domingo, 31 de dezembro de 2006

A PAIXÃO PELAS MÀQUINAS

Quando eu nasci em 1927, muitas vezes estava no colo da minha mãe, a mamar, enquanto ao seu lado, uma senhora de nome Perpétua, estava agarrada a uma máquina de costura que funcionava horas e horas, e até vários dias por semana, a costurar as muitas roupas de toda a gente da casa.

A Singer embonecava imenso as máquinas.
Assim, a primeira máquina que eu ouvi a fazer aquele tri tri tric, foi aquela Singer, porque naquela época, não havia roupa feita à venda, e toda tinha de ser construída pelas pessoas habilidosas. Esta senhora Perpétua, era uma delas, mas uns anos depois, quando eu já tinha 5 e 6 anos, tinha de ali estar em frente da costureira, enquanto ela me fazia as provas, coisa que eu muito detestava, porque ela tinha muito mau hálito e aquilo me impressionava bastante...estando sempre a voltar a cabeça para o lado, e ela, que queria ver se os colarinhos assentavam bem, lá me fazia rodar a cabeça, ficando eu com o meu nariz, mesmo ali à frente da sua boca !!!




Desta época, só possuo esta imagem já aparecida em outros artigos.



Assim, enquanto a minha mãe vinha pondo no mundo os seus 5 filhos, todos nós tínhamos de passar por aquele sacrifício... mas às tantas, a máquina enguiçava nas cozeduras mais duras de furar e, às vezes, lá se partia a agulha e nem sempre a D.Perpétua ou a minha mãe, a conseguia voltar a por a funcionar, pelo que havia que esperar a vinda de meu avô, que sendo médico, raramente estava disponível.

Mas quando ele chegava e ia "desenrascar" a máquina, eu ali estava de olhos bem abertos, a seguir a passo a passo, todas as suas manobras com toda a atenção. Eu bem via que aquelas "reparações" não agradavam mesmo nada a meu avô, que tinha de estar sempre extremamente limpo e aquilo sempre lhe sujava as mãos, mas não havia mais ninguém que fosse capaz de realizar aquele trabalho e o raio da máquina, estava sempre a ser necessária !

Até parecia que aquela máquina, era a coisa mais importante que existia lá em casa e nenhum de nós, os garotos, dela nos podíamos aproximar, quanto menos tocar ! Aquilo era uma máquina perigosissima !

Mas um dia, estava eu com uns 7 ou 8 anos, e tendo acompanhado meu avô numa das suas muitas consultas médicas e, fui descobrir que em muitas casas, havia uma máquina de costura, normalmente muito suja e maltratada, ali a um canto, mais ou menos abandonada e lá me aventurei a perguntar se a podia limpar, enquanto meu avô fazia as suas consultas.

Eles estranhavam que um miúdo de tão tenra idade, fosse capaz de o fazer, mas muito amavelmente lá mo permitiam e arranjavam uma latinha com petróleo, um pincel, óleo e uns trapos velhos, para eu fazer aquele trabalho.

Como eu já havia visto muitas vezes, meu avô fazer aquele trabalho, tirava a correia que ia para os pedais e punha a máquina de pernas ao ar, para ter acesso ao seu interior, e lá ia repetindo as manobras já conhecidas, deixando aquilo tudo a brilhar ! Desmontava a caixa da lançadeira e limpava a poeirada toda que lá se havia agarrado, bem como as alavancas do sobe e desce da agulha, aproveitando para lubrificar todos as peças que se movimentavam e sempre me parecia que já não levavam lubrificação há muitos anos...

Aquilo tinha de ser um trabalho muito rápido, porque o meu avô podia acabar a consulta rapidamente e eu não queria deixar o trabalho a meio...o que para mim, seria uma vergonha e frustração...

Passados estes setenta e tal anos, julgo que ele demorava mais do que o suficiente, as suas consultas, só para que eu pudesse realizar e aprender melhor como aquilo se fazia, até porque, como já referi, na nossa máquina lá de casa, ninguém deixava por a mão... Além disso, ele se escaparia aos sujos trabalhos na máquina da minha mãe e eu ganharia em experiência. Ele era muito meu amigo e eu me sentia imensamente feliz por ele me prestar atenção, sempre que tinha um momento de pausa, assentando-me ao seu colo e ensinando-me a ler correctamente, respirando fundo nas vírgulas...para conseguir ler o período, sem parar por falta de ar...

Sempre que eu deixava a máquina a funcionar bem e comprovava o seu funcionamento, observando os pontos por baixo e por cima dos cozidos, era certo e sabido que me vinham oferecer um cabaz de fruta ou algum franguinho para o meu almoço...depois de verem e ouvirem a máquina a funcionar muito mais silenciosa.

Algumas pessoas, talvez por amabilidade, até acrescentavam que a máquina estava melhor do que em nova !





Esta era exactamente a máquina lá de casa.





Desta "odisseia", minha mãe teve conhecimento, até porque estranhava o aparecimento dos cabazes de fruta e um dia, em que a sua máquina enguiçou e nem para a frente nem para trás andava, e vendo-me ali ao perto, desejoso de lhe por as mãos, e sabendo que meu avô só estaria em casa, daí a horas, lá arriscou o perguntar-me se eu sabia resolver aquele problema... Ela já devia ter conhecimento das minhas "reparações" fora de casa, até porque muitas vezes apareciam pessoas a entregar bolos e doces, especialmente destinados ao "menino Mário"...

Ainda me lembro da alegria que senti, finalmente, por ela me ir deixar tocar na sua máquina, mas como para aqueles trabalhos, ela não se sentia nada vocacionada, nem a costureira, lá me deixou avançar e passados poucos minutos, eu já havia desencravado a agulha partida e entalada no berço da lançadeira, pondo-a a funcionar ! Ainda fiquei uns instantes, a ver se ela ao menos, me dava um beijo, mas havia tanto trabalho à espera da máquina, que lá me mandou ir brincar lá para fora, para a rua. Ela não era muito dada a meiguices nem carinhos e era mais fácil sair dali um puxão de orelhas, do que beijos... mas eu nunca lhe levei a mal isso, pois ela não parava o dia inteiro a acudir aos 5 filhos e a todos os "adeveres" duma mãe de família.


Minha mãe era realmente bonita mas pouco dada a meiguices...

Toda ela era sentimento para a música de piano, que tocava primorosamente e lhe exigia várias horas de treino por dia. Assim, a presença dos filhotes, só lhe complicava a vida...

Naquela época, eu gostava era muito de carrinhos e camionetas de carga, que a minha mãe e meu avô iam construir no sótão, à porta fechada, usando as caixas dos charutos que meu avô fumava, e me apareciam aos pés da árvore de Natal. Assim, aqueles brinquedos fabricados por eles, tinham de ser muito bem conservados e admirados.

Depois da minha mãe me ter concedido autorização para por a trabalhar a máquina de costura, muito me entretinha eu a fazer minúsculos sacos que ia encher de areia, para os poder transportar nos meus carrinhos e aproveitava para cozer os vestidos das bonecas das minhas irmãs, dado que elas não podiam nem tocar naquela máquina.

PS. Muito grato aos meus amigos Silvio Leiria, e António Sebastião, por me terem conseguido as belas fotos da máquina Singer

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Ti Custodica..............Por João Vitalino Martinho

Pelas mãos do meu amigo e professor João Martinho, aqui vai mais uma sua história das gentes e costumes do Espinheiro, terra ribatejana, que ele muito admira, e com tanta graça descreve, aproveitando para nos presentear com interessantes ensinamentos.
O Editor
Custódia Jesus Duarte
16-10-1909 12-02-2003


Custódia Duarte..?! Não sabemos quem é….Assim responderia qualquer espinheirense se fosse interrogado sobre a existência de tal patronímio…Custodica sim,,,Ti Custodica está bem guardada no coração de amigos e vizinhos que através do diminutivo demonstraram o carinho com que a distinguiram,.

Custodica era nome que não tinha conotação com a estatura física. À primeira vista dir-se-ia traduzir uma minimização da figura o que não é verdade.

Ti Custodica atirava mais para o alto que para a média corporal.

Na sua condição de mulher simples mostrava majestade no porte e bonomia no olhar. Mas o que mais aflorou nas suas vivências foi a simpatia que irradiava dum rosto a lembrar uma matrona romana.

Porquê romana….? Não descendemos nós duma mescla galaico-celta,luso-romano-africana com cromossomas russos,germanos e mongóis e ainda com afluxos franceses,flamengos,ingleses,coloneses e burguinhões..?

Fixando-se o olhar em ti Custodica, ainda hoje a sua foto traz à memória Marco Aurélio,imperador romano do ano 161 ao ano 180 que analisando o caso de Aelius Priscus,louco que matou sua mãe,entendeu aplicar-lhe a pena de custódia,expressando claramente a sua intenção de castigo e protecção.( direito romano)
Custódia, significa desde esses tempos, guarda….protecção.

No rito cristão é o sacrário ou o relicário onde se guarda ou expõe a hóstia consagrada..

Ti Custodica,pelas cores negras com que se vestia e tapava a cabeça,por muitos hábitos tradicionais com que enfeitou a sua existência,coloca ainda hoje os mais incautos na encruzilhada da cultura judaico-cristã .

E se custódia é guarda e repositório,ti Custodica guardou muitas reminiscências culturais entre elas a arte de cozinhar o prato típico do Espinheiro que foi conhecido por quinhão de sangue e que não é mais mais do que um outro nominativo de sarapatel tão vulgarizado na comunidade judaica.

Historiando um pouco :

A Páscoa hebraica ou pesack significa “ passagem “ e foi instituída há mais de 3000 anos para comemorar um facto extraordinário que permitiu a saída do povo hebreu do Egipto onde era escravizado. Os faraós obrigavam os hebreus a fazer os trabalhos mais rudes e por isso se opunham à sua saída.

Então o Senhor mandou um anjo liquidar os filhos mais velhos das famílias egípcias avisando o povo hebreu de que devia assinalar as suas portas com sangue de carneiro afim de ser evitado qualquer lapso identificativo.

Daí nasceu uma liturgia do signo (sinal) carneiro que é anterior ao signo dos peixes adoptado pelos cristãos. Se bem que, presentemente,haja uma simbiose de costumes a verdade é que sarapatel é um coziinhado festivo e comemorativo com base no sangue de carneiro a relembrar a libertação dos judeus.

No Espinheiro as grandes festividades nas quais se incluem os casamentos em que havia uma espécie de reencontro da comunidade sempre foi obrigatório o quinhão de sangue prato delicioso e genuíno que é uma espécie de ensopado de pão de trigo com o sangue e as víscera de borrego.

Ti Custodica,honra lhe seja feita, foi uma indefectível defensora da tradição,não se deixando influenciar por alterações introduzidas a esmo que desvirtuaram a verdade .Mas não foi só a Curtodica a permanecer firme.Toda a população espinheirense continua determinada a manter hábitos oriundos dos 11 vizinhos que povoavam o Espinheiro no reinado de D.João III.

Sirvamo-nos das História para se entender esta impenetrabilidade a influências indesejáveis:

Pelo decreto régio de Alhambra promulgado em 1492 pelos reis católicos de Espanha foram expulsos os judeus daquele país tendo-se fixado na zona raiana de Portugal. Esta expulsão foi uma cedência ao mais abjecto movimento segregacionista de que há memória-a monstruosa inquisição que cometeu os mais horrosos crimes em nome de Cristo e dos quais,Sua Santidade o papa Paulo II pediu desculpa ao mundo num louvável esforço para redimir a igreja católica.


Aliás, como contributo para uma explicação simplista, atente-se que na história da existência humana ,para se atingirem determinados fins, sempre foram aproveitados políticas e credos ,muitas vezes ou quase sempre, sem quaisquer convicções ditadas por razões de consciência ou de intelecto.

Continua a acreditar-se que tomando partido se adquirem posições privilegiadas na ultrapassagem do semelhante e na disputa de regalias acima do comum. A realeza foi quem mais ,prodigamente, se aproveitou de embustes e falsidades para atingir os seus desígnios.

Em conformidade, os reis católicos de Espanha ,tendo em vista a consolidação do poder absoluto e a garantia da protecção papal ,forjaram o decreto de Alhambra que lhes permitiu a expulsão dos judeus em 1492,os quais se refugiaram, em massa.,em toda a zona raiana de Portugal. O nosso rei D. Manuel I ,propondo casamento à princesa primogénita daqueles monarcas teve que aceitar ,como condição, a expulsão de todos os judeus que se tinham refugiado no nosso reino. Porém, foi permitida a permanência apenas aos que concordassem em se baptizar passando a ser conhecidos por cristãos novos. Mas porque o êxodo foi grande e a sangria de capitais, maior, logo o rei proibiu em 1499 a sua saída de Portugal.. Entretanto em 1531,o papa Clemente VII cedendo ao apelo do nosso “piedoso “ rei D.João III,nomeou um inquisidor mor e,em 1536 autorizou a instalação dum tribunal do Santo Ofício,o mais abjecto e horroroso instrumento de repressão que envergonha o mundo católico o que levou o papa Paulo II a pedir perdão pelo execrando holocausto que só na Europa vitimou mais de cinquenta mil sentenciados.

Não surpreende pois que os cristãos novos ,receosos das torturas e da execução pelo povo tivessem adoptado comportamentos susceptíveis de evitar as suspeitas dos esbirros e bufos da época. Assim, o sarapatel cozinhado com as vísceras de carneiro passou a ser cozinhado com carne de porco, animal proscrito pelo Torá se bem que, secretamente seguissem as leis do Kashrut (o que é permitido comer).
No Espinheiro, até há décadas atrás ,se bem que num aspecto meramente especulativo, confrontavam-se duas realidades bem distintas a saber:

O açougue fornecia carne de carneiro e respectivas vísceras, com acentuado consumo na época pascal.

Acompanhando a carne de carneiro os consumidores levavam para casa o quinhão de sangue que ,objectivamente, eram pedaços de sangue cozido colhido do animal abatido.

Segundo a Mishnah (tradição judaica) e o Tref(alimentação) não era permitido aos judeus comer sangue, ainda que , minimamente fazendo parte da carne a consumir a qual era lavada cuidadosamente até ficar completamente limpa.

Parece pois que os vizinhos do Espinheiro dos tempos do “Piedoso” usaram o quinhão de sangue como credencial identificativa da sua condição anti judaica o que pode não condizer com a realidade. Como se depreende ,portas a dentro, cada um cozinhava como queria e como podia..Cabe aqui aduzir que a matança do cordeiro pela Páscoa tinha e tem para os judeus um duplo significado. Se por um lado é um acto comemorativo da sua libertação ,é por outro uma afirmação de desprezo para com o povo egípcio que concedia honras de adoração ao carneiro.

Ora Ti Custodica , não ficou alheia à miscigenação cultural que definiu durante cinco séculos o povo judaico- cristão que somos hoje com plena liberdade religiosa. Enquanto viveu cozinhou a própria miscigenação traduzida no mais delicioso prato do Espinheiro que ,ressuscitado (o prato) é um esplêndido ensopado de carneiro onde não falta o tão cobiçado sangue e as batatinhas alegradas pelos sabores da hortelã e dos cominhos..

Que se saiba não houve judeus no Espinheiro.. mas,,,cristãos novos …… é de crer que sim.

Na antroponímia ainda hoje existem apelidos bem significativos. Ainda há quem não goste de ver o pão com o lar voltado para cima e o beije se ,por acaso, cai no chão. Há ainda mulheres que cobrem a cabeça nos ofícios fúnebres e religiosos. Há ainda noivas que usam véu no dia do casamento.

Há ainda gente que evita pisar uma sepultura...Que lança um punhado de terra sobre um caixão…Que perpetua os seus mortos através de expressões gravadas nas pedras tumulares…que veste de negro em sinal de luto…tudo costumes judaicos ….Que ajoelha diante dum crucifixo em que se lê a inscrição I N R I iniciais da expressão latina IESU NAZARENUS REX IUDEORUM (Jesus Nazareno Rei dos Judeus )

Finalmente fixando a imagem da Ti Custodica agradecemos a sua expressão de bonomia e de perdão…Relembrá-la é a mais comovente homenagem que se lhe pode prestar…….

sábado, 9 de dezembro de 2006

A MAGIA DAS ONDAS DE RÁDIO

Quando em 1989, estive a tentar fazer um circuito sintónico paralelo para tentar resolver um problema de antenas, estava muito longe de vir a descobrir uma coisa muito eficiente no tratamento de dores e outros sintomas no corpo humano.

Era uma ideia original, pois se aproveitava a capacidade existente entre as duas faces duma placa de circuito impresso, e num dos lados da mesma placa, podia desenhar uma bobine espalmada, em espiral. Não havia, assim, qualquer outro elemento.

Mas primeiro que conseguisse fazer esta placa, tive de consumir uma data de placas de circuito impresso e fazer mil correcções da capacidade, até a levar à ressonância do 7 MHz, frequência em que a desejava ressonante, para poder usar o meu emissor de ondas curtas, das comunicações.

Sendo um circuito de muito alta impedância, eu teria de acertar com a espira que me apresentasse uma impedância perto dos 50 Ohm e, para tal, a placa teria de estar longe de qualquer coisa que interferisse com a sua ressonância e assim, pousei-a sobre uma perna, mas quando me estava a aproximar da impedância correcta, a perna começava a aquecer... e até mesmo uma potência de 5 Watt, já era suficiente para deixar a perna morna... E mais, a pressão dela sobre a perna, fazia variar a ressonância, certamente por encontrar a corrente sanguínea e carne, por baixo.

Aquilo parecia-me magia, pois eu já sabia que as Ondas Curtas usadas em diatermia clínica, eram feitas com emissores de potência superior a 100W !

Na verdade, desde criança que sempre senti muita atracção pela medicina...

Nesse dia e há já vários dias, eu estava a sentir umas dores muito fortes no pescoço, um torcicolo, nas vértebras cervicais e, mal o podia rodar à esquerda ou à direita, pelo que pensei "será que este morninho me pode aliviar estas dores ?".

De imediato, enfiei-a numa carteira de plástico, das usadas nos livros de cheques, para a isolar da pele, e enfiei-a entre o pescoço e o colarinho, puxando mais ou menos pelos bicos do colarinho da camisa, para conseguir pô-la em ressonância, o que estava a vigiar por um Medidor de Ondas Estacionárias.

Mas ao fim de 5 minutos, já farto daquela posição, e pensando que seria impossível obter qualquer efeito benéfico, retirei-a, mas de imediato constatei que as dores haviam desaparecido por completo ! Aquilo só poderia ser MAGIA !

Como a minha esposa já estava há semanas com dores na zona sacro-iliaca, chamei-a para experimentar nela a "plaquinha mágica" e ao fim de 15 minutos, ela se manifestou eufórica, porque também lhe tinham desaparecido as dores e já podia dobrar a coluna até tocar com as mãos no chão, sem que elas voltassem...

Outra vez "magia "! Aquilo era "bom demais" para ser guardado em silêncio...

Falando do caso pela rádio, com outros colegas, foi tal o entusiasmo gerado e interesse de possuir uma daquelas placas, que acabei por ter de construir umas centenas e observar os seus resultados, diariamente, entre as comunicações entre eles. Não se falava de outra coisa e toda a gente se sentia eufórica !

A partir dessa altura, eu passei a ser uma espécie de Dr. via rádio, e imensas foram as "consultas" de pessoas de todo o país, desejosas de experimentar a plaquinha, nas mais diversas circunstâncias, para mim totalmente desconhecidas, algumas, mas como a potência usada era muito reduzida, nada me indicava que pudesse ter qualquer contra-indicação, o que até hoje se tem mantido.

Aquilo tinha um efeito de antibiótico local e em profundidade !

- Assim, um dia, aparece-me em casa uma senhora amiga, conhecedora das minhas actividades com as electrónicas, com um livro debaixo do braço e a dizer-me que eles indicavam como benéfica, a aplicação de Ondas de Rádio nas sinusites e como há muito ela estava a padecer disso, vinha perguntar-me se eu poderia experimentar essas ondas na testa dela, o que de imediato foi feito, aplicando a placa sobre a testa.

No dia seguinte, ela voltou para mais uma sessão, mas dizendo que já se sentia perfeitamente bem e talvez nem necessitasse de mais, mas mesmo assim, levou uma segunda sessão, e até hoje, passados vários anos, nunca mais se queixou...

- Há cerca de 4 anos, vim a conhecer um dentista que era casado com uma médica e se estava também a queixar do tremendo incómodo duma sinusite e, perante a minha informação de que talvez a conseguisse tirar em duas sessões de radiofrequência, ele e a esposa, muito admirados, aceitou e veio até à minha casa, trazendo um filhote de 6 anos que logo verifiquei estar com grande dificuldade em respirar. A doutora até me mostrou uma "bomba" que há muito tinha de usar, sempre que lhe vinham as crises de falta de ar, e dizendo-me que muitas vezes o tinham de levar de urgência a um hospital, para lhe ser dado oxigénio, e aí eu perguntei-lhe se poderia auscultar o miúdo.

" Mas o Sr. também sabe auscultar ?", perguntou-me ela muito admirada, com a testa toda enrugada...mas como eu tinha à mão um estetoscópio que usava para as medidas da tensão arterial, logo constatei que o pulmão esquerdo do miúdo, estava parado e silencioso. A Drª. pegou no estetoscópio e, amargurada, confirmou. A meu ver, devia de haver uma pleurisia e a radiofrequência sempre se me havia mostrado como redutora da aglomeração de líquidos, passando-os para a corrente sanguínea, de volta.

" A senhora permite-me que experimente 2 minutos de RF a 5W ?", perguntei-lhe eu, ao que ela respondeu não ver qualquer problema em experimentar e assim fiz. Eu havia seleccionado tão curto tempo, por ser o miúdo muito magro e deveria ser muito "transparente" à radiofrequência...

No dia seguinte eles voltaram os três, para a segunda e última sessão à sinusite e fui verificar que o miúdo já estava a respirar lindamente no pulmão esquerdo, talvez uns 90% do lado que na véspera estava silencioso e perguntei como tinha ele passado a noite e o dia, tendo-me a Drª. informado de que o miúdo há 24 horas que não havia mostrado qualquer dificuldade em respirar nem tinha pedido a "bomba", e dormido lindamente, tendo levado o dia a correr pela casa, coisa que na véspera, nem por sombras poderia ter feito...

Depois perdi-lhes o rasto e sem saber como contactá-los, para saber do miúdo, fiquei à espera 4 anos, até que por acaso, encontrei a Drª que logo me informou que desde aquele tratamento, 4 anos antes, nunca mais o garoto havia tido falta de ar e se tinha tornado até um desportista na escola e criança extremamente alegre e bom aluno em todas as matérias.

Aquela criança enfezada e cheia de medo das crises de faltas de ar, havia-se tornado num jovem cheio de vida.

«Como radioamador desde 1949, com indicativo CT1DT, e por causa dessa actividade, profissional de rádio a partir de 1951, eu não tinha qualquer dificuldade em estudar e construir certos circuitos electrónicos.

O pequeno gerador de radiofrequência mostrado à esquerda, e de construção caseira, passou a estar activo em imensas situações clínicas.

- Aqui há um ano, uma médica muito linda e nova, estava de baixa, porque tinha tão intensas dores no dedo polegar da mão direita, que nem podia agarrar uma caneta. Um dos meus filhos, que a conhecia, perguntou-lhe se ela não gostaria de experimentar umas Ondas de rádio que o pai estava a usar desde há anos com sucesso e, passados alguns minutos ela cá me aparece. Eu estava a sentir-me mesmo envergonhado de ter de ir fazer uma "consulta" a uma médica, mas além duma sessão de ondas curtas ainda lhe apliquei uma dose de somente 5 segundos de Raio-X pulsante, chamado "mole", com um velho aparelho de raios-x que possuo, e fiquei à espera que ela me voltasse a aparecer no dia seguinte, para fazer mais umas sessões, mas isso não aconteceu ! Ela tinha cá vindo numa sexta feira e tendo encontrado meu filho uns dias depois, perguntei-lhe: "Então a doutora não volta para fazer mais umas sessões ?", mas ele logo acrescentou que, não só ela não voltava mais, e até tinha ido fazer ski no Algarve, no Sábado e Domingo e pedido alta na segunda feira seguinte, por lhe terem desaparecido por completo as dores...

-Um ano depois, tive necessidade dum atestado médico, por causa da carta de condução e lembrei-me de a ir consultar, tendo sido extremamente bem atendido !

No fim da consulta, agarrei a carteira para retirar o dinheiro, e ao perguntar à enfermeira pelo preço da consulta, logo tive a surpresa de receber a informação de que aquela consulta era grátis...

Na verdade eu até me havia esquecido da "consulta" que lhe tinha feito um ano atrás mas...ela é que não se havia esquecido !!!!

Escrito por Engenhocando em 2006/12/09 às 10:47:23

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

NO CENTRO DAS FESTAS

Há pessoas que, sem se darem por isso, se vão tornando o Centro das Festas, e desde jovens até à idade muito avançada.

Minha avó Leonor Ferraz Leça, foi uma delas.

Nascida e criada até se casar na ilha da Madeira, ela foi um marco importante entre os indígenas madeirenses, pois a Ilha da Madeira, no tempo da sua mocidade, era um refúgio muito importante para os ingleses que sofriam de problemas graves pulmonares e o seu doce clima, era conhecido por muito favorável ao seu tratamento. Eles para lá iam anos e anos e tinham necessidade de dar educação aos seus filhos, tendo encontrado na minha avó, uma excelente companhia, pois ela era de fino trato e aproveitou o muito ter de falar inglês com aquelas jovens e pais, que se tornou exímia em inglês e francês.

A imensa família Ferraz, era e ainda é, uma das mais conhecidas e admiradas por imensos factos até históricos.

Naquele tempo, todas as raparigas da sociedade, tinham de aprender línguas, bordar, dançar e tocar piano. Na ilha da Madeira, tinham de tudo isto !

Minha avó Leonor, estava bem no centro daquela interessante vida citadina e logo viu que podia não só tocar piano, com o que concorreu em imensos concertos públicos, mas como tinha muita habilidade para línguas, passou a ensinar Francês e Inglês, além da música, (o que contribuia e muito para as finanças da família), a imensas jovens desejosas de poderem brilhar em Sociedade.

Esta vontade de ensinar os seus conhecimentos, levou a que mais tarde, todos os seus 7 netos, tivessem de aprender algumas destas linguas, até porque ela sempre dizia que quem soubesse ao menos inglês, tinha emprego de futuro, em qualquer lado... Assim, melhor ou pior, todos aprendemos daquilo para que mais sentíamos atracção, e ela ali estava todos os dias a pacientemente ensinar o que sabia e nunca a víamos cansada... Como todos tínhamos idades diferentes, ela dava aulas a cada um em particular e ria muito das nossas tentativas de pronunciar as línguas estrangeiras...obrigando-nos a repetir e repetir, dando voltas à língua, até se dar por satisfeita... Aquilo é que ela tinha uma paciência !!!!

Logo em muito nova, foi coroada de prateados cabelos brancos que emolduravam uma bela e aristocrática figura e quando casou, já tinha estes belos cabelos brancos.

Meu avô, que se formou em medicina e tinha mais 11 irmãos, por ela se apaixonou e foram viver para a ilha de S.Miguel, onde haveriam de viver até à sua morte. Ele era uma figura muito bem "temperada" mas em todo as situações complicadas de resolver, por escrita, minha avó era sempre a pessoa escolhida para, delicadamente, corrigir alguns escritos que ele desejava apresentar em Serviços Oficiais, e ele embora um tanto contrafeito, acabava sempre por lhe dar razão e lá emendava os escritos dos Ofícios, à maneira dela, embora se mostrando um tanto amargurado, por ter de escrever tudo de novo... Na realidade, ele tinha muito respeito à competência e habilidade da minha avó, até porque neste aspecto, ela sempre ia muito mais além...

Mas muitas vezes o ouvi bramar de chateado, que não estava nada voltado para ir escrever tudo novamente, mas perante um "sorriso amarelo" da minha avó, daí a bocadinho, já estávamos a ouvir o matraquear das teclas da máquina de escrever novamente. Na realidade, muitas vezes ele perdia as estribeiras, talvez pensando nos seus casos difíceis de doentes em apuros, mas ela sempre o ia conseguindo "domar"...

«Naquela época, a gente grada, tinha a necessidade de acompanhar a alta sociedade, e as vestimentas do Principe de Gales, e os seus revirados bigodes, tinham de ser bem copiados, os perfumes, se se desejava fazer boa figura...

Como a ortografia estava sempre a mudar, e farmácia, já não se escrevia com PH... ela, muito atenta as estas alterações, exigia que meu avô escrevesse perfeitamente correcto... coisa para que ele nunca se sentia preparado...

Meu avô tinha este ar robusto e muito aprumado, tendo-se tornado muito acarinhado pelas populações micaelenses, onde se manteve pacientemente apegado, em toda aquela zona do Oeste da ilha, desde a freguesia da Candelária, até às Feteiras, caminhadas que durante anos, eram feitas a cavalo, depois em Char-à-banc e em 1937, e por recomendação de meu pai, um "expert" em automóveis, passou para um pequeno automóvel Austin-7, que passou a ser o único automóvel existente naqueles sítios...por algum tempo. Aquilo era uma vida de tremendo esforço físico, porque muitas vezes acontecia que mal chegava a casa para poder descansar um pouco, já lá estavam à espera dele, para ir socorrer outros doentes. Muitas vezes, só tinha tempo para mudar a roupa encharcada, comer qualquer coisa, para voltar a meter-se ao caminho, a qualquer hora da noite ou do dia, quer chovesse ou fizesse Sol !

Pessoa dotada de imensa habilidade manual, metia as mãos a tudo o que se apresentava no seu campo da medicina, desde o arrancar de dentes, até às operações mais complicadas, como retirar objectos estranhos da vista das pessoas, como ter de decepar mãos de doentes esborrachados por algumas máquinas ou retirar a ferros, muitos miúdos que teimavam em não querer sair das barrigas das suas mães. Ele era um "pau para toda a obra" ! Ele não possuia uns dedos delgados, mas mesmo assim, tocava muito bem piano, flauta, viola e cavaquinho. Aqueles dedos um tanto sapudos, entravam em todo o lado...

Possuindo no sótão, (que lá se chama FALSA), uma bela oficina de mecânica e carpintaria, além de material fotográfico, torno, forja e material de fogo de artifício e de caça, máquina de imprensa, havia lá de tudo um pouco !

Eu tive a sorte de poder com ele conviver muito de perto e até ajudar em certas operações clínicas, embora só tivesse 10 e 11 anos de idade, coisas que eu conseguia fazer sempre, com muito gosto e ele o sentia, até porque não tinha qualquer enfermeiro ou enfermeira a que se pudesse socorrer !

"Segura aqui com aquela pinça ", dizia-me ele, " enquanto ou vou cortar mais fundo e separar este músculo deste osso "... e eu obedecia cegamente e até vaidoso por poder ser prestável ! E nada daquilo me repugnava !

Eu aguentava tudo, desde que as pessoas estivessem vivas...pois a partir do momento em que ele me dizia que já estavam mortas...dava-me um arrepio pela espinha acima e tinha mesmo dali sair...
Ainda hoje, passados mais de 70 anos, não quero nada com mortos !

Passados tantos anos ainda recordo muitas actuações como enfermeiro, e em situações deveras rocambolescas, em especial para um miúdo de tão tenra idade...

Meu avô esteve sempre no centro da minha vida e um dia começarei a descrever alguns dos imensos casos rocambolescos que com ele passei .

Ele foi a pessoa que mais me marcou e que mais admirei, tal era o carinho que ele me dispensava.

Naquela nossa casa, não era costume ninguém andar aos beijos e abraços. Todos fomos ensinados a ouvir os mais velhos com atenção e guardar o máximo de respeito, além de nos mantermos a uma certa distância, para não os incomodar. Assim, era mais fácil vir um abanão de orelhas, do que beijinhos e abraços... mas como sempre havia sido assim, não tínhamos de estranhar...

Assim, cada um teria de usar da sua habilidade para procurar agradar e já era bem bom, quando um afagar de cabelo sentíamos, por nos termos comportado decentemente.

« Mas ali na freguesia dos Ginetes, a "nossa casa", que era a dele, todos os anos, pela época das férias escolares, muitos veraneantes vinham passá-las à nossa freguesia e a nossa casa era o centro da confraternização, onde abundavam os concertos musicais e a amostragem das habilidades das moças que sabiam ir ali encontrar as pessoas que gostavam de ouvir e interpretar música séria e receber os ensinamentos da minha avó e Mãe, sobre as formas de realçar e dar expressão a certas músicas.

Ainda me recordo de algumas vezes a minha avó as mandar parar e depois de se assentar ao piano, mostrar o quanto a música ficava diferente, tocada de outra forma. Depois lá iam todos ouvir como as moças iam aprendendo as correcções e depois dum grande silêncio de atenção, rompiam as palmas de apresso de todos os presentes. Sim, porque enquanto a música tocava, ninguém podia falar nem tão pouco cochichar ! Aquilo era uma hora "sagrada" !

Atrás dessa janela, havia uma ampla sala com janela para a frente da casa, e onde toda a gente se juntava para ouvir música, interpretar ou jogar as cartas e minha avó, sempre atenta a tudo o que se estava a passar, às tantas, já quando achava que as visitas estavam a incomodar, com muita habilidade para não feri-las, dizia: " Pois são muito boas horas para quem vai e para quem fica"...

De imediato toda a gente se levantava e se despedia sorridente. Isto já toda a gente sabia que podia estar a vontade, até que a simpática e idosa senhora viesse com aquela expressão, que iria ser repetida muitas vezes, pelas semanas e meses seguintes.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

COM 11 ANOS SOZINHO AO VOLANTE


Quando eu tinha 11 anos, meu pai faleceu de doença pulmonar gravíssima.

Eu quase não convivi com ele, porque como engenheiro de máquinas, andava sempre de um lado para outro, entre França e Portugal, na aquisição de máquinas e a dirigir as suas montagens. Mas agora, ele já estava muito doente, mas para se manter activo, ia reparando órgãos de igreja, sistemas de relojoaria e muitas outras coisas. Ele era, o que hoje se diz, um poli-valente.

Foi numa das suas viagens aos Açores, que ele descobriu minha mãe, açoriana também como eu e, passado pouco tempo, se casaram. De imediato, nasceram 5 filhos, sendo entre eles, o meu irmão Carlos Mar Bettencourt Faria, que viria a ser 30 anos depois, um cientista muito conhecido e admirado pelas entidades científicas mundiais, em especial na NASA, depois de ter construído o seu Observatório Astronómico da Mulemba em Angola.

Foi por esta altura, que rebentou a guerra na Europa, e o Governo português colocou tropas em todos os lados, incluindo nas ilhas açorianas, para travarem a possível entrada das tropas alemães e um desses quarteis, ficava ao lado da nossa casa. Como aquilo estava muito calmo, os oficiais da Infantaria 12, ali dos lados de Coimbra, eram extremamente simpáticos, gente fina, muitos estudantes de Coimbra, e entre eles havia um tal alferes Basilio, que tocava muito bem guitarra e um outro alferes de nome Nani, que cantava as lindas canções de Coimbra, coisa que era novidade para todos nós, açorianos. A sua voz cristalina, ecoava por montes e vales !!!





Meu adorável avô Dr. Carlos Leça.






A nossa casa nos Ginetes, tinha um muro baixo que a separava da estrada e em que qualquer pessoa se podia assentar facilmente. Uns dias depois da chegada da tropa aos Ginetes, era um fim de tarde lindíssima, quando começámos a ouvir o dedilhar duma guitarra, e logo de seguida, aquela canção Coimbra dos Meus Amores, cantada magistralmente por um jovem alferes...

De imediato fomos ver onde estariam os músicos e viemos vê-los assentados no extremo do aludido muro, rodeados de muita tropa. Assim nos fomos chegando e inclusivamente meu avô, que depois de os ouvir, os convidou a entrar em nossa casa, onde continuaram a tocar e cantar !

-Nessa época, todas as estradas em S.Miguel, eram esburacadas e depois das chuvadas, havia poços que não deixavam prever a sua profundidade, e guiar um carro nelas, era um constante zig-zag, de lado a lado, tentando fugir a algum que, de tão fundo, pudesse provocar algum acidente, ou partir o carro.

Eu gostava imenso de acompanhar meu avô nas suas visitas médicas desde os Mosteiros à Candelária e um dia lá arranjei coragem de lhe pedir se me deixava guiar o carro, o que ele consentiu, e ali escarranchado sobre a sua perna direita, eu lá ia, cheio de atenção, a fugir aos buracos. Aquilo era uma odisseia, porque ele não deixava mais ninguém conduzir o seu automóvel que, como ele dizia, era as suas pernas...

Como eu recordo com saudade imensa, a bondade daquele "velhinho", em me conceder tamanho privilégio !!!

Ali ia eu a prestar muita atenção a todas as suas manobras, e vendo que, para fazer as mudanças, meu avô sempre carregava o pedal do pé esquerdo, antes de usar outra mudança, e aquilo tantas vezes aconteceu, que assim que chegava a altura de passar de mudança, ele já me deixava fazê-lo. Assim, eu já sabia conduzir o carro a direito ou aos zig-zagues, mas sabia que havia uma mudança que se chamava a 1ª e depois as outras, que iam sendo metidas de seguida, até chegar à quarta.

Mas estranhamente, o pé direito do meu avô, mal se mexia ou talvez tão pouco que eu nem conseguia ver...

Na freguesia de Ginetes onde vivíamos, a nossa casa "irradiava" música por todas as janelas abertas, porque não havia rádio, e um belo piano de cauda, fazia-se ouvir a todas as horas do dia, tal era o entusiasmo pela música, de toda a família. Como o silêncio era total, aquela musica ouvia-se a grande distância e muitos oficiais e praças, sentiam junto da nossa casa, uma agradável companhia, pelo que passado pouco tempo, tinhamos a sala cheia de visitas fardadas, que se faziam acompanhar de café e açucar, coisas que haviam desaparecido do mercado, mas eles possuiam. Assim, depois dos almoços, lá vinha um rancho deles e até o Comandante, deixando à minha mãe os pacotes de café e açucar que eles vinham tomar junto de nós, enquanto a minha avó os deliciava com música clássica no piano.

Quase todos os dias, uma praça, vinha à procura do oficial de dia, que se encontrava "de serviço em nossa casa"...a ver ou a jogar o Crocket, que é lá um jogo muito popular, em que cada pessoa usa um taco de madeira e tem de bater habilmente numa bola de madeira, por forma a fazê-la passar por arcos de ferro, espalhados num campo muito plano e coberto de areia, para lhe informar que o rancho estava à sua espera, para a prova dos alimentos e, como eu estava sempre ali por perto, todos eles me convidavam para ser eu a provar o belo rancho, o que eu aceitava de bom grado. Para mim, aquilo até era sempre bom demais ! E que fartura !!!!

Certo dia, veio uma chamada urgente da Lagoa das Sete Cidades, para que me avô lá fosse atender um doente, mas embora o automóvel de meu avô, fosse novinho em folha, ele não tinha coragem de fazê-lo subir e descer a montanha da cumieira, extremamente íngreme, para ir assistir aos doentes. Essa visita médica, era sempre feita a cavalo, animal esse que o tinha de transportar desde o povoado da Várzea que fica na base daquele enorme vulcão, que tem no seu interior a famosa lagoa e o seu povoado. Por outro lado, meu avô tinha um pavor enorme de deixar o seu carrinho abandonado na rua várias horas, não fosse algum "malvado" garoto riscar-lhe a pintura...

Assistiu a essa aflição, um magala conductor, que estava de folga e se ofereceu para levar meu avô até à Varsea no Austin-7 e umas horas depois, iria lá buscá-lo, depois da visita médica.

Só que aconteceu que o condutor, à hora de ir buscar meu avô, teve de ir fazer outra viagem e lá ficou meu avô sem o transporte daqueles 5 quilómetros para casa, parado na rua, à espera na Varsea.

Eu estava em pulgas para o ir buscar, mas eu nunca havia guiado integralmente o carro e mal chegava com os pés aos pedais. Mesmo assim, disse o criado que era capaz de o ir buscar, mas ele logo bramava " o menino tenha juízo, nem pense nisso"... mas eu já assentado ao volante e apalpando os pedais, com a ajuda duma almofada colocada nas costas, já me sentia a fazer todas as manobras que havia feito dezenas de vezes e acabei por dizer ao criado, o Sr. António, que desse à manivela para o carro pegar e ele, muito contrafeito, assim o fez, vindo-se assentar ao meu lado.

Eu já sabia de cor e salteado que tinha de carregar a embraiagem e meter a primeira velocidade, mas não sabia ainda, o jeito com que teria de levantar aquele pedal, pelo que o larguei rápido demais e o carro seu um salto em frente...mas lá seguiu muito devagar, tendo eu de passar o estreito portão que dava acesso da casa à estrada e apontá-lo na direcção da Varsea, à minha esquerda. Só que havia de passar para a segunda mudança, o que assim fiz, sem arranhar a caixa, mas como não havia largado o pedal do acelerador, assim que carregava na embraiagem, o motor acelerava....




Por aquilo é que eu não estava à espera, mas com mais ou menos aceleração, o carro lá foi andando e subindo, e passando agora pela ermida de Nossa Senhora de Fátima, que fica já bem alta.

Do lado esquerdo desta ermida, fica o Oceano Atlântico todo à vista, a umas centenas de metros mais abaixo, e eu lá ia sem qualquer problema, pois não havia trânsito nenhum, a não ser um burro que ultrapassei com facilidade.

Eu só pensava na cara de meu avô, já farto de esperar na Varsea, quando desse pelo aparecimento do seu carrinho, sem ver ninguém ao volante, pois eu mal conseguia ver a estrada à minha frente, de tão pequeno que era... mas lá cheguei, são e salvo e parei o carro ao lado dele, perante o seu enorme espanto e aflição, acrescentando eu, rapidamente, que o condutor militar havia sido convocado para outro serviço e, por isso, eu tinha resolvido, (sem autorização de ninguém), pegar no carro e ví-lo buscar.

Como muito gostávamos um do outro, e eu lhe havia desenrascado daquela chata situação, nem me repreendeu, mas agora ao lado dele, e todo a tremer, sentia que tinha sido capaz de fazer uma coisa extremamente importante para um garoto de 11 anos...