de profundidade, para apreciarmos de perto aquelas indiscritíveis maravilhas, num ambiente celestial de silêncio, perfume e limpeza !

Mas a ilha "está viva", "respirando" constantemente pelas suas imensas "narinas", onde se pode ver, ali mesmo a nossos pés, água a ferver e gases, o seu hálito especial, a sair das suas profundidades, nas Fumarolas , e tirando os sapatos, podemos sentir que a terra e as ervas estão mornas ! Por baixo de nós, está a terra a ferver, mas ninguém se assusta... Aquilo é mesmo assim, há centenas de anos, e até achamos graça...

A meio metro de profundidade, estrategicamente enfiados pela terra abaixo, os açorianos enfiaram tubos de cimento, cheios de buracos de lado e por onde jorram os violentos "calores" da terra, como maçaricos, e lá se podem colocar panelas com comida que, passada uma meia hora, se apresenta toda cozida e pronta a comer !

Conta-se por lá, com muito gozo, que um cientista estrangeiro, lá foi visitar essas furnas fumarentas e mal sentiu o calor que brotava da terra a seus pés, e o rugido das "narinas" das entranhas da terra, fugiu assustadíssimo, com todo o seu material científico às costas, garantindo que aquilo estava eminente de explodir...

« As "fumarolas" na Lagoa das Furnas »

Esta tremenda agitação vulcânica, deu origem, há uns anos, ao seu aproveitamento, com uma estação geotérmica construída na freguesia da Ribeira Grande, onde S.Miguel aproveita 30% da sua energia eléctrica, com água captada a cerca de 1000 metros de profundidade, à temperatura de 200ºC.

A Central Geotérmica da Ribeira Grande

Um rico inglês que há imensos anos foi visitar estas "Furnas" ficou de tal forma extasiado e fascinado com o clima que lá encontrou, que mandou vir de imensas partes do Mundo, plantas exóticas que lá plantou e, assim, podemos apreciar as luxuriantes plantas do Japão, Indonésia, Brasil, etc.etc. É tudo do que há de mais belo.

Descrever por palavras, esta ilha tão especial, só por Grandes Escritores.

E eu, relembrando tudo isto, penso ter tido a sorte de ter nascido no Céu !

UM LINDO PASSEIO DE CARRO DE BOIS

« UM PASSEIO DE CARRO DE BOIS »

Nos dias de hoje, ninguém pensaria em ir fazer um passeio em carro de bois que se desloca a uma velocidade de dois ou três quilómetros por hora, mas durante imensos anos, era, embora muitíssimo lento, o veículo mais potente para arcar com pesadíssimas cargas ou vencer terrenos e estradas muito inclinadas.

Mas, naquela Primavera de 1937, meu pai nos surpreendeu com a hipótese de irmos todos dar um passeio de carro de bois, à lagoa das SETE CIDADES. Aquilo nos surpreendeu um tanto, porque ele já estava muito doente e até viria a falecer dois anos depois, com somente 45 anos !

Na ponta esquerda do mapa, na seta amarela, fica a freguesia de GINETES onde nos encontrávamos. VARZEA que fica a uns 3 Km de distância, era a terra para onde nos tínhamos de deslocar, antes de ser iniciada a enorme subida da montanha, a cumieira. No mapa, aquela mancha azul, é a lagoa das SETE CIDADES.

Tudo foi preparado nos dias anteriores, até porque o passeio iria demorar o dia inteiro e havia que preparar comida para uma data de gente grande e miúda.

Com os meus 10 anos, meu irmão Carlos Mar com 13 anos, minha irmã Manuela com 11, a Leonor com 9 e a Gabriela com 7 ou 8, todos adorando aventuras pelo campo, aquilo estava a prometer !!!

No dia marcado, fomos todos levantados à força, até porque ainda era quase noite, toca a vestir as roupas de passeio e a tomar o pequeno almoço.

Ainda mal se via, mas vimos chegar o carro de bois que nos iria transportar até à lagoa das SETE CIDADES e vai de ajudar a para lá transportar toda aquela tralha, de cestos e mais cestos, sacos e mais sacos, garrafas de água ...que o agricultor/condutor, em cima do carro, ia arrumando convenientemente, lá na frente.

Dado que nessa época, nem havia água canalizada, o Sr. Manuel, empregado da casa, todos os dias tinha de empurrar uma carrocinha com dois barris de água, com mais de 80 litros cada um, que ia encher numa fonte, ali a uns 200 metros de distância e de volta, tinha de "alombar" com eles e despejá-los num grande depósito de barro que tinha uma torneira em baixo, ou então transportá-los até ao lavadouro da roupa.

Ele também se ocupava de ir buscar a lenha necessária para o grande e negro fogão de ferro da cozinha e até de manter o automóvel Austin-7, adquirido há poucos meses, sempre brilhante.

Assim, não se podia tomar banho geral todos os dias e aquilo era tudo muito economizado...

-O carro de bois trazia duas parelhas de 4 enormes bois que pacientemente, ali estavam à esperar da ordem de marcha, o que veio a acontecer poucos minutos depois, com toda a malta "arrumada" de pé, encostada a uma espécie de cesto de vimes, que só deixava a traseira aberta, onde se assentaram meu pai e minha mãe, com as pernas penduradas do lado de fora do carro. Com aquele cesto dum metro de altura, todos ficávamos só com a cabeça de fora e não havia qualquer possibilidade de lá cairmos para a rua.

Assim, mais parecíamos cachos de uvas num carro de bois nas vindimas do Norte de Portugal...chiando por entre os vales do Douro, carregados de toneladas de uvas...

« Ermida Senhora de Fátima, entre GINETES e VARZEA»

Mas ao fim de um quilómetro, já estávamos todos fartos de lá estarmos "encestados"...e vai de saltar tudo para a rua e correr para todos os lados...

Ainda o Sol não tinha nascido, já estávamos a passar ao lado da linda ermida Nossa Senhora de Fátima, e com todo o Oceano Atlântico à nossa esquerda, a perder de vista !

Mais uns 3 quilómetros à frente, chegámos à VARZEA, de onde se iria começar a enorme subida, encosta acima da cumieira, até ao topo e já com a lagoa à vista, lá a uns 300 metros abaixo, iríamos começar a descida. Quanto mais subíamos, mais a nossa vista abrangia... e os fortes bois, lá iam conseguindo puxar aquele pesado carro por ali acima. Durante as nossas explorações de terreno, lá fomos encontrando nascentes de água muito fresca e pura, que pondo as mãos em concha, íamos bebendo sofregamente.

Com pena do esforço que os animais estavam a fazer, até os meus pais se apearam do carro, que seguia agora e só, com os mantimentos, enquando iam subindo os dois, a pé, sorrindo e conversando, de mãos dadas, talvez comentando as nossas brincalhotices.

Para todos nós, aquilo era uma aventura imensa, porque era a primeira vez que iríamos apreciar a beleza daquela tão falada lagoa, onde tantas vezes meu avô tinha de ir visitar os seus doentes, mas a cavalo, pois o carrinho tinha de ser poupado !

« À vista de tão grande beleza, quase chorámos de alegria »

(Aquilo que estávamos a ver, era um pouco diferente desta imagem, porque estávamos num outro lado, mas desse lado, não tenho fotografia.)

Devido aos arbustos que circundam a enorme cratera, formam-se duas lagoas, em que uma é nitidamente verde e a outra azul. Elas são unidas por um estreito corredor, ficando do lado de lá...o "curral das freiras"...não sei por que diabo era esse nome...

Como o dia estava lindo, coisa um tanto rara nas ilhas, porque tão depressa faz Sol como chove a cântaros...lá fomos passando o tempo correndo e brincando uns com os outros, na melhor galhofada possível ! Na realidade, raramente entrávamos em brigas e nada de queixinhas, porque ainda levávamos algum puxão de orelhas...

Agora, havia que meter a toda a força os travões de sapata àquelas rodas de madeira, chiando que se fartavam ! Por todos os lados havia amoras lindas e muito negras, molhadas pela humidade da noite, e tudo nos servia para as apanhar, comer e guardar. Foi cá uma barrigada das antigas !!!

Assim, rapidamente chegávamos ao povoado e logo de corrida, perante a aflição dos nossos pais, vai de despir e meter os pés dentro de água, e mais qualquer coisa ! Aquilo era tão grande, que mais parecia um mar, mas completamente plano e brilhante, com nenúfares aqui e ali, a boiar à flor da água ! Aquilo era o paraíso !

Algumas mulheres estendiam roupa lavada na lagoa, sobre a relva limpa, para secar ao Sol. O silêncio era tal que quase doía ! A nossa gritaria, repetia-se em eco pelas montanhas e vai de experimentar as vozes que fizessem mais ecos...e ficávamos a rir com aquele olá...olá...olá...

- Hoje, vai-se de automóvel até à borda de água e até se podem visitar miradouros sabiamente escolhidos, como este, de onde um fotógrafo tirou esta espectacular fotografia.

Quando o avião aterra em S.Miguel, é mesmo ali ao pé de Ponta Delgada, onde os taxis nos levam a visitar toda a fabulosa ilha, levando-nos aos miradoiros mais belos, embora só alguns possam ser "descobertos" pelos naturais da ilha, porque se tem de andar uma centena de metros por veredas apertadas, onde um automóvel não pode circular.

Meu primo Eduardo Leça, que foi lá faroleiro na ilha, uma data de anos, teve a gentileza de nos ir mostrar os melhores sítios, quando há poucos anos, em 1988, fui mostrar a "minha" ilha à minha falecida esposa, que havia de falecer em 1991. E ele até nos mostrou as imponentes terras do Nordeste, com as suas matas cerradas e a profundidade enorme e dada a sua grandiosidade, até nos chocava. Aqueles milhões de árvores haviam nascido DENTRO uma das outras, naturalmente e, por isso estavam completamente emaranhadas, e tudo aquilo era verde, muito verde, a mais de 300 metros e profundidade !

« A ESPECTACULAR LAGOA DO FOGO »

E também nos mostrou a LAGOA DO FOGO, também linda de morrer !

Quando chegou o meio da tarde, todos borrados das amoras que havíamos comido, e sujos dos pés à cabeça, lá voltámos para casa, depois de um passeio de carro de bois, que havia de ficar para na minha história.

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

DESCOBRI O PARAISO ...

« DESCOBRI O PARAISO »

A minha "mania" das aventuras, já vem de muito longe, porque meu pai também gostava muito de sair à aventura por qualquer lado. Para tal, minha mãe preparava um belo farnel e vestia-nos roupas que se pudessem sujar à vontade, enquanto meu pai dava voltas às ferramentas necessárias para se poder safar dalgum "enrascanço" proporcionado pelos caminhos de cabras, por onde se aventurava a meter o velho carrão, e até levava uma valente corda, para o caso que ser necessário pedir reboque a alguém...

Meu pai, artista como era, só procurava as delícias do campo.

Quando acabava a passeata, muitas vezes rocambolesca, com o rebentamento de pneus que só meu pai podia substituir, mas às tantas e por vezes, já sem o pneu de reserva, era mesmo ali no campo, que ele o desmontava e pregava um ou mais remendos, coisa que acontecia com frequência naquele tempo, até porque havia pregos por todos os lados e cravos das ferraduras...

Enquanto ele se entretinha a fazer estes trabalhos, nós corríamos brincando por todos os lados, e deixava-mos rolar por qualquer declive mais ou menos acentuado. Aquilo era uma festa !

Uma data de anos depois, comigo já com uns 36 anos, e tendo adquirido um velho carro Ford com motor de 8 cilindros em "V", e que comia gasolina que se fartava... passeando com a família na estrada entre Salvaterra de Magos e Coruche, descobri a indicação duma barragem, mas aquilo só tinha como acesso, pedras e mais pedras, uma coisa horrorosa, mas muito lentamente, lá fomos andando à procura dela.

Ao fim de uns 2 KM, lá estava ela, toda rodeada de árvores por todos os lados, uma lagoa lindíssima ! Aquilo era mesmo "O PARAISO" ! Como era possível que coisa tão linda, tivesse tão difícil acesso ?

Aquilo era realmente um "Paraíso " !

Quando cheguei a casa, e aproveitando o jornal da terra, o "Aurora do Ribatejo", vai de escrever um artigo a tentar alertar as autoridades para uma das coisas mais lindas que havia 100 Km em redor e, para meu espanto, poucos dias depois, vem visitar-me um amigo dos velhos tempos do Sanatório, um tal João Pereira, que havia lido a notícia e me vinha informar de que tinha recebido ordem da Junta Autónoma de Estradas, para ir calcular o quanto custaria alcatroar aqueles 2 Km de estrada e mais, dizendo-me que já tinha na mão todos os cálculos e certamente, que aquilo seria obra para fazer de imediato !. E foi !!!!

Um ou dois meses depois, já se podia lá entrar de automóvel, podendo chegar-se com ele até à borda de água e debaixo das árvores, acampar deliciados. Como a noticia do acesso à barragem, eu havia publicado de imediato, foi uma correria imediata de centenas e centenas de pessoas a lá aparecerem, muitos levando os seus barcos e barquinhos. Nessa altura eu ainda não tinha qualquer barco para lá por na água, mas gozávamos a ver os outros brincar e gozar aquela maravilhosa barragem.

Da esquerda para a direita, meu filho mais velho, minha esposa que sempre se fazia acompanhar dos seus bordados, minha mãe, minha filha e meu filho mais novo.

Assim, a partir dessa altura, milhares de pessoas de todos os lados iam aparecendo aos fins de semana, com os seus farneis e a criançada festejando a sua liberdade, sempre vigiada por perto, não fossem cair dentro de água e afogar-se...

Na realidade, a água vinha até quase aos nossos pés, pelo que toda a criançada se deliciava a tomar banho.

Infelizmente, o povo português daquela época, pouco habituado a estas maravilhas, rapidamente começou a estragar o ambiente, com veraneantes transportados em camionetas, fazendo uma porcaria dos diabos, assando sardinhas nos seus pestilentos fogareiros e deixando o ambiente completamente conspurcado de latas e garrafas, plásticos, espinhas, etc. etc...

Mas como a barragem é muito grande, ali se começaram a fazer corridas de barcos de todos os tipos, o que trazia a reboque muitos milhares de curiosos.

Era pois frequente o vermos por lá os entusiastas pela náutica, Mário Madeira, João Valente e toda a família Raposo de Salvaterra de Magos, de quem nos fizemos muito amigos.

Depois vieram as motas de água, que fazendo uma turbulência dos diabos, até muito perto de terra, obrigavam toda a gente a fugir da borda de água, até que há poucos anos, decidiram fechar o acesso à barragem e aquele "paraiso" acabou por ficar mais ou menos abandonado...

Minha filha em Snype, passeando com uma amiga.

Pouco tempo depois, e já com um barquinho construido em casa, também lá andávamos não só a motor como à vela.

Infelizmente, passado poucos anos, toda aquela água estava infectada por abusivas descargas de pesticidas, e todos estamos à espera de que a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, nos volte a brindar com aquela magia de paisagem...