« UM PASSEIO DE CARRO DE BOIS »
Nos dias de hoje, ninguém pensaria em ir fazer um passeio em carro de bois que se desloca a uma velocidade de dois ou três quilómetros por hora, mas durante imensos anos, era, embora muitíssimo lento, o veículo mais potente para arcar com pesadíssimas cargas ou vencer terrenos e estradas muito inclinadas.
Mas, naquela Primavera de 1937, meu pai nos surpreendeu com a hipótese de irmos todos dar um passeio de carro de bois, à lagoa das SETE CIDADES. Aquilo nos surpreendeu um tanto, porque ele já estava muito doente e até viria a falecer dois anos depois, com somente 45 anos !
Na ponta esquerda do mapa, na seta amarela, fica a freguesia de GINETES onde nos encontrávamos. VARZEA que fica a uns 3 Km de distância, era a terra para onde nos tínhamos de deslocar, antes de ser iniciada a enorme subida da montanha, a cumieira. No mapa, aquela mancha azul, é a lagoa das SETE CIDADES.
Tudo foi preparado nos dias anteriores, até porque o passeio iria demorar o dia inteiro e havia que preparar comida para uma data de gente grande e miúda.
Com os meus 10 anos, meu irmão Carlos Mar com 13 anos, minha irmã Manuela com 11, a Leonor com 9 e a Gabriela com 7 ou 8, todos adorando aventuras pelo campo, aquilo estava a prometer !!!
No dia marcado, fomos todos levantados à força, até porque ainda era quase noite, toca a vestir as roupas de passeio e a tomar o pequeno almoço.
Ainda mal se via, mas vimos chegar o carro de bois que nos iria transportar até à lagoa das SETE CIDADES e vai de ajudar a para lá transportar toda aquela tralha, de cestos e mais cestos, sacos e mais sacos, garrafas de água ...que o agricultor/condutor, em cima do carro, ia arrumando convenientemente, lá na frente.
Dado que nessa época, nem havia água canalizada, o Sr. Manuel, empregado da casa, todos os dias tinha de empurrar uma carrocinha com dois barris de água, com mais de 80 litros cada um, que ia encher numa fonte, ali a uns 200 metros de distância e de volta, tinha de "alombar" com eles e despejá-los num grande depósito de barro que tinha uma torneira em baixo, ou então transportá-los até ao lavadouro da roupa.
Ele também se ocupava de ir buscar a lenha necessária para o grande e negro fogão de ferro da cozinha e até de manter o automóvel Austin-7, adquirido há poucos meses, sempre brilhante.
Assim, não se podia tomar banho geral todos os dias e aquilo era tudo muito economizado...
-O carro de bois trazia duas parelhas de 4 enormes bois que pacientemente, ali estavam à esperar da ordem de marcha, o que veio a acontecer poucos minutos depois, com toda a malta "arrumada" de pé, encostada a uma espécie de cesto de vimes, que só deixava a traseira aberta, onde se assentaram meu pai e minha mãe, com as pernas penduradas do lado de fora do carro. Com aquele cesto dum metro de altura, todos ficávamos só com a cabeça de fora e não havia qualquer possibilidade de lá cairmos para a rua.
Assim, mais parecíamos cachos de uvas num carro de bois nas vindimas do Norte de Portugal...chiando por entre os vales do Douro, carregados de toneladas de uvas...
« Ermida Senhora de Fátima, entre GINETES e VARZEA»
Mas ao fim de um quilómetro, já estávamos todos fartos de lá estarmos "encestados"...e vai de saltar tudo para a rua e correr para todos os lados...
Ainda o Sol não tinha nascido, já estávamos a passar ao lado da linda ermida Nossa Senhora de Fátima, e com todo o Oceano Atlântico à nossa esquerda, a perder de vista !
Mais uns 3 quilómetros à frente, chegámos à VARZEA, de onde se iria começar a enorme subida, encosta acima da cumieira, até ao topo e já com a lagoa à vista, lá a uns 300 metros abaixo, iríamos começar a descida. Quanto mais subíamos, mais a nossa vista abrangia... e os fortes bois, lá iam conseguindo puxar aquele pesado carro por ali acima. Durante as nossas explorações de terreno, lá fomos encontrando nascentes de água muito fresca e pura, que pondo as mãos em concha, íamos bebendo sofregamente.
Com pena do esforço que os animais estavam a fazer, até os meus pais se apearam do carro, que seguia agora e só, com os mantimentos, enquando iam subindo os dois, a pé, sorrindo e conversando, de mãos dadas, talvez comentando as nossas brincalhotices.
Para todos nós, aquilo era uma aventura imensa, porque era a primeira vez que iríamos apreciar a beleza daquela tão falada lagoa, onde tantas vezes meu avô tinha de ir visitar os seus doentes, mas a cavalo, pois o carrinho tinha de ser poupado !
« À vista de tão grande beleza, quase chorámos de alegria »
(Aquilo que estávamos a ver, era um pouco diferente desta imagem, porque estávamos num outro lado, mas desse lado, não tenho fotografia.)
Devido aos arbustos que circundam a enorme cratera, formam-se duas lagoas, em que uma é nitidamente verde e a outra azul. Elas são unidas por um estreito corredor, ficando do lado de lá...o "curral das freiras"...não sei por que diabo era esse nome...
Como o dia estava lindo, coisa um tanto rara nas ilhas, porque tão depressa faz Sol como chove a cântaros...lá fomos passando o tempo correndo e brincando uns com os outros, na melhor galhofada possível ! Na realidade, raramente entrávamos em brigas e nada de queixinhas, porque ainda levávamos algum puxão de orelhas...
Agora, havia que meter a toda a força os travões de sapata àquelas rodas de madeira, chiando que se fartavam ! Por todos os lados havia amoras lindas e muito negras, molhadas pela humidade da noite, e tudo nos servia para as apanhar, comer e guardar. Foi cá uma barrigada das antigas !!!
Assim, rapidamente chegávamos ao povoado e logo de corrida, perante a aflição dos nossos pais, vai de despir e meter os pés dentro de água, e mais qualquer coisa ! Aquilo era tão grande, que mais parecia um mar, mas completamente plano e brilhante, com nenúfares aqui e ali, a boiar à flor da água ! Aquilo era o paraíso !
Algumas mulheres estendiam roupa lavada na lagoa, sobre a relva limpa, para secar ao Sol. O silêncio era tal que quase doía ! A nossa gritaria, repetia-se em eco pelas montanhas e vai de experimentar as vozes que fizessem mais ecos...e ficávamos a rir com aquele olá...olá...olá...
- Hoje, vai-se de automóvel até à borda de água e até se podem visitar miradouros sabiamente escolhidos, como este, de onde um fotógrafo tirou esta espectacular fotografia.
Quando o avião aterra em S.Miguel, é mesmo ali ao pé de Ponta Delgada, onde os taxis nos levam a visitar toda a fabulosa ilha, levando-nos aos miradoiros mais belos, embora só alguns possam ser "descobertos" pelos naturais da ilha, porque se tem de andar uma centena de metros por veredas apertadas, onde um automóvel não pode circular.
Meu primo Eduardo Leça, que foi lá faroleiro na ilha, uma data de anos, teve a gentileza de nos ir mostrar os melhores sítios, quando há poucos anos, em 1988, fui mostrar a "minha" ilha à minha falecida esposa, que havia de falecer em 1991. E ele até nos mostrou as imponentes terras do Nordeste, com as suas matas cerradas e a profundidade enorme e dada a sua grandiosidade, até nos chocava. Aqueles milhões de árvores haviam nascido DENTRO uma das outras, naturalmente e, por isso estavam completamente emaranhadas, e tudo aquilo era verde, muito verde, a mais de 300 metros e profundidade !
« A ESPECTACULAR LAGOA DO FOGO »
E também nos mostrou a LAGOA DO FOGO, também linda de morrer !
Quando chegou o meio da tarde, todos borrados das amoras que havíamos comido, e sujos dos pés à cabeça, lá voltámos para casa, depois de um passeio de carro de bois, que havia de ficar para na minha história.
Nos dias de hoje, ninguém pensaria em ir fazer um passeio em carro de bois que se desloca a uma velocidade de dois ou três quilómetros por hora, mas durante imensos anos, era, embora muitíssimo lento, o veículo mais potente para arcar com pesadíssimas cargas ou vencer terrenos e estradas muito inclinadas.
Mas, naquela Primavera de 1937, meu pai nos surpreendeu com a hipótese de irmos todos dar um passeio de carro de bois, à lagoa das SETE CIDADES. Aquilo nos surpreendeu um tanto, porque ele já estava muito doente e até viria a falecer dois anos depois, com somente 45 anos !
Na ponta esquerda do mapa, na seta amarela, fica a freguesia de GINETES onde nos encontrávamos. VARZEA que fica a uns 3 Km de distância, era a terra para onde nos tínhamos de deslocar, antes de ser iniciada a enorme subida da montanha, a cumieira. No mapa, aquela mancha azul, é a lagoa das SETE CIDADES.
Tudo foi preparado nos dias anteriores, até porque o passeio iria demorar o dia inteiro e havia que preparar comida para uma data de gente grande e miúda.
Com os meus 10 anos, meu irmão Carlos Mar com 13 anos, minha irmã Manuela com 11, a Leonor com 9 e a Gabriela com 7 ou 8, todos adorando aventuras pelo campo, aquilo estava a prometer !!!
No dia marcado, fomos todos levantados à força, até porque ainda era quase noite, toca a vestir as roupas de passeio e a tomar o pequeno almoço.
Ainda mal se via, mas vimos chegar o carro de bois que nos iria transportar até à lagoa das SETE CIDADES e vai de ajudar a para lá transportar toda aquela tralha, de cestos e mais cestos, sacos e mais sacos, garrafas de água ...que o agricultor/condutor, em cima do carro, ia arrumando convenientemente, lá na frente.
Dado que nessa época, nem havia água canalizada, o Sr. Manuel, empregado da casa, todos os dias tinha de empurrar uma carrocinha com dois barris de água, com mais de 80 litros cada um, que ia encher numa fonte, ali a uns 200 metros de distância e de volta, tinha de "alombar" com eles e despejá-los num grande depósito de barro que tinha uma torneira em baixo, ou então transportá-los até ao lavadouro da roupa.
Ele também se ocupava de ir buscar a lenha necessária para o grande e negro fogão de ferro da cozinha e até de manter o automóvel Austin-7, adquirido há poucos meses, sempre brilhante.
Assim, não se podia tomar banho geral todos os dias e aquilo era tudo muito economizado...
-O carro de bois trazia duas parelhas de 4 enormes bois que pacientemente, ali estavam à esperar da ordem de marcha, o que veio a acontecer poucos minutos depois, com toda a malta "arrumada" de pé, encostada a uma espécie de cesto de vimes, que só deixava a traseira aberta, onde se assentaram meu pai e minha mãe, com as pernas penduradas do lado de fora do carro. Com aquele cesto dum metro de altura, todos ficávamos só com a cabeça de fora e não havia qualquer possibilidade de lá cairmos para a rua.
Assim, mais parecíamos cachos de uvas num carro de bois nas vindimas do Norte de Portugal...chiando por entre os vales do Douro, carregados de toneladas de uvas...
« Ermida Senhora de Fátima, entre GINETES e VARZEA»
Mas ao fim de um quilómetro, já estávamos todos fartos de lá estarmos "encestados"...e vai de saltar tudo para a rua e correr para todos os lados...
Ainda o Sol não tinha nascido, já estávamos a passar ao lado da linda ermida Nossa Senhora de Fátima, e com todo o Oceano Atlântico à nossa esquerda, a perder de vista !
Mais uns 3 quilómetros à frente, chegámos à VARZEA, de onde se iria começar a enorme subida, encosta acima da cumieira, até ao topo e já com a lagoa à vista, lá a uns 300 metros abaixo, iríamos começar a descida. Quanto mais subíamos, mais a nossa vista abrangia... e os fortes bois, lá iam conseguindo puxar aquele pesado carro por ali acima. Durante as nossas explorações de terreno, lá fomos encontrando nascentes de água muito fresca e pura, que pondo as mãos em concha, íamos bebendo sofregamente.
Com pena do esforço que os animais estavam a fazer, até os meus pais se apearam do carro, que seguia agora e só, com os mantimentos, enquando iam subindo os dois, a pé, sorrindo e conversando, de mãos dadas, talvez comentando as nossas brincalhotices.
Para todos nós, aquilo era uma aventura imensa, porque era a primeira vez que iríamos apreciar a beleza daquela tão falada lagoa, onde tantas vezes meu avô tinha de ir visitar os seus doentes, mas a cavalo, pois o carrinho tinha de ser poupado !
« À vista de tão grande beleza, quase chorámos de alegria »
(Aquilo que estávamos a ver, era um pouco diferente desta imagem, porque estávamos num outro lado, mas desse lado, não tenho fotografia.)
Devido aos arbustos que circundam a enorme cratera, formam-se duas lagoas, em que uma é nitidamente verde e a outra azul. Elas são unidas por um estreito corredor, ficando do lado de lá...o "curral das freiras"...não sei por que diabo era esse nome...
Como o dia estava lindo, coisa um tanto rara nas ilhas, porque tão depressa faz Sol como chove a cântaros...lá fomos passando o tempo correndo e brincando uns com os outros, na melhor galhofada possível ! Na realidade, raramente entrávamos em brigas e nada de queixinhas, porque ainda levávamos algum puxão de orelhas...
Agora, havia que meter a toda a força os travões de sapata àquelas rodas de madeira, chiando que se fartavam ! Por todos os lados havia amoras lindas e muito negras, molhadas pela humidade da noite, e tudo nos servia para as apanhar, comer e guardar. Foi cá uma barrigada das antigas !!!
Assim, rapidamente chegávamos ao povoado e logo de corrida, perante a aflição dos nossos pais, vai de despir e meter os pés dentro de água, e mais qualquer coisa ! Aquilo era tão grande, que mais parecia um mar, mas completamente plano e brilhante, com nenúfares aqui e ali, a boiar à flor da água ! Aquilo era o paraíso !
Algumas mulheres estendiam roupa lavada na lagoa, sobre a relva limpa, para secar ao Sol. O silêncio era tal que quase doía ! A nossa gritaria, repetia-se em eco pelas montanhas e vai de experimentar as vozes que fizessem mais ecos...e ficávamos a rir com aquele olá...olá...olá...
- Hoje, vai-se de automóvel até à borda de água e até se podem visitar miradouros sabiamente escolhidos, como este, de onde um fotógrafo tirou esta espectacular fotografia.
Quando o avião aterra em S.Miguel, é mesmo ali ao pé de Ponta Delgada, onde os taxis nos levam a visitar toda a fabulosa ilha, levando-nos aos miradoiros mais belos, embora só alguns possam ser "descobertos" pelos naturais da ilha, porque se tem de andar uma centena de metros por veredas apertadas, onde um automóvel não pode circular.
Meu primo Eduardo Leça, que foi lá faroleiro na ilha, uma data de anos, teve a gentileza de nos ir mostrar os melhores sítios, quando há poucos anos, em 1988, fui mostrar a "minha" ilha à minha falecida esposa, que havia de falecer em 1991. E ele até nos mostrou as imponentes terras do Nordeste, com as suas matas cerradas e a profundidade enorme e dada a sua grandiosidade, até nos chocava. Aqueles milhões de árvores haviam nascido DENTRO uma das outras, naturalmente e, por isso estavam completamente emaranhadas, e tudo aquilo era verde, muito verde, a mais de 300 metros e profundidade !
« A ESPECTACULAR LAGOA DO FOGO »
E também nos mostrou a LAGOA DO FOGO, também linda de morrer !
Quando chegou o meio da tarde, todos borrados das amoras que havíamos comido, e sujos dos pés à cabeça, lá voltámos para casa, depois de um passeio de carro de bois, que havia de ficar para na minha história.
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