sexta-feira, 24 de novembro de 2006

SERIA QUE IRIA SER PRESO ??

Quando eu casei, aos 26 anos, estava completamente perdido pela garota ribatejana mais linda que eu havia encontrado, e que me havia de dar a máxima felicidade possível, durante quase 50 anos e mais 3 filhos.

Com esta idade, sente-se que todo o mundo nos sorri pela frente e que, mesmo de algibeira vazia, sempre há espaço para uma boa risada de felicidade...

Naquele tempo, 1952, conseguir comprar um automóvel, era imensamente complicado, porque nem em segunda mão se conseguia, a não ser que estivesse em muito mau estado... No entanto, depois de muito procurar, fui encontrar um velho Ford V8, para duas pessoas, que tinham sido muito usados pela polícia de trânsito uns anos antes, mas que custava 9 contos, o que representava 3 meses de ordenado ! Mas, aos bochechos, lá o adquiri.


A bagageira, onde estava agarrada a roda de reserva, abria-se para fora e dava acesso a dois bancos extras, para quem não se importasse de viajar à chuva !... Aqueles 8 cilindros em "V", mamavam gasolina, que era um disparate e os travões mecânicos, estavam sempre desafinados...

Como eu estava para casar e íamos viver para uma casinha no meio do mato, lá num sítio chamado "Vale de Estacas" que nos emprestava a madrinha de casamento, e como não havia água canalizada, o carrão, carregando um bidão de 100 litros, colocado na traseira, iria ser carregado de água duma nascente ali próximo, com a ajuda de baldes e um funil.

Como não havia por estes lados, qualquer Escola de Condução, uma pessoa ia conduzindo à socapa e depois ia fazer exame a Lisboa. Assim, depois duns milhares de quilómetros feitos, pedi a um amigo encartado que me acompanhasse a Lisboa para o exame, mas o examinador, Sr. Engenheiro, como todo o mundo os chamava, é que ao ver o carro, logo me informou que naquele carro, não faria exame algum !

Mas, talvez com pena de mim, que lhe dizia necessitar da carta urgentemente, porque me iria casar no dia seguinte, e desejava fazer a minha viagem de núpcias, lá me foi dizendo que arranjasse um carro de escola e, foi-se...

Em poucos minutos, estava eu a falar com o Sr. António da Escola, mas ele me dizia que só tinha disponível um velho Austin-7 que ainda por cima, estava sem rodas e em cima de 4 tarolos de madeira... mas vendo a minha aflição, lá mandou colocar as rodas no carrinho e um seu instrutor traz-me o carro até à porta do edifício dos exames, mas quando vou informar o examinador, que já tinha conseguido um carro, logo aí ele me dispara que já não fazia mais exames naquele dia...

-Pior, pensei eu... mas determinado a fazer o exame naquele dia, pedi para falar ao Chefe dos Examinadores e passados alguns minutos, lá me aparece o mal-encarado examinador, muito chateado, com uns papeis debaixo do braço e lá fomos, fazer o exame.

Eu só conhecia, da minha meninice, um carro daqueles, mas mal recebi ordem de marcha, vai de puxar a manete do motor de arranque, que já tinha uns 10 centímetros de fora e nada de ouvir o motor de arranque arrancar... quando ouço o instrutor dizer: -puxe mais... e já com quase um palmo de arame à vista... lá pegou e, olho no espelho, mão de fora e vai disto...

Como o trânsito estava todo muito rápido, e eu não queria empatá-lo, vai de andar à sua velocidade, mas quando uns minutos depois, o examinador me manda parar para sair do carro, o instrutor, que ia atrás, e muito amarelo, me dispara: -o senhor está completamente chumbado !!!! tal foi a velocidade com que andou durante o exame !

Eu nem queria acreditar, pois não sentia ter feito asneira alguma, e como ia todo bem vestido, talvez que o examinador tivesse pensado que eu seria filho de alguém importante, e lá me meteu na mão, a famigerada carta de condução...
E assim, venho eu todo eufórico pela estrada velha, entre Lisboa e Vila Franca de Xira, única que existia, quando me apercebo que mesmo atrás de mim, vinha no seu belo carro descapotável, o Manuel dos Santos, toureiro afamado e que viria a falecer uns anos depois, e que tinha mais ou menos a minha idade. Mas como a estrada era muito sinuosa, sempre que ele me queria ultrapassar, eu chegava-me mais à frente e ele tinha de ficar atrás de mim, embora com cara de quem já não estava a achar graça nenhuma...

Infelizmente, ali mesmo em frente ao Quartel dos Marinheiros, a bicha dos carros na minha frente, estancou abruptamente, mas embora eu tivesse metido travões a fundo e até puxado o travão de mão, iria mesmo bater com certa violência, no carro da minha frente, pelo que optei por fugir da bicha para o lado direito, enfiando pelo portão do quartel da Marinha, sendo de imediato rodeado pela guarda toda armada, aos berros, com as metralhadoras apontadas à minha cabeça...

Aquilo estava ali uma situação trágico-cómica, porque eu não podia ir em frente, para dentro do quartel e, de marcha atrás também não, porque o Manuel dos Santos havia tomado o meu lugar... Aquilo estava a ficar feio e já pensavam em mandar-me prender, mas talvez porque todos tínhamos a mesma idade, e perante a risada à gargalhada dos ocupantes do carro do Manuel dos Santos, até os marinheiros estavam a achar certa graça aquela rocambolesca situação que ainda demorou uns minutos, certamente estando eu com um sorriso muito amarelo, tentando pedir desculpa pela "invasão" intempestiva do Quartel dos Marinheiros.

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