quarta-feira, 1 de novembro de 2006

ALBERTINO MANELICO (por João Vitalino Martinho)

Uma das possibilidades que mais me encantam, nos BLOGS, é a possibilidade de poder inserir um escrito de um amigo. Assim, e pela primeira vez, vou ter o prazer de inserir um pequeno artigo de um amigo de há mais de 50 anos, que muito gosto de ler. Observador atento do mundo que o rodeia e tendo uma escrita deliciosa, tenho a honra de o poder acompanhar desde há muito na sua carreira de Professor, locutor de radio, articulista, etc.etc. É pois mais um Homem que vale a pena conhecer.

Eis o descrito por João Martinho

Albertino Manelico

Mal o sol se punha para as bandas do Carrapato,arrancando figuras fantasmagóricas nas sombras que bordejavam os caminhos, Ti Albertino, verificada a onça de tabaco e demais pertences guardados nos bolso do colete de cotim,ajeitava o barrete e entrava no palheiro iniciando um monólogo com o macho:


- Ó pancrácio prepara-te que vamos ao passeio…..não gostas muito dos ares do mar….mas é a vida….tem que ser…..


E, enquanto chupava a beata fazendo luzir a centelha na semi- obscuridade,


iniciava aquela espécie de ritual da partida. Primeiro punha um litro de favas na manjedoura e enquanto o animal, sossegadamente, fazia estalar nas maxilas as leguminosas que lhe haviam de assegurar um mínimo de força para o início da viagem, Ti Albertino punha-lhe os arreios, esticava a cilha e colocava-lhe no dorso os odres de azeite ocultos pelo jaleco coçado.


Mais um balde de água porque a ração o exigia e o macho, depois de beber tranquilamente, resfolegava ruidosamente como se desse sinal de prontidão.


- Vamos lá e não te ponhas com felestrias ….olha que no mais tardar temos que lá tar à uma da manhen…….


E lá partiam. Desciam a cumeira, ponto alto da aldeia, na direcção de Alcanede,,sempre a atalhar, isto é encurtando o mais possível o caminho que, bem depressa estaria envolvido pelo negrume da noite. Aos poucos a silhueta de Ti Albertino levando o macho à arreata desvanecia-se a lembrar o esboço dum quadro de pintor. Para vencer o tédio da jornada falava para o animal:


-Ó pancrácio vê lá se gostas desta……(e cantava)



A criada da patroa ..pum ..!


Não me disse quando vinha…pum..!


Vinha no sábado à tarde…pum..!


Ou no domingo à tardinha…pum..!



- Gostaste …? Agora vou cantar outra pra escolheres a melhor…....



A mulher pra ser bonita


Tem que ter o cu de pau,


A barriga de mantêga


E as mamas de bacalhau…



E para matar tempo Ti Albertino lá ia cantarolando e praguejando se algum acidente do percurso lhe dificultava a marcha:


--Raios partam tanta pedra e tanto buraco…..tanta silva e tanto carrasco……!


A jornada ia ser duríssima…Peniche estava a mais de 12 léguas bem contadas em linha recta….!


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Mal os alvores da madrugada (barbas de gato) anunciavam a aproximação dum novo dia e os galos começavam a cantar acordando os mais sonolentos,ouvia-se ao longe o som dum búzio vindo dos lados da Várzea. um vale que dá acesso ao Espinheiro por noroeste. Aquele som entrecortado e modulado pelo vento tinha algo de lúgubre ecoando pelas encostas:



Tuuuu….! Tuuuu…1 Tutuuuuu….!


Ti Albertino regressava mais uma vez com as caixas de sardinhas que trocara pelo azeite. Cansado mas firme como uma verga de aço, pernas curvas rematadas por umas botas ferradas que mandara fazer na oficina do Jaquim Ferrêro , entrava pelas Casas de Além para iniciar a venda.


Não tinha à sua espera as palmas duma multidão entusiasmada nem as precipitadas intervenções da imprensa sempre ávida de acontecimentos invulgares,contudo acabava de realizar o impressionante corta-mato nocturno num percurso continuado de mais de
120 km em 12 horas,cometimento que realizava semanalmente ,sem concorrência de qualquer atrevido.


Conta-se que alguém ,um dia, lhe narrou a história passada no ano 490 antes de Cristo


do soldado grego Fidípedes que correu 40 km para ir anunciar em Atenas a vitória da Maratona após o que caiu fulminado


Ti Albertino ficou pensativo…e comentou:


-Mas isso foi de noite ou foi de dia …? Mal empregado rapaz…!

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