sexta-feira, 5 de outubro de 2007

E O FOGUETE EXPLODIU NA BARRIGA DO CHEFE...

Mesmo no meio do ano de 1974, no dia 4 de Julho, dia da Independência dos EUA, o meu chefe que se chamava Henry Black e também era radioamador e me conhecia perfeitamente, teve a amabilidade de me convidar, bem como a toda a chefia da RARET, a um "party" no seu jardim, no Centro Emissor da Glória.

Aquilo estava cheio de todas as chefias da Empresa e todos acompanhados das suas esposas !

Aquela festa esteve animada durante umas horas, onde muito se comeu e bebeu e vim a saber que se estaria à espera da noite, porque ele havia encomendado uma boa molhada de foguetes vulgares e mais uns tantos de lágrimas, e daí o interesse pela noite.

Mas quando ela chegou, Mr. Black se dirigiu à malta, convidando alguém que lançasse fogo aos foguetes, mas logo viu que toda a malta se encolheu e só se ouvia as senhoras a dizerem aos maridos: Tu não te metas naquilo...isso são coisas muito perigosas..."

Na realidade, eu sempre havia sido um entusiasta pelas pólvoras e caça, pistolas e espingardas, desde a minha infância, mas largar fogo de artifício, aquelas "bombas" enormes, do tamanho de garrafas de litro, e com umas canas de cauda com mais de 2 metros de comprimento...é que nunca !

Minha esposa, sabendo da minha "coragem" para muita coisa, ainda me olhou com um sorriso calmo de confiança e assim resolvi avançar.

Assim pedi ajuda para colocar um escadote uma dezena de metros de distância das pessoas, pois teria de subir a ele, para poder largar os "malvados" foguetes de lágrimas, já com eles a direito e, para isso, eu teria de estar bem alto...

Lá acendi um cigarro, perante a curiosidade e receio de toda a malta, enquanto levando um foguete na mão, subi o escadote e larguei-lhe o fogo, ficando à espera que ele começasse a fazer-me força para me sair das mãos e, realmente, uns segundos depois dele ter espirrado uma data de chamas, e perante um ruído intenso, e vendo que ele já tinha força, larguei-o e ele ali vai direitinho como um fuso, a mais de 100 metros das nossas cabeças, e explodindo um lindo fogo de artifício, muito acompanhado pela algazarra e palmas de toda a gente.

Depois foi outro e mais outro, e tudo estava a decorrer como eu desejava e certamente, toda aquela malta e muito especialmente o aludido Mr. Black que sempre tinha demonstrado muita confiança nas várias coisas a que lhe tinha ajudado, como a construir placas de circuito impresso para as suas montagens electrónicas, placas que eu fazia em casa e lhe entregava no dia seguinte, no seu vasto gabinete...

Mas um meu colega da técnica, que se chama Ernesto Gama, resolveu mostrar que também era capaz de largar uns foguetes normais, muito mais pequenos, e vai de esborrachar cigarro sobre cigarro, no raio dum foguete, que teimava em não acender, por mais que ele arranhasse a pólvora de arranque...

Para ver melhor o que estava a fazer, ele havia colocado o foguete na horizontal, enquanto iam ardendo e soprando no borrão dos cigarros, uns atrás dos outros, até que por fim, lá arrancou e ele que, pelos vistos, nunca tinha largado um foguete na vida, assim que aquilo começou a fazer força, em vez de o colocar na vertical, largou-o na horizontal, e aí vai ele direito àquela malta toda ali reunida a poucos metros de distância !

Logo por azar, Mr. Black estava ali por perto, mesmo à frente, a ver a nossa coragem e o raio do foguete foi direito à sua barriga, tendo espalhado todas as bombas por todo o recinto, as quais iam explodindo entre as pernas de toda a gente, perante uma gritaria infernal de pavor e susto de toda a gente ! Só se via gente aos saltos...Até parecia que estavam a dançar...

Sim, porque uma coisa é ouvir o seu estralejar no Céu, e outra muito diferente, é ali mesmo aos pés das pessoas...

Toda a gente se apercebeu do embate violento do foguete na barriga de Mr.Black, e vendo-o todo arqueado e agarrado à sua barriga, ficaram muito preocupados, até porque ele havia tido uma trombose há pouco tempo e não poderia nem deveria estar por perto de um pesadelo daqueles...mas felizmente que ele se endireitou, todo branco e acalmou a malta, dizendo que estava tudo OK.

De cima do escadote eu assisti a isto tudo, ficando à espera da ordem para recomeçar a foguetada, e informando o meu colega Gama para não largar os foguetes, até que eles fizessem realmente força e pondo-os mesmo na vertical, para ter a certeza de que o infausto acontecimento, não se voltasse a repetir...

Mas como ele havia ficado petrificado com o acontecido, mal acabei os foguetes de lágrimas, desci o escadote e fui disparar os normais, que ainda eram uma data deles...

Depois vem o 25 de Abril de 1974 e este Mr. Black, inconformado com os acontecimentos políticos, e se estava a preparar para se ir embora de Portugal, teve um violento AVC e lá faleceu.

Escrito por Engenhocando em 2007/10/05 às 15:49:03

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

E QUERIAM VER-ME TOUREAR A CAVALO...



A minha entrada no Ribatejo, em 1951, e dada a minha juventude de 23 anos, foi repleta de experiências trágico-cómicas e que tenho vindo a descrever deste há alguns anos, neste Blog.

No mundo exterior a esta região agrícola, só se sabia que era terra de sezões, e quando os amigos souberam que eu estava destinado a vir viver para Benavente, até me deram as condolências... mas, felizmente, essa época das sezões, já tinha sido ultrapassada há muito e sob controlo dum médico que cá se radicou muitos anos, o Dr. Fonseca.

Entrar nestes lados, Samora Correia, Benavente, S. Estevão, e Salvaterra de Magos, era uma odisseia, porque só se podia cá entrar por barco em Vila Franca de Xira, dado não haver qualquer ponte. Todo o material pesado da Empresa, estava a chegar de barco à vela, via Vala Nova, tanto a Benavente, como Salvaterra de Magos, de onde era carregado em camionetas da Empresa Irmãos David de Benavente.

A Empresa para onde eu viria trabalhar, a RARET, estava cá há poucas semanas e só conseguiu arranjar hospedaria e alimentação para a rapaziada, em Salvaterra de Magos, na Rosa Grilo, que dista uns 6 Km de Benavente e todos os dias tínhamos de andar este trajecto de "jeep", 4 vezes por dia.

Lisboa ficava muito distante... pelo que os fins de semana eram passados a ver as terras e as pessoas, pelo que rapidamente nos fomos dando com as gentes novas das terras, especialmente as suas lindas garotas, que gulosamente nos olhavam envergonhadas, e assim aconteceu em Salvaterra, um certo dia em que uns jovens como eu, me perguntaram se eu gostaria de ir dar um passeio a cavalo.

Realmente, eu havia entrado no Ribatejo, pela "porta do cavalo"...

Benavente dessa altura, tinha quanto muito, 3 ou 4 automóveis e as pessoas andavam todas avontade pelo meio das ruas, sem a mais pequena preocupação com o trânsito, até porque nestas alturas, o que se via, eram charretes e malta a cavalo ou a pé.

Não me fiz rogado, embora de cavalos não tivesse experiência nenhuma, mas lá fui, e me deram um belo cavalo para montar. Assim, passados poucos minutos, já íamos todos em cortejo, a passo, sair da vila de Salvaterra, para a lezíria, ali mesmo ao lado, nos terrenos do Conde Monte Real. Mal sabia eu o que me esperava, pois mal eles lá se apanharam, começaram a galopar à bruta e o meu cavalo, sem que eu fizesse nada, seguia-os também na sua louca desfilada.

Aquilo era tenebroso, porque em cima daquela "montanha" de carne, eu via o chão lá muito em baixo e, quando me ia assentar, levava um pontapé no rabo e aquilo estava mesmo feio, porque não conseguia sincronizar o meu rabo, com o sobe e desce da garupa do animal, chegando a ver-me abraçado ao seu pescoço, para não cair dele abaixo ! Assim, resolvi afastar o rabo do selim, como fazem os "cowboys", e lá me deixei eu ir atrás daquela malta que fez de tudo para me ver cair da minha montada, fazendo curvas muito apertadas que o meu cavalo repetia, quase atirando comigo "borda fora"...se eu não estivesse bem agarrado...e talvez até, a meter as esporas...sei lá...

Os animais já espumavam por todos os lados, quando eles reconheceram a minha "habilidade" para montar sem cair...e lá fomos deixar os animais descansar na cavalariça, tendo-me eu apeado todo a tremer e até me dava a impressão de que tinha ficado com as pernas arqueadas de tanto as apertar na barriga do animal....


Igreja de Benavente

Mas em Agosto desse ano, nas festas religiosas de Benavente, da Senhora da Paz, e tendo conhecido um jovem de Benavente que se chamava José Pedro Neto, infelizmente já falecido, filho dum grande lavrador da terra, o Sr. Xico Neto, ele me convidou para ir dar uma volta a cavalo pela Vila e para "abrilhantar" o meu aspecto, resolveu vestir-me o seu fato cinzento de lavrador, incluindo chapéu preto masantino e botas com esporas...

Como tínhamos fisicamente, muita parecença, 1,75m de altura e magros, eu até estava "bonito" dentro daquela "farda". Assim belamente vestido, ele deu ordem ao maioral que me arranjasse um cavalo e assim lá vou eu a atravessar a Vila, passando à porta da casa do Dr. Sousa Dias e fui até ao Calvário, passando pela rua dos Correios, que fica no fim da vila, tendo depois ido descer a rampa que passa junto da fonte de S.Antonio, sempre a passo, onde parei para cumprimentar uns fabianos que me estavam a barrar o caminho e me saudaram alegremente.

" Isso é que é sorte...oh sr. Portugal...isso não é para qualquer um..."


Eu até parecia alguém importante !

Mas na despedida, um deles deu uma palmada forte na garupa do cavalo que não achou graça nenhuma e arranca numa correria infernal para Rua Luiz de Camões acima, e que acaba mesmo em frente à loja do Sr. Castelo, pelo que eu, na impossibilidade de fazer parar o malvado cavalo, já me estava mesmo a ver ir parar dentro da loja, em cima ou por baixo do cavalo...

Eu nem sabia se ia a trote se a galope...

Aquilo estava mesmo feio, porque a estrada era muito escorregadia de pedra, e àquele velocidade, o cavalo não se conseguiria manter em pé, mas como a sua tendência, era ir para a rua de onde tínhamos vindo, a do seu curral, foi por aí que ele tentou meter-se, mas como estava apinhada de gente, toda aos gritos "fujam, fujam, ele vai cair..." -e eu a puxar pela rédeas, enquanto agarrava o chapéu que queria levantar voo, o cavalo pôs-se em pé a relinchar, enquanto toda a malta se afastava e assim, quando ele viu que já podia pôr as 4 patas no chão, continua na sua louca correria a caminho do seu estábulo, voltando a passar em frente à casa do Dr.Sousa dias, e depois o cemitério, onde só não parti a cabeça à entrada, porque me baixei até ficar com a minha cara, ao lado do focinho do cavalo...que se devia estar a rir...

E lá parou o animal, certamente muito espantado com as manobras que eu havia tentado pedir-lhe e que ele acharia, por certo, muito impróprias... de um cavaleiro decente... e tinha razão...

Mas isto não ficou por aqui, pois uns dias depois, vêem-me bater à porta umas pessoas da festa, a pedir-me para eu ir tourear na velha e desconjuntada praça de touros que cá havia.

Eu fiquei petrificado e logo lhes disse: "Nem pensem, eu não entendo nadinha de cavalos nem de toureio", mas eles logo me avançaram que eu estaria a ser muito modesto, pois me haviam visto uns dias antes, no largo fronteiro à igreja, dominar de tal forma um cavalo, que eu teria de ser um grande cavaleiro, a pessoa indicada para o toureio...

Bem que eu lhes explicava que tinha sido a segunda vez na minha vida, que tinha andado a cavalo e que não havia caído dele abaixo, porque isso seria a única coisa que eu não queria, de todo, que me acontecesse, pois nem um osso ficaria inteiro...especialmente porque o largo era todo de pedra...além de que não queria devolver ao José Pedro Neto, o fato todo rasgado e sujo...aparte os meus ossos que certamente por ali ficariam todos espalhados...

Assim se foi o comitiva da festa, muito chateada, por não me terem conseguido convencer a entrar a cavalo na praça de touros.... Olha eu, que de touros, só aos bocados e dentro do prato, a ver-me ali num espaço tão pequeno e sem ter prática alguma de tourear a cavalo....Ia ser bonito !!! Pobre do cavalo e de mim !!!

sábado, 29 de setembro de 2007

QUANDO HAVIA PRAXE ACADÉMICA por Prof. João Vitalino Martinho


E cá vai mais um agradável comentário do meu ilustre amigo e professor João Martinho, recordando os seus tempos de Coimbra, em 1951.

ARTIGO Nº. 73


« Quando havia praxe académica »

Pelo Professor João Vitalino Martinho

Naquele tempo, junto ao Arco de Almedina, na sempre cantada cidade de Coimbra, estavam quatro quintanistas de outras tantas faculdades.

Rodeavam um incauto caloiro que por ali passara saboreando o movimento das ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, naquela tarde de Outubro em que as capas negras anunciavam o início dum novo ano lectivo.

Das pastas dos doutores sobressaiam as fitas largas que completavam o conjunto policromo da indumentária do estudante de então, em que sobressaía a imaculada alvura da camisa com o laço negro indicativo de distinção.

- Caloiro, você está mobilizado. Mantenha-se atento...já vai entrar de serviço...

O grupo, divagando sobre vários assuntos, procurava aliviar a carga psicológica do estreante nas lides académicas, solicitando a sua opinião de forma a provocar um mínimo de oralidade e acalmar os nervos do rapaz.

- Caloiro...! Respire este ar...Você está na cidade do amor. Tudo aqui é diferente da selva donde você veio. A propósito, você sabe o que é o amor ?

-O amor é.....um substantivo....

.Você não venha para aqui com essas maluquices que andou a aprender na escola primária e no liceu...! Você está em Coimbra !

Um outro quintanista pega na palavra e inquire:

-Ora diga lá quem é que escreveu:

"Estavas linda Inês posta em sossego.

De teus anos colhendo o doce fruito...

Naquele engano de alma ledo e cego...

Que a fortuna não deixa durar muito..."

- Parece-me que foi o Camões.

-Então você trata o nosso maior épico por tu ? Ou será que você é um predestinado que veio para substituir os Lusíadas pelos Caloiríadas . E rematando:

-Você vê aquela senhora que ali vai ? Vá atrás dela e faça-lhe uma declaração de amor. Nós vamos segui-lo para ouvirmos a sua adjectivação que trata por tu a de Camões. Toca a andar...

- Boa tarde minha senhora....pois eu...

A senhora parou mostrando o porte duma mulher esbelta e encorajou o interlocutor:

-Então diga lá o que tem para me dizer.

O caloiro, adquirindo alguma serenidade, confessou estar naquela situação, por imposição da praxe académica de Coimbra... que o grupo que disfarçadamente os observava, o tinham encarregado de interpelar a senhora para fazer uma declaração de amor.

- Então faça...

Não se cansou o caloiro de evidenciar a simpatia e compreensão vividas nessa sua primeira experiência da praxe como estudante de Direito. Agradeceu e pediu desculpa...muita desculpa, confessando não ter atrevimento para importunar.

Entretanto os doutores aproximaram-se e quando se preparavam para retirar o mobilizado daquela situação, a senhora pegando-lhe no braço dirigiu-se ao grupo.

-Este senhor não sai daqui...está sob a minha protecção e vai lanchar comigo na pastelaria defronte. E foram.

No decorrer do chá, o caloiro ouviu palavras de apreço pelo seu aprumo e compostura com votos para que fizesse o seu curso com brilho e honrasse a Universidade de Coimbra.

A senhora era professora da Faculdade de Direito.

Nota: Este acontecimento foi testemunhado pelo autor em 1951.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

«TI BORNEL » Por Prof. João Martinho





Editor:

Pela mão do meu ilustre amigo Prof. João Vitalino Martinho, segue-se mais um dos seus contos referentes à sua terra Natal, o ESPINHEIRO, em pleno Ribatejo.

Ele sempre lá encontra gente que marcou toda a sua mocidade e que ele tão bem descreve nas suas crónicas. Como sempre, é uma honra poder incluí-lo no ENGENHOCANDO.






Prof. João Vitalino



MANUEL FELIPE BENTO

Ti Bornel

18...? 19...?

De acordo com documentos coevos arquivados na Torre de Tombo, consta que no dia 13 de Agosto do ano de 1527, na cidade de Coimbra, Jorge Fernandez, escrivão da chancelaria da comarca da Estremadura, terminou o registo das cidades, vilas e lugares e dos moradores que havia em cada um deles, por mandato do rei D. João III.

Foi no desempenho deste encargo que o acima referido Jorge Fernandez chegou a Alcanede, fez o seu levantamento e incluiu no termo desta vila, a aldeia do Espinheiro com 11 vizinhos, a qual, posteriormente, andou confundida com outros Espinheiros e Espinheiras espalhados pelo país, por cronistas um tanto distraídos.



Por tradição oral atribui-se aos seus primeiros residentes, a condição de pastores que por aqui se fixaram, mercê da abundância de pasto e águas correntes e a quem, dentro da lógica mais elementar, se lhes atribui o uso do pau para condução dos animais e amparo corporal nas movimentações em terreno acidentado. O pau está na história humana retratado no organograma da evolução do homem em que o homo habilis e o homo erectus aparecem usando tal ferramenta como extensão da mão, na luta com as feras.

Na idade média quando era preciso mobilizar o povo, como última reserva de carácter militar, a arma era o pau, usado muitas vezes sem contenção, como sucedeu com a fuga das hostes castelhanas após a batalha de Aljubarrota, o que levou o Condestável a pedir compaixão pelos vencidos que foram dizimados à paulada, na confusão da retirada.

D. João I mostrando, um dia, grande incerteza na conservação da praça de Ceuta, D.Pedro de Menezes lhe respondeu que com aquele aleo (cajado) que tinha na mão, defenderia a cidade de toda a barbárie.

Rendido à evidência da utilidade e eficiência de arma tão barata como rudimentar, Ti Bornel, serrador de profissão já criança, ensaiou nos primeiros passos num jogo que alternava com a agilidade necessária para o executar. Quando chegou à idade adulta, não havia no Espinheiro, nem nos arredores, opositor capaz de o enfrentar.


Na disputa pela supremacia envolveu-se algumas vezes em luta rija com os conterrâneos.

Conta-se que o Ti Zé Rosa, um dia, provocou-o no sentido de se confrontar com toda a violência para, de uma vez para sempre, ficar definida a superioridade. Ti Zé Rosa, em poderoso ataque, levou o adversário em permanente recuo desde o Rio dos Cantos até ao entroncamento com a Rua Principal, já a cantar vitória, sem sequer se aperceber que Ti Bornel tinha estado permanentemente na defesa. Mas ali mudou o cenário, Bornel passou ao ataque e disse para o adversário:

- Ó Zé escolhe lá a oliveira do Forno Telheiro onde queres ir descansar...!

E o Zé não foi capaz de progredir um só centímetro... sempre a recuar... a recuar... até uma das oliveiras onde terminou a pugna e se definiu de que lado estava a superioridade.

Não se pense que Ti Bornel era um homem de forte compleição física. Antes pelo contrário, dava até a impressão que uma leve aragem era o suficiente para o deitar por terra... e disso se convenceram quatro provocadores duma aldeia vizinha que o meteram no meio deles com a intenção de lhe dar uma grande sova.

Três saíram com a cabeça partida, após alguns minutos. O quarto resistiu até que o Bornel, dando-lhe um toque numa das mãos, obrigou-o a largar o pau.

Perante a incapacidade do adversário, completamente desarmado, Ti Bornel deu por terminado o combate, enquanto o outro resmungava:

-Essa foi de mestre ó mestre !

Dando troco ao vencido, Bornel rematou:

-Esta aprendi-a com o David quando cá veio um gajo de Pataias desafiá-lo. Só que ele, antes de aplicar a receita, partia o pau ao meio e deitava metade fora. Nunca mais o Espinheiro cá tem um jogador como aquele...!

Bornel viveu numa modesta casa situada num minúsculo aglomerado que o povo baptizou de Etiópia e por isso alcunhou-o "Conde Bornel Imperador da Etiópia".

Quando morreu com noventa e muitos anos, foi-lhe prestada uma significativa homenagem que, no Espinheiro, só era merecida por aqueles que ao longo da sua existência, davam provas de honradez e apego ao trabalho.

Nessas horas em que se fina uma vida, costuma o povo, no seu discernir, evocar factos da vida do extinto, como exemplo a seguir. Do Bornel ficou aquela arrancada quando disse que não tinha trabalho a sarrar e por isso ia para férias.

Férias aonde ? indagaram.

A cavar terra que é para onde deviam ir muitos malandros que andam por aí na moinice...!

E na terra ficou para sempre com o rosto voltado ao Céu, como que contemplando as estrelas.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

MANUEL BARÂO pelo Prof. João Vitalino Martinho




Nota: Pela mão do meu amigo Prof. João Vitalino Martinho, aqui vai mais uma das suas interessantes crónicas sobre o ESPINHEIRO, sua terra natal.









Manuel Barão dos Santos Justo (1926 - 1998 )


O Manuel Justo...recordá-lo acarreta um sofrimento que faz doer a alma e oprime o coração.

Um moço irrequieto e buliçoso...cheio de sonhos...de sorriso aberto...abraçando a vida com entusiasmo, amigo do seu amigo, brincalhão e disponível para ajudar...espalhou simpatia e foi um bem amado da gente do Espinheiro.

Quem não se lembra dele a cantarolar na Ribeira, de balde ao ombro, em direcção ao Açude onde ia fazer as regas encomendadas pela mãe, D. Elvira...nos bailes onde se distinguia pela distinção com que se dirigia às raparigas...no lagar do pai onde participava em todas as operações comandadas pelo mestre, ti Florindo...na vivacidade com que participava nas discussões entre rapazes do seu tempo.

Manuel encarou a vida com um salutar optimismo até que, passados alguns anos, na sua juventude, se apercebeu do erro que cometeu quando se negou a seguir estudos que o libertassem da duvidosa subsistência proveniente da agricultura. O facto de o pai ser possuidor duma das mais abastadas casas do Espinheiro, não o motivou para seguir uma carreira diferente da que, por atavismo, lhe estava destinada, mas a breve trecho se foi apercebendo do endividamento progressivo do pai que equipou o lagar com maquinaria moderna, afogado por juros altíssimos.

As perspectivas, já de si sombrias, agravavam-se com a dificuldade de colocação dos produtos da terra e a desenfreada exploração dos intermediários.

A flutuação dos preços dos produtos e a ausência de incentivos a quem verdadeiramente trabalha a terra, criou-lhe no espírito um sentimento de frustração e de revolta que o levou a abominar as searas, os olivais, os lagares, os gados, as eiras, etc.etc.

Manuel, já casado e com um filho, abalou para França...emigrou.

Tal como os primeiros estudantes do Espinheiro que representaram uma insubmissão ao fatalismo da condição de pobres que lhes determinou uma consciência de cidadania, Manuel entrou no mundo do trabalho francês sem uma especialização que lhe permitisse disputar um lugar compatível com o estatuto que desfrutava na sua terra.

Arranjou emprego numa conhecidíssima fábrica de perfumes parisienses.

Deveras agradado com a descontracção das suas colegas francesas que se divertiam quando, por desconhecimento da língua, Manuel confundia um caixote com umas luvas ou via pás por todos os lados.

Certo é que a gerência não lhe conhecia grande rendimento mas fez dele uma espécie de cartão de visita com que promovia os seus produtos universalizados em todos os locais frequentados por este espinheirense.

E como ? As colegas, com a tolerância das chefias, despejavam-lhe frascos de perfume na cabeça e nos estofos do carro, de modo que se transformou num expositório andante de odores que tresandavam à distância.





Manel Justo, à direita na imagem. Ao seu lado, o autor do escrito.





Quem lhe entrasse no carro, saía de lá comprometido como se tivesse saído dos braços duma coquete, tal era a saturação das essências entranhadas no habitat. Le portugais, como ficou conhecido, na gíria da fábrica, rodeado de certas atenções consequentes do seu ar distinto, quase sem dar por isso, deu à sua vida uma volta de 180º...

Adoptou hábitos e vivências dos meios cosmopolitas franceses de modo que, quando veio passar as vacanças à terra, conduzindo uma viatura desportiva de luxo, descapotável de dois lugares, a família e os amigos mal lhe reconheceram a matriz.

O Manel Justo caprichava em mostrar um grande desafogo por oposição ao desprezo com que foi tratado na sua Pátria. Instava mesmo os amigos a abandonar esta pasmaceira e convidava-os, maliciosamente, a dar uma voltinha para apreciarem o que era um carro.

Eles, ingénuos iam, mas à noite, quando regressavam a casa descuidados, eram recebidos rancorosamente pelas mulheres que os invectivavam:

-Onde é que andaste ? Cheiras a putas...!

Manel Justo resumiu a sua filosofia de vida na intolerância ao fatalismo, como arma de arremesso, e no humor como defesa natural que usou nas situações difíceis em que, por vezes, foi indevidamente interpretado.

Brincalhão, gostava de soltar uma gargalhada sonora comunicando optimismo e ajudando a superar dificuldades, como aconteceu com alguns conterrâneos em França.

Como afirmou bastas vezes, foi emigrante por repúdio às condições de vida que lhe eram impostas e não com o objectivo de amealhar um pecúlio à custa de sangue, suor e lágrimas.

Judiciosamente, defendeu-se de quem criticou o seu estilo de vida, com uma espécie de declaração de voto:

- Eu antes quero viver rico e morrer pobre do que viver pobre e morrer rico.

Recordando os tempos felizes com ele compartilhados no Espinheiro, o autor sublinha a rectidão dos seus actos que bem podem traduzir-se na expressão: amicus certus in re incerta cernitur (amigo certo nas horas incertas).

Repousa em paz no cemitério da sua terra natal.

PAZ À SUA ALMA


quarta-feira, 29 de agosto de 2007

OS « PEÕES DE BREGA » da VIDA



(Relembrando meu irmão, o falecido Carlos Mar Bettencourt Faria, CT1UX - CR6CH )
A vida de certas pessoas, é muito parecida com a que têm os toureiros…

Uma pessoa sente-se atraída pelo esplendor da glória e atira-se desde jovem, para uma luta desigual, na tentativa de se colocar no centro dos aplausos, no centro da sua “arena” !
Não foi por acaso que os grandes génios se distinguiram dos demais, embora alguns, só muitos anos depois das suas mortes, fossem reconhecidos.

Vivendo no Ribatejo, vejo nitidamente que, para uma pessoa se transformar num toureiro, nunca o conseguirá, se não tiver escolhido uns bons peões de brega, aqueles bem vestidos jovens, que mais parecem toureiros desajeitados… apoderados e campinos e, para uma tourada bem à portuguesa, até tem de levar Moços de Forcado, no final. Mas no fim do “trabalho”, ele vai dar a volta à arena, ajudando um pouco a sobressair o forcado mais feliz da pega.

Também meu irmão só conseguiu destacar-se dos demais, por ter tido a habilidade de escolher uns bons colaboradores, uns bons e admiráveis “peões de brega”. Ele nasceu com uma necessidade imensa de ser admirado e sabia que, para tal, teria de trabalhar muito além dos comuns mortais.


Meu pai, que era da mesma têmpera, até puxou demais dele…e acabou por perdê-lo, porque meu irmão sempre desejou e lutou, para ser ele sempre, a ficar em cima do cavalo….nunca por baixo...


Quase sem dar por isso, foi-se colocando cada vez mais no centro da “arena”, sempre acompanhado por perto dos seus peões de brega, para
que, às suas ordens, fossem colocando os touros em melhor posição, observando cuidadosamente, as suas investidas.
Quando me apercebo do prazer que ele sentia em sentir-se no centro da sua “praça”, a tocar piano para uns tantos, tempos sem fim, ou a falar ao microfone para milhares de outros tantos, a difundir os seus conhecimentos científicos, tanto em electrónica, como em astronáutica, ou a recolher as assinaturas das pessoas que o iam visitar para o admirar, cada vez melhor entendo a sua empolgante e curiosa vida !

Afinal, quando um escritor enche as suas prateleiras de livros por si escritos, também está à procura daqueles inebriantes aplausos de reconhecimento público e, quantos mais livros escreve e vende, mais se sente realizado.
Ao fim e ao cabo, o que todos procuramos é uma situação de destaque perante os demais.

E, tal como acontece aos bons toureiros, um dia, seguros da sua competência, voltam as costas por segundos, ao “touro” que ainda num esforço hercúleo, lhe dá uma valente cornada, mandando-o para o outro mundo, sempre depois de ter atingido a sua glória, às vezes ainda com muitos anos na sua frente para viver…
Foi num momento destes, que ele foi apanhado distraído, em Angola, em Julho de 1976, quando foi barbaramente assassinado.

Com os músicos, também acontece a mesma coisa…aquela vontade enorme de serem melhores do que os outros, vão gastando as suas vidas a tocar os seus instrumentos incessantemente, noite e dia, sempre na mira de serem admirados e aplaudidos.
Estes músicos só necessitam dos “peões de brega” para lhes afinarem convenientemente os instrumentos, ajudarem a preparar os palcos, a afinar os amplificadores de potencia de áudio, a colocar as fortes luzes bem apontadas, mas quando mais tarde se encontram numa sala com milhares de pessoas a ouvir as suas interpretações e a rodearem-no do carinho dos seus aplausos, sentem o prazer enorme da fama !
Os maestros que se destacam, só o conseguem, se tiverem à sua volta, um bom naipe de “peões de brega” bem treinados, mas que nunca chegarão a Bons Maestros.

Um solista de fama, também só o consegue, se estiver rodeado destes “peões de brega”…não só os instrumentistas, como o seu Maestro e a assistência.
Ao fim e ao cabo, o que as pessoas procuram, é o consenso comum das suas lutas por uma vida diferente e notável…

domingo, 12 de agosto de 2007

O PAPÁ ARRANJA....






A VELHA HISTÓRIA DO "ACUMULADOR"








Aqui há pouco tempo, fui encontrar numas Selecções, um artigo sobre as pessoas que sofrem da "Doença" de guardar tudo, sempre com a ideia doentia, de que um dia irão ter necessidade delas e ainda, ao lê-lo, me ri um bocado sozinho...porque sentia que tinha aquela "doença terrível"...

Na realidade, não sei ainda se, desgraçadamente, eu não teria sido contagiado por esta doença desde criança, mas com o decorrer dos anos, fui encontrando imensa gente que sofre desta mesma "doença" e que chegam a velhos, sem se conseguirem curar...
Segundo os cientistas, é mesmo uma doença grave e sem cura...

Provavelmente, serão as pessoas com menos possibilidades financeiras, que vivem desejosas de possuir coisas que outros mais abonados acabam por deitar ao lixo, talvez até por terem pouca habilidade manual, e se uma pessoa nasce com alguma habilidade para se desenrascar, mesmo sem dar por isso, agarra a doença, e em especial se tem sítio onde possa guardar esse "lixo" que lhe vai aparecendo à frente, sempre com a ideia de que um dia, poderá vir a ter necessidade dela, já está agarrado...

O que é mais curioso, é que mesmo que se evolua nas possibilidades financeiras, o raio da "doença" está lá dentro e se acaba por meter as mãos nas coisas, sempre com pena de deitar ao lixo máquinas valiosas, que outros não conseguiram reparar ou até já estariam fartas das avarias e, sem espaço em casa, não têm outro remédio que não seja enviá-las para o lixo.

Estes "doentes", se conseguem espaço disponível para guardar tralha, ali a vai conservando, sempre com a ideia de que um dia virá a ser necessária e isso, mais dia, menos dia, acontece, encontrando-se uma alegria especial e incontável, em de duas peças avariadas, conseguir uma a funcionar bem, e de graça.

Eu sou realmente, um destes acumuladores, em especial porque sendo muito curioso, sinto que, antes de enviar ao lixo qualquer coisa, terei de a observar por dentro, cuidadosamente, mesmo que isso leve horas a fazer, porque em cada montagem, há soluções muito interessantes para aprender e, como já não há o perigo de estragar mais, pode-se ver tudo cuidadosamente.
Certamente que estas inspecções, ensinam imensas coisas que nunca mais se esquecem. É por isso que, quando os filhos aparecem com o "papá arranja", eles sentem que o papá sempre deve ter uma solução que a mais ninguém lembrou e até nem compreendem que aqueles importantes ensinamentos, levaram muitos anos a possuir.

Alguns dos nossos filhos ficam extasiados ao ver funcionar novamente os seus brinquedos e acompanham, todos interessados, a sua reparação e perguntando como me lembrei daquela solução ou porque tinha sempre uma resposta "na manga"... e por isso, alguns acabam por ficar contagiados com a "doença", em especial se ao crescerem, conseguem espaço em casa para guardar lixo...

Mas outros, não apresentam essa curiosidade de assistir às soluções, e preferem mandar ao lixo, a menos que seja alguma coisa exageradamente valiosa.

Ainda há pouco tempo, um dos meus filhos entrou pela casa dentro, com um grande candeeiro na mão e dizendo que o comando electrónico de variação progressiva de luz, se tinha avariado, e estava muito pesaroso, porque não estava inclinado para mandá-lo ao lixo. Ele sabia que eu teria uma solução qualquer e propoz-se ajudar. Assim, pegou numa chave de fendas e abriu o comando que só tinha poucas peças no seu interior e quando lhe dei um golpe de vista, logo pensei que deveria ser um elemento chamado TRIAC que todos estes comandos têm de possuir e eu até tinha no meu "lixo", uns retirados e guardados, para umas eventuais utilizações.

Assim, dessoldado o que lá estava dentro e ressoldado o que cá tinha e eu sabia que teria a potência suficiente para a lâmpada em uso, passados poucos minutos, ele todo eufórico, vê o comando novamente a funcionar e lá se foi todo contente, dizendo; eu bem sabia que o pai tinha uma solução...

De outra vez, a minha filha que tinha comprado um aspirador/lavador, coisa que eu nunca tinha visto por dentro... e a dizer-me que aquilo deixava sair água por todos os lados e o representante, um Supermercado, lhe recomendava que comprasse outro, porque a reparação era muito cara... ali fui eu estudar a máquina, até descobrir como aquilo funcionava, facto que muito me estava a interessar conhecer.

Vai de ver por cima e por baixo, por todos os lados e pensado que aquilo deveria ter uma anilha estanque de borracha num certo sítio e, como no meu "lixo" há sempre borrachas à espera, lá escolhi uma e depois de tudo montado, vai de experimentar a máquina, a qual se comportou com enorme êxito, pois metido o detergente e a água, a minha filha logo a passou na carpete onde eu tinha estado a trabalhar, e eu a assistir, e a lavou em poucos segundos, mostrando a enorme quantidade de porcaria que a água de retrocesso, toda negra, havia retirado da carpete ! Aquilo ultrapassava em muito, o que eu esperava... Como diabo havia tanto lixo naquela carpete ?

Satisfeita com o funcionamento, ela lá se foi embora com a máquina, acrescentando como o irmão; eu sabia que o pai teria uma solução...

Provavelmente, eles nem se aperceberam do meu gozo em ver estas coisas por dentro e aprender como os fabricantes engenharam certas e tão interessante soluções. Eu tinha enriquecido os meus conhecimentos técnicos, mais uma vez... e em muitos casos, conseguido ultrapassar as fábricas, por alteração ou melhoria do que estava a ver.

Quando se atinge uma idade avançada, foram milhões de experiências feitas e experiência ganha, quase sempre gratuitamente, o que é bem mais aliciante...

Ainda me recordo de uma vez ter lido num livro dedicado aos automóveis, o ARIAS PAZ, que os franceses tinham um dos carros mais evoluídos do tempo e que estavam avançados mais de 50 anos, aos carros fabricados nos EUA. Eram os que conhecíamos por "bocas de sapo", os Citroen ID19. Na realidade, todos os governantes franceses se deslocavam neles, mas eram conhecidos também por muito dispendiosas reparações... embora o seu conforto fosse inultrapassável...


Era um carro estranho, mais largo à frente do que atrás, uma suspensão que mais parecia de aviões e tudo funcionava com óleo brutalmente comprimido a 5000 libras ! Só de pensar que o ar metido num pneu vulgar, anda pelas 30 libras... aquilo até metia medo !

Aquela história dele ser mais estreito atrás, fazia com que se pudesse abrir as janelas da frente, e os passageiros de trás, não apanhavam vento nenhum... Que coisa bem pensada !

O seu enorme vidro frontal e motor muito baixo, permitiam uma visibilidade enorme, até porque os ocupantes tinham os assentos bem altos.

Para substituir uma roda, ele nem tinha macaco, pois se fazia subí-lo ao máximo, na alavanca apropriada, e se enfiava de um lado uma "muleta", fazendo-o descer novamente. Assim ficava todo deitado de lado e muito facilmente se retiravam as rodas de um lado.

Mas que diabo teriam aqueles carros assim de tão evoluído ? Eu tinha de saber, nem que tivesse de gastar alguns cobres, e isso veio a acontecer passado algum tempo, quando um dos meus filhos me vem dizer que sabia onde estava um acachapado sem qualquer comando e que o poderia comprar muito barato.

Como já tínhamos muita experiência dos carros vulgares, motores de barcos, geradores de energia eléctrica e de aviões ULM, aquilo não nos iria meter muito medo...

Assim, e depois de já ter lido no referido livro, como aquilo funcionava, vai de meter-lhe as mãos e fazendo as ferramentas apropriadas, vai de reparar uma fuga da alta pressão de óleo do sistema e vê-lo a andar com todos os comandos, passada uma hora de estar à volta dele. Claro que os meus jovens filhos deliraram com aquilo, até porque tinham estado a pensar como eu, como se poderia dar a volta ao problema.

Mas aquilo estava um tanto difícil, porque este tipo de carro, quando perde a alta pressão, quase se assenta no solo, não permitindo meter qualquer macaco por baixo, nem muito menos lá cabe uma pessoa... mas depois de muita ginástica dos meus filhos, lá se conseguiu encontrar e retirar um tubo roto e, porque era metálico, logo foi feita a sua soldadura (remendo) e assim, se havia começado a aprender como aquilo funcionava.

Logo de seguida, começaram a aparecer amigos dos meus filhos, que conheciam outros destes carros abandonados por avarias e com o dinheiro de uns reparados, se foi à procura de outros modelos mais modernos e ainda chegámos a um bem moderno, o quarto, que tinha a bomba de alta pressão avariada.

Eu estava desejoso de "entrar dentro de uma", porque ela é o coração daqueles veículos e como estava mesmo definido que era ali, vai de desmontá-la e vista a maravilhosa mecânica que estava dentro, tendo sido possível repará-la facilmente, simplesmente pela troca 180º das lâminas de aço, que formam as válvulas e rectificação das cedes das mesmas.

De imediato, voltou a pressão e lá se gozou mais uns tempos de outro "boca de sapo", até que se deixou de usá-los, porque em viagens curtas, aquilo consumia gasolina a mais, para as nossas posses...

Mas uma coisa tinha acontecido: todos nós tínhamos aprendido imenso com as inúmeras operações e soluções que se haviam feito nas 4 máquinas. Só por isso, tinha valido a pena o trabalho.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

UM AÇORIANO ABANDONADO EM LISBOA...

O leitor deste Blog, já deve estar um tanto farto de ver esta cara alegre e prasenteira, mas ela não mostra nada, o que este garoto de 13 anos, estava a viver e até pode parecer que vivia feliz e contente, tratado com todo o carinho.

A verdade era muito outra !

Nascido e criado até a esta idade, numa respeitosa família açoriana de S.Miguel, rodeado de carinho de toda uma família feliz, acabou por ter de ser "exportado" dos Açores para o Continente, porque toda a sua família se estava a desmoronar...

Meu pai já tinha morrido, de tuberculose e diabetes, com 47 anos, quando eu tinha 11 anos e deixou a minha mãe em profundas dificuldades financeiras. Entretanto o "Rei" da nossa casa, médico, meu avô, o adorado Dr. Leça dos Ginetes, acaba por falecer de angina de peito, aos 73 anos e, como estava marcada a minha "exportação" para esse mesmo dia, só o pude beijar, já morto, mas deitado na cama onde faleceu, com cara sorridente, como se estivesse simplesmente a dormir, com a sua cara deitada sobre a sua mão esquerda. Mais um profundo desgosto !

Minha mãe, ainda conseguiu tirar o curso de Regente Escolar e estava a dar aulas, uns tempos antes, numa freguesia ali perto, embora tivesse de andar a pé uns quilómetros diários, para lá chegar. Com o vencimento de 250$00 mensais, aquilo não dava nem para os sapatos que os seus 5 filhos gastavam...e meu avô também tinha deixado minha avó em séria situação financeira, pelo que não nos podia ajudar...

Assim, resolveu procurar emprego em Lisboa, o que conseguiu na Santa Casa da Misericórdia, exactamente onde se faziam as extracções dos Jogos Santa Casa, e lá conseguiu enfiar as minhas irmãs, num colégio interno de freiras, ali perto do seu emprego.

Fiquei eu e meu irmão, à deriva, sem eira nem beira, à procura de sítio onde viver, mas o ordenado da mãe quase não dava para nada e foi o pior tempo da minha vida, pois tinha de estudar e ir fazendo alguma coisa para poder comer um bolo ou beber um copo de leite. Pessoa amiga, que tinha filhos mais ou menos da minha idade, mas também estavam em dificuldades, fazia os filhos pegar em molhadas de revistas, que ainda me lembro se chamava FLAMA, e vai de alombar com elas para a porta duma Igreja, lá para os lados do Marquês de Pombal. E ali ficávamos um bom bocado a apregoar a revista. Por cada revista vendida, davam-nos 50 centavos, mas com um pouco de habilidade e cortesia, sorriso estampado na cara, eu sempre conseguia vender mais do que os outros e ficava todo feliz, por poder juntar uns cinco escudos ou pouco mais, o que já dava para poder comer mais alguma coisa numa taberna qualquer, das mais baratinhas...

Depois acabei por arranjar mais um "emprego" numa casa que fabricava candeeiros, ali para a rua da Vitória, 46-48, no meio da baixa, e tanto tinha de andar a pé, por Lisboa inteira, para receber facturas atrasadas, subir e descer imensas escadas, para depois levar com a resposta de que lá fosse noutra altura...ou ter de alombar com enormes candelabros cheios de pingentes, e que só podiam ser transportados ao ombro, perante o tilintar chato daqueles vidrinhos todos, com toda a gente a olhar com cara de gozo. Mal sabiam eles que aquele pobre garoto açoriano, estava a fazer um sacrifício dos diabos, para poder comer um pastel de bacalhau como almoço... e ainda tinha de estudar para à noite, ir pegar a Escola Marquês de Pombal, lá para casa do Calvário. Aquilo era mesmo um calvário !

Mas um dia, minha mãe encontrou uma rapariga que tinha sido sua criada, quando dos tempos áureos, mulher ainda bem bonita e que nunca havia vestido farda, o que muitas vezes provocava em minha mãe ataques de histeria, porque quando ia à porta, e sendo tão bonita, toda a gente julgava que se tratasse da minha mãe...

Gozava a criada e enfurecia a minha mãe, está claro ...

Mas este "senhora" vivia ali perto da Misericórdia de Lisboa, numa casinha muito modesta do Bairro Alto, mas cheia de boa vontade, lá me arranjou um cantinho na casa, com uma mesa e cama, mas havia colocado uma cortina a tapar o resto do quarto.

Mal eu sabia, que ela se tinha tornado prostituta e dificilmente eu conseguia dormir, com tantos ais e isss, gemidos e palavrões, das suas "visitas" ! E logo eu, que nem sabia o que era uma prostituta, nem de longe nem de perto... e até lhe tinha muito respeito !

Mas a minha mãe, que também não sabia nada daquilo, lá nos empurrou para a Av. Almirante Barroso, ali para os lados do Arco do Cego, e albergou-me a mim e meu irmão Carlos, no mesmo quarto.

Felizmente que, com a ajuda dum outro açoriano, de S.Miguel, amigo de infância da minha mãe, e era engenheiro no Arsenal do Alfeite, de nome Vargas Moniz, nos conseguiu lá plantar os dois. Nós éramos os "Farias" e tratados com muito deferência, pois toda a gente sabia que éramos protegidos do patrão!

Aquilo até podia ser pior, mas era muito chato ter de ir apanhar o eléctrico às 7 da manhã, para o Cais do Sodré, todas as manhãs, para apanhar a corveta da Administração, que nos transportava para o Arsenal do Alfeite, do outro lado do rio Tejo. Á tarde, a corveta "despejáva-nos" no Cais do Sodré e lá íamos os dois de eléctrico comer qualquer coisa e depois eu teria de ir novamente de eléctrico para S.Amaro, mesmo do outro lado de Lisboa, para a Escola Industrial.

A alimentação no refeitório do Arsenal, até não é que fosse má, mas ficava muito caro para a nossa bolsa. Assim, tínhamo-nos de contentar com qualquer coisinha que ia eu buscar ao "guichet" , porque meu irmão preferia ficar sem comer, do que ir para a bicha, de braço estendido...

Infelizmente, em casa, mal podíamos comer, porque ainda era cedo para os donos da casa e muitas vezes só "bebia" uns golos de água quente com umas nabiças a flutuar, ao que chamavam de sopa...para ir apanhar o eléctrico para Santo Amaro.

Aquela falta de descanso e de comida suficiente, não me podia deixar ir muito longe e, um dia, tendo ido a uma praia do Seixal, deixei-me dormir, estampado ao Sol, mas quando acordei, nem me conseguia por de pé... Assim, fiz todo o percurso a pé, imensamente cansado, a empurrar a bicicleta, pois nem força tinha para a montar e pedalar.

Meu irmão grande entusiasta pelas coisas científicas, estava a experimentar fazer exames microscópios num aparelho por ele construído e observando a minha expectoração, logo verificou que eu estava muito doente com bacilos de Koch, embora o médico julgasse que se tratava duma simples gripe, mas perante o ensaio do meu irmão Carlos Mar, achou por bem mandar fazer um exame mais exaustivo e confirmou-se a doença... aquela malvada doença com que havia morrido meu pai uns anos antes, doença de terríveis e demorados anos de tratamento e foi por isso que fui "exportado" para o hospital do Desterro e onde se passaram os episódios rocambolescos, que descrevi no artigo "Chateado pelos ácaros".

Mas dado o saber da terrível possibilidade de contágio da doença, logo exigi que houvesse o máximo cuidado com tudo o que me dizia respeito e, felizmente, nenhum dos meus irmãos foi contagiado.

Felizmente que logo me arranjaram forma de ser "exportado" agora para um Sanatório do Caramulo, levando a tiracol a minha máquina fotográfica...como se fosse passar umas férias na montanha...o que tanto gozo deu à malta que me viria a conhecer. Mas só, ao fim de um ano de penoso tratamento de pneumotóraxes, é que os bacilos de Kock foram desactivados e comecei, muito lentamente, a ganhar vida, enquanto ia vendo muitos outros, da minha idade a socumbirem à terrível doença.

Tive o "desplante" de me vir "despir" aqui em público, pensando em tantas crianças da minha idade, que, por este ou aquele motivo, rodeadas de tudo o que é bom, com uma boa casa para viver, rodeadas de amor e carinho dos pais, não se alimentam convenientemente, e acabam também por adoecer, mas talvez não tendo a sorte e vontade que eu tive de me curar, embora tivesse de fazer um tratamento por 5 anos...

E quando vos apetecer fazer alguma asneira das grandes, lembrem-se daquele puto açoriano, de 13 anos, o Mário, que vocês conheceram via Internet.

Hoje, perto dos 80 anos e olhando para trás, não posso ter saudade alguma da minha mocidade, em especial desde o momento em que toda uma família se começa a desmoronar, como pode acontecer a qualquer um, e sentindo uma imensa vontade de viver, dou graças a Deus de ainda estar vivo e poder relembrar aqueles tempos tão distantes da minha mocidade tão amargamente e estupidamente perdida...e sem ser por minha culpa...

terça-feira, 24 de julho de 2007

E FUI CONVIDADO PARA SER PADRE...


Estava eu em 1949, internando num Sanatório, mas já em vias de cura, quando um grande amigo que também lá foi parar por esta altura, doente, de nome Fernando Gomes da Costa e que era mais ou menos da minha idade. Ele era duma família muito respeitada na Anadia, os "Irmãos Unidos" que forneciam Champanhe para todo o lado e tinham enormes adegas recheadas de pipas de belos vinhos e espumantes. Assim, quando já estávamos ambos benzinho, ele me convidou para ir fazer umas férias em sua casa e assim eu fui conhecer a sua excelente e simpática família e conhecer a sua terra, a Anadia.

Aquilo era realmente muito bonito e ele, sabendo que eu nunca tinha ido de férias a lado algum, presenteou-me com viagens de passeio a todas as zonas turísticas daquela fabulosa zona, com as suas termas, o palácio do Buçaco, com os seus lindíssmos jardins, as Termas, eu sei lá que mais, além de Leitão da Bairrada e tudo muito bem regado com os belos vinhos da região.

No Caramulo, ele havia construído um minúsculo emissor com as bobines enroladas em dois frascos de Estreptomicina, e lá íamos conversando muitos horas sobre a electrónica que nos estava a apaixonar, embora clandestinamente a usar o extremo das Ondas médias.

Muitos anos mais tarde, vim a saber que ele estava como Engenheiro Director da Estação de televisão da RTP, do Trevim, onde se manteve até atingir a sua reforma. Que belo amigo eu havia de ter, e como lhe estou grato pelo carinho que me dispensou e muito em especial a sua simpática mãe e pai !

Mas certo dia, na Anadia, ele foi convidado para assistir a um casamento de pessoa amiga, e desejou levar-me, embora sabendo que eu não conheceria ninguém da festa e talvez fosse uma estopada, mas mesmo assim, eu lá fui, até porque não tinha outra escolha...

Quando chegou a boda, a malta entrou toda de rompante pela enorme sala e eu fui ficando para trás, a ver se no fim, ainda haveria algum lugar para me assentar, mas fiquei radiante ao ver que na ponta dum "T", estava um padre muito novo, e muito simpático, talvez com mais uns 4 ou 5 anos do que eu, e até tinha assistido ao casamento, e tinha lugar vago a seu lado.

"Ora aqui estou eu nas minhas 7 quintas ", pensei eu, porque sempre me havia entendido com os padres que sempre me haviam parecido pessoas respeitáveis, boas conversadoras, bons ouvintes, bons faladores, inteligentes e até pacientes, mesmo que em qualquer altura da conversa, eu pudesse levar algum sermãozinho...

Mas aquilo não podia ser melhor ! A pouco e pouco, ele se interessou pela minha vida e veio a saber que eu estava num sanatório, embora já sem perigo de contágio e a conversa se animou imenso ! Nunca mais prestámos qualquer atenção ao barulho e altas conversas que se estavam a ouvir pela sala e ali estávamos muito entretidos os dois, como bons amigos de há muitos anos.

Foi por esta altura, no meio duma cantoria que encheu a sala, que me lembrei de meu pai, com quem talvez eu me parecesse e que, quando eu tinha 10 anos, me fazia cantar só para ele...aquela linda canção de Coimbra, chamada SAMARITANA, muito em voga naquela época, e que muitas vezes tive de cantar, para fazer as pausas necessárias e prolongadas, até que ele ficasse satisfeito. Eu sabia lá quem eram as Samaritanas, música muito admirada na época e cantada magistralmente por um jovem Dr. de Coimbra, Edmundo Bettencourt.

Lá em nossa casa, nos Ginetes, em S.Miguel, Açores, eu tinha 10 anos, mas todos diziam que tinha uma voz muita afinadinha... Só que, quando meu pai me pedia para eu cantar a Samaritana, toda a minha família abalava, sem eu entender o porquê... mas bastava-me cantar para meu exigente pai, já ficava satisfeito.




E a letra era assim:


Dos amores do redentor

não reza a história sagrada

mas diz uma lenda encantada

que o bom Jesus sofreu de amor.

Sofreu consigo e calou

sua paixão divinal

assim como qualquer mortal

um dia de amor palpitou.

Samaritana plebeia de Sical

Alguém espreitando te viu Jesus beijar

De tarde quando foste encontrá-lo só

Morto de sede junto à fonte de Jacob.

E tu risonha acolheste

o beijo que te encantou

Serena, empalidesceste

e Jusus Cristo corou.

Corou por ver quanta luz

irradiava da tua fronte

quando disseste ó bom Jesus

'Que bem eu fiz, Senhor, em vir à fonte'


Só muito mais tarde é que vim a prestar atenção à letra e entendi o porquê da minha mãe e avó, profundamente religiosas, fugirem do pé de mim, lá para bem longe, e levando com elas as minhas irmãs, também muito religiosas, para que ninguém conseguisse entender a letra da canção...

Na verdade, eu nunca havia sido muito católico, tal como meu pai, e até embirrava bastante com os enterros e com tudo quanto falasse de mortos. Para mim, só a vida contava e a amava desesperadamente.

Também doente, nessa época, no sanatório onde tive de estar 5 anos, o Sanatório Central, havia um médico muito novo e que tocava maravilhosamente guitarras de Coimbra, e se chamava ( e chama, se ainda estiver vivo) Amaro da Silva Rosa, que eu tentava acompanhar à viola, mesmo no quarto do sanatório, onde se reuniam vários doentes, ao serão. Eu era o mais novo. Outros eram médicos, pintores, caixeiros viajantes, funcionários bancários, técnicos dos CTT, etc. Era uma claque de malta muito vivida, galhofeira e de trato muito fino.

Mas a certa altura do referido casamento, no meio dumas garfadas de saboroso leitão assado e belas bebidas, ainda disse ao Sr.Prior que não entendia aquela história dos jejuns e de não se poder comer carne à sextas feiras, e dos pecados mortais, e da bula,...mas ele ouviu sempre com um sorriso estampado no rosto. O padre era mesmo simpático ! Tenho pena de já não me lembrar do seu nome...que excelente pessoa !

E seguia eu com as minhas dúvidas quanto às confissões e aos Padre-Nossos, e aos castigos divinos, e ao Inferno e ao Céu e aos pecados mortais, etc. quando a certa altura ele me pergunta:

"Porque não vem estudar para padre ? "

Fiquei um tanto atónito, especialmente por ter estado a dizer que não acreditava em muitas coisas da religião e até estar do contra, que desejava fazer da minha vida muita coisa científica, casar, etc.

Aí, ele me disse: "Pois como padre, poderá ter isso tudo, à excepção de casar e ter filhos ".

"Tá a ver, Sr. padre", respondi eu de imediato: " Eu sinto imensa necessidade de liberdade e vivo sonhando em um dia ser casado e ter os meus filhos, para os ajudar a entender a vida e a procurarem saber os porquês de tudo o que nos rodeia ", respondi eu, e ainda acrescentando: "Mas mesmo assim, com tantas dúvidas quanto a tantos dogmas, ainda continua a convidar-me para estudar teologia ? Porquê ? ".

Aí o meu simpático companheiro, parou uns segundos enquanto tentava engolir mais um pedaço de leitão, talvez ainda mal triturado...e seguido dum golo de belo vinho, e respondeu-me:

"Pois é especialmente por o ter ouvido e saber o que pensa da religião, que lhe garanto, daria um bom padre, porque sabe pensar e exprimir-se com facilidade "...

Passados estes 58 anos, ainda penso naquele simpático padre que me disseram depois, que era Dr. em Teologia e Director dum Seminário em Leiria, se bem me lembro. Como eu gostaria de me voltar a encontrar com ele e podermos continuar aquela boa conversa na boda de Anadia... E oxalá que ainda seja vivo, embora certamente com alguns 85 ou 86 anos. Que Deus o proteja, assim como me tem protegido ! Mas se já faleceu, como eu já estou próximo do mesmo, talvez nos venhamos a encontrar um dia e continuar com as minhas caturrices... e ele sorridente, a ouvir-me...

terça-feira, 17 de julho de 2007

E A PIDE BATEU-ME Á PORTA...


Era um belo dia de verão de 1960...

No meu minúsculo quintal cimentado, eu havia deixado um pequeno canteiro numa esquina, onde havia plantado um caroço de pessegueiro que muito me havia agradado e com o decorrer de poucos anos, havia nascido um lindo pessegueiro que logo, ainda miniatura, se começou a encher de lindos pêssegos e de tal forma, que o seu peso fazia vergar os seus frágeis ramos até que os imensos frutos tocavam no chão !

Aquilo até era lindo de ver !

Estava eu a deliciar-me com alguns desses frutos amarelos, doces, aromáticos e sumarentos, quando minha esposa me aparece, com ar muito preocupado, dizendo que estavam à porta uns senhores da PIDE a querem falar-me...

Naquela época, falar-se de PIDE, assustava qualquer um, mesmo que um pacato cidadão.

Estranhei bastante essa visita, até porque sendo radio-amador, só eram concedidas licenças a quem não tivesse cadastro politico "sujo" e mais, como já estava empregado na Radio Europa Livre, RARET, só lá entrava quem não tivesse tido problemas políticos.

Assim, embora curioso, mas um tanto contrafeito, lá fui à porta e encontro 4 rapazes, mais ou menos da minha idade, 47 anos, em que um me mostra o seu cartão da PIDE, com um sorriso amarelo estampado no rosto... e me diz que havia corrido Benavente naquele domingo de festa da terra, à procura de quem lhes pudesse reparar o carro, um VW carocha, que tinha uma avaria grave e lhes tinham informado que em Benavente e, num Domingo, só havia uma pessoa capas de tentar dar-lhes uma ajuda e, essa pessoa seria eu...

"Isto é que vai uma açorda..." , pensei eu, ainda com os restos dum pêssego na mão, toda besuntada....

Eu era muito conhecido na terra e muita gente sabia que eu estava sempre metido não só em questões electrónicas, mas também eléctricas e mecânicas, com antenas em cima do telhado e outras mecânicas estranhas...

Quem já viu um VW Carocha, sabe perfeitamente, que tem o motor atrás e a correia de ventilação e carga de bateria, está logo ali à vista.

Aberto o compartimento traseiro, onde se encontrava o motor, logo verifiquei que se tinha partido o tambor da correia de arrefecimento do motor e carga da bateria. Como o motor tinha vindo a trabalhar sem arrefecimento algum..até dava estalos e cheirava muito a quente... deitando fumo por todos os lados ! Estava ali uma boa açorda....

Aquilo me pareceu realmente muito complicado, pois o ideal seria tirar o motor fora e colocar um novo tambor, coisa que eu não poderia fazer sozinho, nem obter o material necessário ...mas pensei que sendo um trabalho muito complicado para mim, seria preferível tentar soldar o tambor, até porque tinha construído já há tempos, uma máquina de soldadura eléctrica e convidei-os a empurrarem o carro para as traseiras da casa, onde eu tinha estado minutos antes, a saborear uns belos pêssegos, o que eles logo fizeram e onde eu poderia ligar a máquina da soldadura mais facilmente.

Havia que centrar o tambor exactamente no sitio, o que foi facilitado por ele se ter partido perto da porca de cambota e lá deixado uma rebarba, ali mesmo à mão. Assim, só poderia ser ali naquela posição e vai de pingar aqui, depois ali, mais pancadinha dum lado, mais pancadinha do outro, para a manter o mais desempenada possível e lá fui soldando o melhor possível o tambor da correia, sempre com cuidado para que o motor não se incendiasse com as faíscas da soldadura... para o que havia arranjado uns trapos encharcados em água fria, para tapar o carburador e tubagem de combustível.

Enquanto estava a fazer aquele trabalho, um deles, vendo tantos pêssegos bem maduros e aromáticos, ali mesmo à mão, pediu-me se podia comer um e como foram postos a-vontade, atiraram-se a eles, como se já não comessem há muitos dias... e sempre a elogiá-los de qualidade ! Aquilo era bom demais !!!

Ao fim duma hora de tentativas e reforços das soldaduras, colocando panos encharcados de água fria, para tentar poupar o estanque da cambota, foi colocada a correia e dada ordem de marcha ao motor, que logo arrancou com a sua ventilação e carga e ali esteve um certo tempo a funcionar para eu me aperceber da resistência das precárias soldaduras.

Tudo parecia o suficiente para que eles pudessem seguir viagem, embora lentamente, o que aconteceu de seguida, indo eles todos besuntados dos meus ricos pêssegos, mas antes de partirem ainda me deixaram um cartão, informando-me de que se algum dia tivesse problemas políticos, bastaria falar para aquele número e lá se foram embora.

E lá fiquei a pensar, "fazer o bem sem ver a quem..." , mas ainda hoje nem sei se teriam chegado ao seu destino, porque nunca mais ouvi falar deles.

E ESTRAGARAM O EMISSOR DA LEGIÃO PORTUGUESA...

A Legião Portuguesa foi por volta de 1945, uma actividade política-militar, a que o nosso Presidente Salazar, muito acarinhou.

Era Legionária, qualquer pessoa que pudesse dedicar algum tempo da sua actividade diária, em aprender a conduta militar e estar pronta a qualquer eventualidade que pusesse em perigo, o nosso governo de então.

Assim, de todos os quadrantes civis, apareciam pessoas interessadas, até porque as suas fardas lhes davam um certo gabarito e estatuto social. Eram pessoas a quem se tinha de ter um certo respeito...

Mas eram os "parentes pobres" do regime e eram escolhidas as pessoas mais gradas das terras, para os orientar, reunir e ensinar, sempre protegidas por intenso secretismo.

Entre as várias actividades que tinham, eles tinham de se treinar em comunicações e o governo de então, só lhes conseguiu arranjar equipamentos emissores e receptores baratos e, como os seus conhecimentos teóricos e práticos, eram muito reduzidos, ou até nulos, as suas comunicações não podiam brilhar, como eles tanto desejavam.

Por essa altura, até os radioamadores já possuíam equipamentos que se comportavam perfeitamente ao longo de todo o país, pelo que era fácil escutá-los, em especial na banda dos 80 metros, 3730 KHz, conversando e trocando as suas experiências e os seus conhecimentos.

O receptor mais barato que existia naquele tempo, era o ECHOPHONE, EC-1B, receptor especialmente feito para as ondas curtas e metido dentro duma caixa metálica, e dava para funcionar em todas as várias frequências dos radioamadores, e não só, mas estes operadores, há muito que os tinham substituído por unidades cada vez melhores. No entanto, como a Legião Portuguesa, só funcionava nos 80 metros, ali perto dos 3850 KHz, aquilo era perfeitamente utilizável e tinha muito boa sensibilidade, ou seja, podia escutar até estações muito fracas.

Mas a falta de preparação tecnológica para as telecomunicações, não contribuia em nada, para que tivessem as comunicações facilitadas, até porque, ao que parece, pouco ou nada sabiam das antenas mais recomendáveis.

Assim, e em especial para os emissores, aquilo era uma lástima e o governo havia mandado construir imensos emissores de muito fácil operação, sem qualquer botão de afinação no seu exterior, para que os inexperientes funcionários, não os pusessem em perigo. Aquilo era um caixote de alumínio, em que todas as afinações só poderiam ser feitas por pessoal adestrado, que não abundava, até por que teriam de ser também Legionários, e tinham de usar chaves de fenda, depois de desencravar os seus comandos. Para facilitar, ele só irradiava numa frequência, a cristal.

Possivelmente até teriam informado os Comandantes, para que ninguém tivesse acesso ao seu interior, para que não fosse conhecida a sua frequência...coisa estúpida, dado que qualquer receptor que tivesse a banda dos 80 metros, os poderia ouvir...

Como a sua frequência de trabalho, era muito próxima da dos radioamadores, eles bem podiam ouvi-los, mas não podiam falar com eles nem pedir-lhes conselhos. Mas como aquela banda, tinha boa propagação diária, e para todo o país, sempre havia muita malta na conversa sobre o que estava a fazer, as antenas que usavam e experimentavam a toda a hora.

Perante as facilidades com que os legionários verificavam que os amadores trocavam as suas mensagens, até julgavam que estes teriam equipamentos de muito maior categoria da que o governo lhes tinha entregue...dado terem sempre muita dificuldade em fazer as suas comunicações para o Quartel General em Lisboa.

Assim, as mensagens tinham de ser repetidas várias vezes, até que pudessem ser confirmadas.

Foi numa destas situações, em que os Legionários a cerca de 80 Km de Benavente, por terem entregue o emissor a um "expert", ficaram mesmo sem o seu emissor que, de mau, passou a péssimo e até deitou fumo...

Um dos legionários em serviço nessa terra, era um dos condutores de transporte de pessoal da RARET e, sabendo que eu, como técnico na RARET e radioamador CT1DT, tinha facilidade em construir e reparar o meu equipamento, seria a pessoa ideal para reparar o emissor deles e assim um dia, me aparece um Jeep à porta, em que o seu Comandante, pessoa enorme, com mais de 140 Kg. me conta a desgraça do seu rádio-emissor e das dificuldades que isso lhe estava a proporcionar, mas pedindo-me para guardar profundo segredo...

De imediato fui constatar que o referido "expert" tinha achado estranha uma fonte de tensão Negativa no emissor, e logo a alterou para Positiva, sendo que a partir dessa altura, nunca mais o emissor havia funcionado. Como a tensão negativa era absolutamente lá necessária para colocar as válvulas 807 em classe "AB2", na modulação, e as duas do Andar Final em "Classe C", aquela troca foi o fim das caras válvulas...

Assim, e enquanto o Comandante foi de imediato a Lisboa comprar as 4 válvulas necessárias, eu fiquei a investigar o comportamento de todo o emissor e tendo trocado certos condensadores que estavam com fuga e algumas resistências que estavam muito alteradas de valor.

Assim, e usado um osciloscópio na observação do equipamento, mal as válvulas chegaram e ajustadas as tensões negativas para os seus valores correctos, mal se colocaram as 807, o emissor começou logo a funcionar perfeitamente e irradiando 100 W. Trocado o cristal por um para a banda dos radioamadores, que era mesmo ali ao lado, como já foi referido, e feita uma chamada Geral, de imediato vieram confirmações de óptimo sinal e qualidade de áudio, para grande regozijo do Comandante que estava ali presente. Claro que eu estava a usar a minha antena.

Não havia dúvida, tanto de Lisboa, como do Porto e Algarve, os controles era magníficos !

Havia só que ir observar a antena que eles tinham montado e que era um simples pedaço de fio caído pela janela abaixo...

Assim, feitos os simples cálculos para aquela frequência, o Comandante logo mandou a rapaziada que se havia juntado, muito curiosa, para irem comprar o fio necessário, bem como isoladores e cabo coaxial para a baixada, e em pouco mais de meia hora, já lá estava montada a antena no alto de dois edifícios, pronta a ser usada.

Como eu já possui um medidor de SWR para a verificação do estado da antena, de imediato pude verificar que a antena estava óptima e feitos os ajustes com uma chave de fendas, atirei com a potência daquele PA à antena e tudo parecia correcto. Assim, fiquei à espera da hora das comunicações deles com o Quartel General, que era daí a meia hora, pelas 19:30...se bem me lembro.

"E quem é o operador ?" ; perguntei eu.

De imediato me apresentaram um rapaz muito novo, magro e até meio gago, mas quando lhe coloquei o microfone em frente, ele já ia começar aos berros, quando eu lhe disse para falar ao nível normal...o que ele muito estranhou, pois estava habituado a ter de berrar, para chegar a Lisboa. Além disso, eu lhe havia recomendado para só chamar UMA VEZ, se a frequência estivesse livre.

Toda a gente estava atenta aos seus relógios, para aquela "prova de fogo", quando o Comandante informa o operador, para fazer a chamada.

Todo nervoso, o nosso rapazote, enche os pulmões de ar e lá deixou sair a sua chamada:

"CSXPTO (ou coisa parecida) chama o Quartel General CSRPT( ou coisa parecida) e passa à escuta.

De imediato uma voz de trovão enche a sala com Lisboa a dizer: "Forte e claro. Envie o seu serviço."

Uma onda de alegria exagerada, ouviu-se da malta toda presente, que foi logo mandada calar pelo Comandante.

Como o tráfego era confidencial..., logo me despedi e vim-me embora.

Aquela estação ouvia-se tão forte em todo o país, que todos os outros agrupamentos dos legionários, passaram a pedir ajuda e reencaminhamento das suas mensagens para Lisboa. Assim, aquela estação passou a ser considerada o Quartel General fora de Lisboa, e passados uns meses, Lisboa foi lá e caçou-lhes o equipamento, tendo lá deixado um mamarracho muito velho, mas como a antena era óptima, as comunicações continuaram a fazer-se suficientemente bem, até que a evolução politica se alterou e deixaram de existir os Legionários...

Estávamos agora, em 1975.

sábado, 7 de julho de 2007

E CEGOU DE TRISTEZA...

Durante muitos anos, sempre julguei que a expressão "cegar de raiva", seria uma força de expressão, mas depois de ter conhecido os meus familiares mais antigos, vim a saber que não: poderia mesmo, ficar-se cego de tristeza !

Quando se tem a sorte de atingir uma idade avançada, como eu, aos 80 anos, e sem se querer, cada vez mais interesse se tem pelas nossas origens e isso me levou a aprofundar o historial não muito distante, da minha família e ter conhecimento de factos que estavam pouco claros ou até, alguns, desconhecidos para mim.

Isto me levou à INTERNET e lá fui descobrir coisas muito interessantes sobre os meus familiares que se começaram a conhecer na Ilha da Madeira; a família Ferraz.

Obviamente que me iria meter numa grande confusão, porque há Ferraz por todos os lados, e muito em especial no Brasil. Ná, eu teria de saber coisas mais recentes, e não ir parar a 1600 ou 1700...

Assim, e já sabendo que um meu tio, vivido em 1856 e era o dono duma importante fábrica de açúcar naquela ilha, fui encontrá-lo em "Açúcar na Madeira" e ele lá estava, logo à cabeça da página, como Severiano Alberto de Freitas Ferraz, com a sua fábrica em Ponte Nova, no Funchal ! Eu já estava em casa, no seu palácio !

Ele se tinha casado com uma senhora D. Leonor Terêncio Vieira, em 1817, e tiveram 7 filhos. Um deles, era o meu bisavô João Higino Ferraz, que ficaria a ajudá-lo na fábrica do açúcar.

Aqui o meu leitor se estará a sentir um pouco morno de entusiasmo, mas já lá vamos ao que mais importa nesta crónica, a « cegueira dada pela tristeza», mas ainda tenho umas voltas a dar...

Foi por esta altura, 1856, que um inglês, de nome W. Hinton, foi parar à Madeira e para nosso azar, foi meter o nariz na fábrica do açúcar, tendo logo depois, feito uma sociedade com maquinaria toda nova e vai de fazer uma guerra atroz a meu tio, pagando muito mais aos fornecedores da cana do açúcar, do que meu tio poderia. Para meu tio, era uma guerra muito suja, mas que poderia aguentar-se por mais algum tempo, mesmo a perder dinheiro...

Para meu tio, o Hinton tinha de estar a perder dinheiro com o que estava a pagar e isso o levou a um profundo desgosto, em especial porque não via a possibilidade de continuar a viver assim, pelo que se enfiou no escritório dias e dias e acabou por se suicidar com um tiro de pistola.

Entram em cena os credores que levam todos os haveres da família, só deixando a casa e um piano de cauda que ele havia ofertado à minha avó e que veio a ser a salvação da nossa família daquele lado.

Minha avó, Leonor Esther de Carvalho Ferraz, era a mais velha de todos, embora só com 18 anos, tinha um irmão muito meigo e sensível, um artista, e nada atraído pelas mecânicas, e que havia aprendido a tocar violoncelo com um professor irlandês que havia ido para a Madeira, à procura de se salvar duma tuberculose pulmonar, que o havia agarrado, e era este irlandês que também era professor de música da minha avó.

Assim, com tanta falta de dinheiro, e sem a possibilidade de continuar a pagar-lhe as lições de música, minha avó foi confessar-se ao irlandês das suas tremendas dificuldades financeiras, mas o professor, que já gostava muito dela, e dos seus dotes no piano, não só não lhe exigiu mais um tostão, mas também lhe começou a enviar alguns dos seus alunos.

Aquilo ia dando para viver, mas havia que fazer algo pelo irmão José Ferraz, que se andava a mostrar muito entusiasmado pela medicina e pela música, em especial o violoncelo. Só que o dinheiro não dava e lá vai o José para os Pupilos do Exército, cursar a tropa, que tanto abominava... e, às tantas, começou a cegar, perante a grande confusão da medicina de então, que foi consultada. Como já não servia para o exército, foi suspenso e voltou à Madeira, imensamente triste.

Como não se encontrava nada na vista do rapaz, aquilo só poderia ser algum grande desgosto que o rapaz teria e aí minha avó se lembrou de que ele só queria estudar medicina, curso muito caro, mas como o número de alunos havia aumentado, lhe pareceu que poderia tentar ajudá-lo a fazer medicina e assim aconteceu, vendo o José voltar a possuir lentamente, a visão.

Certamente que minha avó seria um pouco mais nova do que nesta imagem, mas desde logo muito nova, passou a ter cabelos brancos prateados que conservou até aos 85 anos. Tenho pena de não possuir uma sua fotografia aos 18 anos, mas dizia-se que era das mulheres mais lindas do Funchal...

O curso de medicina estava a exigir muito do José e, porque não possuía dinheiro para os livros, refugiava-se na biblioteca da universidade e foi aí que foi encontrar também, com sérias dificuldades financeiras um colega que tinha muita habilidade para o desenho e desde aí, os dois rapazes viriam a brilhar nos seus cursos, ajudando-se um ao outro.

Esse outro jovem madeirense, tinha uma vasta família de 12 irmãos e também a paixão pela medicina, música, desenho, mecânica, caça, etc.

Ele se chamava Carlos Abel Bettencourt Leça e havia nascido em 1870, numa pobre freguesia de pescadores, de nome Madalena do Mar, no Sul da ilha da Madeira. Este rapazão, viria a ser mais tarde, em 1927, meu avô.

Esta amizade perdurou por todos os anos das suas vidas e foi nos contactos em casa do José Ferraz, que ele veio a conhecer e admirar os dotes e coragem daquela senhora D.Leonor Esther Ferraz, mais velha do que ele 8 anos.

Mas para cúmulo do azar, o seu primeiro amor, já com a data marcada para o casamento, arranja uma tuberculose fulminante e vem a falecer poucos dias antes da data marcada para o seu casamento.

D. Leonor fica completamente destroçada e incapaz de se aventurar a novo noivado, embora sentindo que aquele jovem da Madalena do Mar, a tenta cortejar a todo o custo !

Mas a pouco e pouco se sentiu atraída pelo jovem Carlos Leça, com quem viria a casar uns tempos depois, em 1894. Foi esta distinta senhora, minha avó, mulher "de armas" que se valeu de todos os seus conhecimentos, para aguentar a família, não só ensinando inglês, português e francês, além da música, que era a sua paixão.

Na ilha da Madeira, havia muitas famílias estrangeiras que procuravam o seu dócil clima e muitas jovens procuraram na sua permanência na ilha, o meio de se instruírem.

Acabados os cursos de medicina, com os mais altos valores, o Dr. José Alberto Ferraz veio para o Continente fazer clínica, como médico Municipal em Belas, e depois em Queluz e, como era um artista em medicina e música, quando faleceu, com 31 anos, em 1921, as Juntas de Freguesia de Belas e de Queluz, deram o seu nome a várias ruas, que ainda lá estão:

Dr. José Alberto Accioli Ferraz

MÉDICO

Este médico começou a ser muito admirado como violoncelista e às tantas, foi convidado por sua Exª. o Rei D. Carlos, para fazer parte do seu conjunto de música de câmara no palácio. Quando entrei pela Internet, há pouco tempo, no interior do palácio do Rei D. Carlos, hoje Museu da Ajuda, e vi a sala de música, logo me lembrei do meu tio lá assentado a embelezar os serões de Sua Majestade.

O Dr. Carlos Leça, ficou pela Madeira, vivendo em casa da esposa, mas como ainda não era conhecido, a profissão da medicina não dava para nada e ele se sentia muito frustrado por estar a viver à custa da esposa.

Assim, um dia apareceu vaga de médico num navio de carga, a que ele concorreu e logo seguiu viagem para as Bermudas, aquele malfadado triângulo das Bermudas, tendo o navio se afundado com toda a sua tripulação...

Mas valeu ao Dr.Carlos Leça, que havia sido acometido de uma apendicite aguda e ainda estava no hospital, em terra, quando o navio se afundou.

A terrível notícia logo correu mundo e a D. Leonor Ferraz, acabadinha de casar, já se sentia viúva, quando uns meses depois, vê aparecer o seu marido são e salvo das Bermudas... viajando noutro navio.

Mas infelizmente, a vida de médico novo, continuava difícil e vai de responder a um anúncio para médico em S.Miguel, Açores, para a Maia, freguesia no norte da Ilha e lá vai ele com a sua esposa para S.Miguel, cheia de tristeza por ter deixado o seu piano de cauda, na Madeira...

D. Leonor estava agora grávida do seu primeiro filho e cada dia mais triste de não se poder deliciar ao teclado do seu magnífico piano. O seu estado de tristeza profunda, em nada estava a ajudar aquele parto...

Acompanhada de sua mãe, D. Sofia Amália de Carvalho Ferraz, esta de companhia com o seu genro, e em completo segredo, decidem mandar vir o piano da Madeira e finalmente, uns meses depois, ele chega, para grande alegria de D.Leonor e Dr.Carlos Leça.

Mas na Maia, volta a acontecer a mesma dificuldade de exercer a medicina, até porque era um povo muito pobre e é durante umas das suas visitas médicas a um doente, às tantas da madrugada, que nasce o seu primeiro filho, sem a sua presença, entregue à sogra e uns serviçais. Mas felizmente que o marido, ao chegar a casa, vai encontrar tudo em silêncio e a sua esposa a dormitar, bem como o filho, a quem foi dado o nome de Francisco Assis Ferraz Bettencourt Leça.

Muitos factos desta história, foram respigados dum belo escrito intitulado "A família Ferraz", duma minha irmã, a Leonor Ferraz Bettencourt Leça Faria, hoje com 78 anos, nascida em 1928, a quem presto a minha homenagem e Maria Antónia Accioli Ferraz.

( Maria Leonor Ferraz B.Leça Faria )

Daquela Leonor Esther Ferraz, houve um irmão de nome João Higino Ferraz Jr., que dado o seu entusiasmo pela rádio, viria a ser um grande telegrafista como radioamador, com indicativo CT3AB e ultimamente o mesmo indicativo foi herdado pelo seu filho Henrique Eduardo Clode Ferraz, falecido há poucos meses.

Na foto, João Hygino Ferraz em visita ao Dr.Calos Leça, há 78 Anos, em S. Miguel.

A partir desta crónica repleta de tantas tristezas e alegrias, já o leitor pode saber a sua continuação, na crónica que se segue, "A casa cor-de-rosa", e ficou a saber que uma grande tristeza, também pode dar como resultado uma grande cegueira.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

A « CASA COR-DE-ROSA »

A casa onde eu nasci, há 80 anos, ainda lá está !

Ela lá está na lindíssima terra de Ginetes, em S. Miguel, Açores.

Do lado de lá um cabeço, onde eu fui tentar ver cair um raio e fui bem castigado, por isso...

É a história contada em 11 de Setembro de 2006 e intitulado "À espera dum raio que não me partisse ".

Parece impossível que tenham passados tantos anos, e numa terra muito dada a tremores de terra, a casa de meu avô ainda lá esteja, em perfeito estado de conservação ! Tudo tinha sido feito para durar !

Na realidade, ela foi feita com imensos cuidados de resistência, pois estava assente sobre 5000 cunhais de pedra, com cerca de um metro de comprimento e uns 50 cm de largura e altura.

Esta bela foto, foi-me enviada por uma prima que lá vive perto, a Maria Leonor Leça, e há poucos dias, contando-me como tudo aquilo está diferente de há 80 anos, estradas então de terra, agora alcatroadas, muitas outras moradias na mesma rua, Escola EB2, campos de jogos polivalentes, enfim, imensas novidades !

Nesta altura, está desactivado o Campo de Crocket, que existia em frente à casa, mas o meu primo Alberto Leça, como Vereador da Câmara, insistiu que fosse feito um outro, do outro lado da rua, quase em frente à "casa cor-de-rosa". Estes enormes campos, são muito parecidos a uma grande mesa de bilhar, em que os jogadores, munidos de tacos e bolas de madeira, obrigam as bolas a passar em certas direcções, os arcos implantados no solo. O terreno tem de ser o mais perfeito possível e é norma cobrí-lo de areia que é alisada a rodo, antes de cada jogo.

Como é óbvio, sendo uma terra vulcânica, toda a areia é preta, conforme se pode ver na foto.

Era uma casa enorme, com tectos muito altos e 6 amplas divisões a que se tinha acesso por um largo corredor central.

Mal se entrava a porta, pelo lado esquerdo, à esquerda era o quarto de meus pais e à direita, a sala, onde o piano de cauda tocava a toda a hora. A seguir era o quarto da garotada e em frente, a sala de jantar com uma enorme mesa no meio. Logo de seguida o quarto dos meus avós e à esquerda, o consultório, a que se tinha acesso voltando à direita do portão de ferro.

Um pequeno corredor, dava acesso à cozinha e uma escada para a falsa (sótão), onde podíamos brincar a-vontade.

Nesta "falsa" ainda existia o quarto da criadagem feminina, que dava acesso a essa janela em cima, e do lado oposto, uma outra janela igual, dava acesso à oficina de meu avô, com todas as ferramentas a que ele tinha acesso, como carpintaria, torno mecânico, fotografia, caça, tipografia, forja, etc. etc. Era aqui que ele "fabricava" os tacos e bolas para o jogo do crocket e fazia os brinquedos que nos ofereciam pelo Natal, e onde aprendi a manusear as ferramentas.

Quando se tem a sorte de atingir a bonita idade dos 80, como graças a Deus, me aconteceu, olha-se com grande saudade, pelo menos 70 anos atrás, quando ainda, de calções, estava na Instrução Primária...a ouvir com todo o cuidado, as explicações do meu saudoso professor, Sr. Santos. E foi ele que me deu as primeiras informações das comunicações via rádio. Como aquilo me espantava e a meu irmão Carlos Mar !!!

Ele possuía um dos primeiros rádios alimentados por uma grande caixa de pilhas, mas estava avariado e um dia nos perguntou, se o gostaríamos de possuir mesmo assim, e nesse mesmo dia, entusiasmadíssimos, o fomos buscar.

Eu carreguei com as pesadíssimas pilhas, enquanto meu irmão se ia deliciando a olhar os seus "intestinos", aquelas brilhantes válvulas, as bobines e condensadores variáveis... Nunca havíamos visto um rádio, aquela máquina estranha, que captava estações de rádio a muitos milhares de quilómetros, e meu avô, mal chegámos a casa, nos pôs a desmontar pilha a pilha, e a limparmos os bornes. Depois ele atestou cada vaso com líquidos "especiais" e ao voltar a ligar a maquina, ela começou logo a funcionar ! Que maravilha...tantas centenas de estações a fazerem pio,pio,pio (telegrafia) e outras com noticias e música.

Naturalmente, no dia seguinte, logo fomos informar o professor Santos, de que a máquina já estava a funcionar e aí eles nos explicou como deveríamos fazer uma grande antena, e até nos ofertou uma folhinha de papel, com uma data de risquinhos e pontinhos, que ele dizia ser o código de Morse, aqueles pios,pios, pios, que se ouviam aos milhares. Meu irmão, mais velho do que eu 3 anos, logo a agarrou e fomos construir, com a ajuda de meu avô, duas "chaves de Morse", para podermos "falar" um com o outro à distância duma centena de metros . Estávamos lançados na rádio !!!

Mas, ao relembrar esta remota época, vem-me à ideia o porquê de ele, meu avô, ter escolhido os Ginetes para viver, quando era um médico madeirense e ainda por cima, naquele sítio; foi muito bem escolhido !

Ele tinha estado a viver uns tempos, no lado Norte da Ilha, na Maia, mas aquilo lhe dava imenso trabalho e poucos proventos. Assim, resolveu um dia, dar uma volta a oeste da ilha, no seu "char-a-banc", porque estava uma vaga aberta de médico, naquelas zonas. Assim, percorreu todo o lado Oeste, até aos Mosteiros, onde um retornado emigrante lhe disse que o melhor seria escolher os Ginetes, porque ficava no centro de todas as freguesias. E assim aconteceu.

A freguesia dos Ginetes, talvez seja das muito poucas em S. Miguel, que não tem vista para o mar, o longo mar do Oceano Atlântico . Ela está implantada num grande vale de vários hectares, com muitos terrenos de cultivo de milho e naquele tempo, na minha rua, só existia a "casa cor-de-rosa" e mais adiante, a do meu tio Assis, do mesmo lado. Na foto baixo, só se consegue ver uma parte da realidade e ela foi tirada de cima do grande morro, que separar os Ginetes, do Oceano Atlântico.

Por todos os lados, eram terrenos separados por combros, de vários donos, onde as parelhas de bois, lentamente mas possantemente, iam puxando os arados que reviravam a terra fofa , enquanto os estorninhos ávidos de minhocas, esvoaçavam alegremente aos pés dos lavradores, sempre a mudar de sítio, na procura das grandes minhocas que eram postas a descoberto pelo arado. Eles eram aos milhares, muito parecidos com melros pretos, mas não cantavam nem ninguém lhes fazia mal.

Aqui e mais além, outras belas casas só serviam para férias de verão, de pessoas mais abastadas de Ponta Delgada, que também encontraram nos Ginetes a terra ideal, para as suas férias e alguns eram donos daqueles terrenos de cultivo, onde o milho alcançava mais de 2 metros de altura, com 3 e 4 massarocas enormes em cada pé. Para que cada pé conseguisse aguentar tal peso, tinham o diâmetro dum pulso de adulto, e estavam todos dispostos por forma a que se pudesse andar por entre eles, como numa floresta cheia de árvores... e nós corríamos entre eles, miúdos, mas ficando com a cara toda arranhada pelas folhas... quando não descascávamos um pé, para chupar, como se de uma enorme banana se tratasse... e se aquilo era doce...mais parecia "cana de açúcar".

Pela altura da sua apanha, o operariado ia arrancando as massarocas e transportando-as para um carro de bois, dotado de sebe alta. Depois eram descarregadas junto duma armação, chamada Granel, e se tirava só parte da folhagem, que era "rasgada" ao meio, com um grande prego aguçado, e se pendurava no granel, onde ficava todo o ano, à chuva e ao Sol. Durante o ano, as mais secas eram totalmente despidas do resto da sua folhagem, para serem debulhadas. O seu milho era então levado às moagens para serem transformado em farinha.

Julgo que ainda hoje, por ser tão fértil este milho, quase só existe o enorme pão de milho e aqueles pãezinhos em que se misturava açúcar e eram a nossa alegria.

Por isso, o granel teria de ter uma forma cónica e as massarocas faziam de telhas.

Um destes visitantes, o José Manuel Raposo, deve ser o actual dono da "casa cor-de-rosa" e ele tinha de tudo o que era bom, incluindo umas belas espingardas de ar comprimido, que nos emprestava, de tempos a tempos, e foi com ela, que tanto eu como meu irmão Carlos Mar, aprendemos a fazer a pontaria e disparar. E se ele era bom naquilo !

No seu "char-a-banc", quase todos os dias, ora para nascente, Candelária ou Feteiras, ou para poente, Várzea , Mosteiros e Lagoa das 7 Cidades, lá ia meu avô , troc,troc,troc, ver os seus doentes.

Embora o "Char-a-banc" (carro com bancos) de meu avô, só tivesse duas rodas

e sem capota, também podia levar umas 6 pessoas, frente a frente, como aqui, em que as pessoas entravam por uma portinhola na traseira, e lá se iam assentando de forma a que o máximo peso, caísse sobre o rodado do carro. Era como nos aviões, em que os pesos são distribuídos de forma a manter o veiculo bem equilibrado.

A "casa cor-de-rosa" estava realmente muito bem assente no meio daquele vale, mas o seu dono, seu amigo Chalupa, nunca vendeu o terreno a meu avô. Assim, a casa estava feita em terreno alheio, mas ele não teve outra escolha ! As pessoas daqueles tempos, eram muito agarradas às suas coisas e às suas memórias.

E não se vê o mar, porque existe uma montanha entre o extenso vale e ele, montanha que mais parece um enorme ginete (cavalo) deitado. Talvez por isso, a freguesia teria ficado chamada de Ginetes, mas há muita confusão sobre a palavra.

Como a "casa cor-de-rosa" está, uma grande parte do tempo, sem ninguém, ela serviu durante algum tempo à Junta de Freguesia, e a sua parte debaixo, esteve a ser usada pelos escuteiros do sítio, o agrupamento 1065 e, à sua frente, a Escola Carlos Bettencourt Leça (meu avô), que lecciona até ao 9º ano, toda a juventude, desde os Mosteiros às Feteiras, e 7 Cidades. Depois de tantos anos, continua a ser o centro nevrálgico de toda aquela zona.

Neste subterrâneo, podem ver-se e apalpar-se os milhares de blocos de pedra dos alicerces, como se, de enormes tijolos se tratassem.

Quando em 1900, a terra foi agitada com a chegada de meu avô, também lá apareceu um seu amigo íntimo, pessoa robusta, vinda da Maia, e que era o farmacêutico, o Sr. Moniz, pelo que a «Pharmácia» passou a ser não só para medicamentos, mas também Central dos Correios e uns anos depois, de telefone, o único que lá existia, em 1936. Era ao mesmo tempo, o sítio onde se reuniam para boas conversas, as pessoas mais gradas da terra.

Este Sr. Moniz, foi o pai duma distinta família Vargas Moniz, onde 4 filhos, eram visitas habituais da nossa casa, e amigos íntimos da mocidade da minha mãe. A sua morte prematura, com 48 anos, fez com que a sua família, se tivesse de ir embora dos Ginetes, para a Ribeira Grande, passando por Ponta Delgada, mas ao passar o cortejo fúnebre em frente ao Liceu, os cavalos estancaram e dali não queriam sair... Essa situação estranha, foi interpretada como um chamamento Divino, para que os filhos se interessassem pelos estudos, o que foi conseguido, pelas gerações seguintes e até hoje. Só por curiosidade, um dos bisnetos deste "Pharmaceutico" Moniz, hoje Eng. Químico em Almada, Jorge Vargas Moniz, ao descobrir estas histórias do meu Blog, se tem mostrado interessadíssimo em conhecer toda a sua família de então, e o ambiente que então se vivia.

Um destes 4 filhos, o Rogério Vargas Moniz, chegou a Director Técnico do Arsenal do Alfeite, e que deu origem neste Blogue, ao artigo "Meu amigo Eng. Rogério Vargas Moniz", publicado em 25/3/2007, e outro irmão, o Jacinto Vargas Moniz, um importante médico obstétrico em Lisboa.

A freguesia dos Ginetes é ladeada de enormes e profundas GROTAS, impenetráveis, devido à imensa vegetação, lugares paradisíacos, onde a mão do homem só lá tem entrado, para ajudar a admirar a sua beleza !

A nossa televisão, a TVI, tem aproveitado a sua estadia em S. Miguel, onde filmou uma tele-novela a que deu o nome de "Ilha dos Amores", muito bem feita e interpretada genialmente por muitos artistas do Continente. Talvez que a "Mariana" tenha estado aqui, descalça e alegre, nesta grota, tomando banho.

Como já referi, a "casa cor-de-rosa" tem um subterrâneo a toda a extensão da casa, embora com uma parede de reforço central, e que só tinha entrada pela cozinha, onde um alçapão se retirava e umas escadas davam acesso ao seu fundo. Na minha época, como não havia luz eléctrica, aquilo era escuro como breu. A luz da rua, só lá entrava, por uns pequenos gradeamentos laterais, ao nível da rua, só para manter um certo arejamento. Achei muita graça que a minha prima me tivesse aludido que o agrupamento dos Escuteiros 1065, de que ela faz parte, lá estivesse a usar este enorme salão, certamente com jogos e outras actividades, tudo bem iluminado, agora electricamente, e limpo, mas sem qualquer luz da rua. Nesta altura, já a casa está novamente devoluta, porque a Junta de Freguesia e os Escuteiros, arranjaram casa noutro sitio.

Para se ter de lá entrar, tinham de usar a porta que era da cozinha para a rua, onde está a escadaria de pedra, tendo sido fechada, certamente, a porta que dá acesso à casa "cor-de-rosa", propriamente dita.

Eles agora lhe chamam "cave", mas há 80 anos, aquilo se chamava "subterrâneo" e, só não íamos todos para lá brincar, porque aquilo até metia medo de escuro e tinha muitas teias de aranha... mas ainda me lembro de ter lá encontrado um baú velho e de onde arranquei a tampa, para fazer de barco, no enorme tanque de lavar a roupa ! E se aquilo me dava gozo ! Era o meu "navio" , embora me deixasse o rabo todo molhado...

Tinha eu uns 6 ou 7 anos...

Foi uns anos antes desta fotografia.

Em frente à "casa cor-de-rosa" está-se a abrir, perpendicularmente, um rua, onde irá ficar o Corpo de Bombeiros. Já estou mesmo a ver; quando o quartel dos Bombeiros lá estiver, mesmo em frente à "minha casa", quando houver toque a rebate...nunca mais haverá lá, quem pregue o olho, e lá se vai o silêncio idílico dos Ginetes... Progressos ...hi hi hi

Como os Ginetes estão mudados !