terça-feira, 17 de julho de 2007

E A PIDE BATEU-ME Á PORTA...


Era um belo dia de verão de 1960...

No meu minúsculo quintal cimentado, eu havia deixado um pequeno canteiro numa esquina, onde havia plantado um caroço de pessegueiro que muito me havia agradado e com o decorrer de poucos anos, havia nascido um lindo pessegueiro que logo, ainda miniatura, se começou a encher de lindos pêssegos e de tal forma, que o seu peso fazia vergar os seus frágeis ramos até que os imensos frutos tocavam no chão !

Aquilo até era lindo de ver !

Estava eu a deliciar-me com alguns desses frutos amarelos, doces, aromáticos e sumarentos, quando minha esposa me aparece, com ar muito preocupado, dizendo que estavam à porta uns senhores da PIDE a querem falar-me...

Naquela época, falar-se de PIDE, assustava qualquer um, mesmo que um pacato cidadão.

Estranhei bastante essa visita, até porque sendo radio-amador, só eram concedidas licenças a quem não tivesse cadastro politico "sujo" e mais, como já estava empregado na Radio Europa Livre, RARET, só lá entrava quem não tivesse tido problemas políticos.

Assim, embora curioso, mas um tanto contrafeito, lá fui à porta e encontro 4 rapazes, mais ou menos da minha idade, 47 anos, em que um me mostra o seu cartão da PIDE, com um sorriso amarelo estampado no rosto... e me diz que havia corrido Benavente naquele domingo de festa da terra, à procura de quem lhes pudesse reparar o carro, um VW carocha, que tinha uma avaria grave e lhes tinham informado que em Benavente e, num Domingo, só havia uma pessoa capas de tentar dar-lhes uma ajuda e, essa pessoa seria eu...

"Isto é que vai uma açorda..." , pensei eu, ainda com os restos dum pêssego na mão, toda besuntada....

Eu era muito conhecido na terra e muita gente sabia que eu estava sempre metido não só em questões electrónicas, mas também eléctricas e mecânicas, com antenas em cima do telhado e outras mecânicas estranhas...

Quem já viu um VW Carocha, sabe perfeitamente, que tem o motor atrás e a correia de ventilação e carga de bateria, está logo ali à vista.

Aberto o compartimento traseiro, onde se encontrava o motor, logo verifiquei que se tinha partido o tambor da correia de arrefecimento do motor e carga da bateria. Como o motor tinha vindo a trabalhar sem arrefecimento algum..até dava estalos e cheirava muito a quente... deitando fumo por todos os lados ! Estava ali uma boa açorda....

Aquilo me pareceu realmente muito complicado, pois o ideal seria tirar o motor fora e colocar um novo tambor, coisa que eu não poderia fazer sozinho, nem obter o material necessário ...mas pensei que sendo um trabalho muito complicado para mim, seria preferível tentar soldar o tambor, até porque tinha construído já há tempos, uma máquina de soldadura eléctrica e convidei-os a empurrarem o carro para as traseiras da casa, onde eu tinha estado minutos antes, a saborear uns belos pêssegos, o que eles logo fizeram e onde eu poderia ligar a máquina da soldadura mais facilmente.

Havia que centrar o tambor exactamente no sitio, o que foi facilitado por ele se ter partido perto da porca de cambota e lá deixado uma rebarba, ali mesmo à mão. Assim, só poderia ser ali naquela posição e vai de pingar aqui, depois ali, mais pancadinha dum lado, mais pancadinha do outro, para a manter o mais desempenada possível e lá fui soldando o melhor possível o tambor da correia, sempre com cuidado para que o motor não se incendiasse com as faíscas da soldadura... para o que havia arranjado uns trapos encharcados em água fria, para tapar o carburador e tubagem de combustível.

Enquanto estava a fazer aquele trabalho, um deles, vendo tantos pêssegos bem maduros e aromáticos, ali mesmo à mão, pediu-me se podia comer um e como foram postos a-vontade, atiraram-se a eles, como se já não comessem há muitos dias... e sempre a elogiá-los de qualidade ! Aquilo era bom demais !!!

Ao fim duma hora de tentativas e reforços das soldaduras, colocando panos encharcados de água fria, para tentar poupar o estanque da cambota, foi colocada a correia e dada ordem de marcha ao motor, que logo arrancou com a sua ventilação e carga e ali esteve um certo tempo a funcionar para eu me aperceber da resistência das precárias soldaduras.

Tudo parecia o suficiente para que eles pudessem seguir viagem, embora lentamente, o que aconteceu de seguida, indo eles todos besuntados dos meus ricos pêssegos, mas antes de partirem ainda me deixaram um cartão, informando-me de que se algum dia tivesse problemas políticos, bastaria falar para aquele número e lá se foram embora.

E lá fiquei a pensar, "fazer o bem sem ver a quem..." , mas ainda hoje nem sei se teriam chegado ao seu destino, porque nunca mais ouvi falar deles.

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