quarta-feira, 29 de agosto de 2007

OS « PEÕES DE BREGA » da VIDA



(Relembrando meu irmão, o falecido Carlos Mar Bettencourt Faria, CT1UX - CR6CH )
A vida de certas pessoas, é muito parecida com a que têm os toureiros…

Uma pessoa sente-se atraída pelo esplendor da glória e atira-se desde jovem, para uma luta desigual, na tentativa de se colocar no centro dos aplausos, no centro da sua “arena” !
Não foi por acaso que os grandes génios se distinguiram dos demais, embora alguns, só muitos anos depois das suas mortes, fossem reconhecidos.

Vivendo no Ribatejo, vejo nitidamente que, para uma pessoa se transformar num toureiro, nunca o conseguirá, se não tiver escolhido uns bons peões de brega, aqueles bem vestidos jovens, que mais parecem toureiros desajeitados… apoderados e campinos e, para uma tourada bem à portuguesa, até tem de levar Moços de Forcado, no final. Mas no fim do “trabalho”, ele vai dar a volta à arena, ajudando um pouco a sobressair o forcado mais feliz da pega.

Também meu irmão só conseguiu destacar-se dos demais, por ter tido a habilidade de escolher uns bons colaboradores, uns bons e admiráveis “peões de brega”. Ele nasceu com uma necessidade imensa de ser admirado e sabia que, para tal, teria de trabalhar muito além dos comuns mortais.


Meu pai, que era da mesma têmpera, até puxou demais dele…e acabou por perdê-lo, porque meu irmão sempre desejou e lutou, para ser ele sempre, a ficar em cima do cavalo….nunca por baixo...


Quase sem dar por isso, foi-se colocando cada vez mais no centro da “arena”, sempre acompanhado por perto dos seus peões de brega, para
que, às suas ordens, fossem colocando os touros em melhor posição, observando cuidadosamente, as suas investidas.
Quando me apercebo do prazer que ele sentia em sentir-se no centro da sua “praça”, a tocar piano para uns tantos, tempos sem fim, ou a falar ao microfone para milhares de outros tantos, a difundir os seus conhecimentos científicos, tanto em electrónica, como em astronáutica, ou a recolher as assinaturas das pessoas que o iam visitar para o admirar, cada vez melhor entendo a sua empolgante e curiosa vida !

Afinal, quando um escritor enche as suas prateleiras de livros por si escritos, também está à procura daqueles inebriantes aplausos de reconhecimento público e, quantos mais livros escreve e vende, mais se sente realizado.
Ao fim e ao cabo, o que todos procuramos é uma situação de destaque perante os demais.

E, tal como acontece aos bons toureiros, um dia, seguros da sua competência, voltam as costas por segundos, ao “touro” que ainda num esforço hercúleo, lhe dá uma valente cornada, mandando-o para o outro mundo, sempre depois de ter atingido a sua glória, às vezes ainda com muitos anos na sua frente para viver…
Foi num momento destes, que ele foi apanhado distraído, em Angola, em Julho de 1976, quando foi barbaramente assassinado.

Com os músicos, também acontece a mesma coisa…aquela vontade enorme de serem melhores do que os outros, vão gastando as suas vidas a tocar os seus instrumentos incessantemente, noite e dia, sempre na mira de serem admirados e aplaudidos.
Estes músicos só necessitam dos “peões de brega” para lhes afinarem convenientemente os instrumentos, ajudarem a preparar os palcos, a afinar os amplificadores de potencia de áudio, a colocar as fortes luzes bem apontadas, mas quando mais tarde se encontram numa sala com milhares de pessoas a ouvir as suas interpretações e a rodearem-no do carinho dos seus aplausos, sentem o prazer enorme da fama !
Os maestros que se destacam, só o conseguem, se tiverem à sua volta, um bom naipe de “peões de brega” bem treinados, mas que nunca chegarão a Bons Maestros.

Um solista de fama, também só o consegue, se estiver rodeado destes “peões de brega”…não só os instrumentistas, como o seu Maestro e a assistência.
Ao fim e ao cabo, o que as pessoas procuram, é o consenso comum das suas lutas por uma vida diferente e notável…

domingo, 12 de agosto de 2007

O PAPÁ ARRANJA....






A VELHA HISTÓRIA DO "ACUMULADOR"








Aqui há pouco tempo, fui encontrar numas Selecções, um artigo sobre as pessoas que sofrem da "Doença" de guardar tudo, sempre com a ideia doentia, de que um dia irão ter necessidade delas e ainda, ao lê-lo, me ri um bocado sozinho...porque sentia que tinha aquela "doença terrível"...

Na realidade, não sei ainda se, desgraçadamente, eu não teria sido contagiado por esta doença desde criança, mas com o decorrer dos anos, fui encontrando imensa gente que sofre desta mesma "doença" e que chegam a velhos, sem se conseguirem curar...
Segundo os cientistas, é mesmo uma doença grave e sem cura...

Provavelmente, serão as pessoas com menos possibilidades financeiras, que vivem desejosas de possuir coisas que outros mais abonados acabam por deitar ao lixo, talvez até por terem pouca habilidade manual, e se uma pessoa nasce com alguma habilidade para se desenrascar, mesmo sem dar por isso, agarra a doença, e em especial se tem sítio onde possa guardar esse "lixo" que lhe vai aparecendo à frente, sempre com a ideia de que um dia, poderá vir a ter necessidade dela, já está agarrado...

O que é mais curioso, é que mesmo que se evolua nas possibilidades financeiras, o raio da "doença" está lá dentro e se acaba por meter as mãos nas coisas, sempre com pena de deitar ao lixo máquinas valiosas, que outros não conseguiram reparar ou até já estariam fartas das avarias e, sem espaço em casa, não têm outro remédio que não seja enviá-las para o lixo.

Estes "doentes", se conseguem espaço disponível para guardar tralha, ali a vai conservando, sempre com a ideia de que um dia virá a ser necessária e isso, mais dia, menos dia, acontece, encontrando-se uma alegria especial e incontável, em de duas peças avariadas, conseguir uma a funcionar bem, e de graça.

Eu sou realmente, um destes acumuladores, em especial porque sendo muito curioso, sinto que, antes de enviar ao lixo qualquer coisa, terei de a observar por dentro, cuidadosamente, mesmo que isso leve horas a fazer, porque em cada montagem, há soluções muito interessantes para aprender e, como já não há o perigo de estragar mais, pode-se ver tudo cuidadosamente.
Certamente que estas inspecções, ensinam imensas coisas que nunca mais se esquecem. É por isso que, quando os filhos aparecem com o "papá arranja", eles sentem que o papá sempre deve ter uma solução que a mais ninguém lembrou e até nem compreendem que aqueles importantes ensinamentos, levaram muitos anos a possuir.

Alguns dos nossos filhos ficam extasiados ao ver funcionar novamente os seus brinquedos e acompanham, todos interessados, a sua reparação e perguntando como me lembrei daquela solução ou porque tinha sempre uma resposta "na manga"... e por isso, alguns acabam por ficar contagiados com a "doença", em especial se ao crescerem, conseguem espaço em casa para guardar lixo...

Mas outros, não apresentam essa curiosidade de assistir às soluções, e preferem mandar ao lixo, a menos que seja alguma coisa exageradamente valiosa.

Ainda há pouco tempo, um dos meus filhos entrou pela casa dentro, com um grande candeeiro na mão e dizendo que o comando electrónico de variação progressiva de luz, se tinha avariado, e estava muito pesaroso, porque não estava inclinado para mandá-lo ao lixo. Ele sabia que eu teria uma solução qualquer e propoz-se ajudar. Assim, pegou numa chave de fendas e abriu o comando que só tinha poucas peças no seu interior e quando lhe dei um golpe de vista, logo pensei que deveria ser um elemento chamado TRIAC que todos estes comandos têm de possuir e eu até tinha no meu "lixo", uns retirados e guardados, para umas eventuais utilizações.

Assim, dessoldado o que lá estava dentro e ressoldado o que cá tinha e eu sabia que teria a potência suficiente para a lâmpada em uso, passados poucos minutos, ele todo eufórico, vê o comando novamente a funcionar e lá se foi todo contente, dizendo; eu bem sabia que o pai tinha uma solução...

De outra vez, a minha filha que tinha comprado um aspirador/lavador, coisa que eu nunca tinha visto por dentro... e a dizer-me que aquilo deixava sair água por todos os lados e o representante, um Supermercado, lhe recomendava que comprasse outro, porque a reparação era muito cara... ali fui eu estudar a máquina, até descobrir como aquilo funcionava, facto que muito me estava a interessar conhecer.

Vai de ver por cima e por baixo, por todos os lados e pensado que aquilo deveria ter uma anilha estanque de borracha num certo sítio e, como no meu "lixo" há sempre borrachas à espera, lá escolhi uma e depois de tudo montado, vai de experimentar a máquina, a qual se comportou com enorme êxito, pois metido o detergente e a água, a minha filha logo a passou na carpete onde eu tinha estado a trabalhar, e eu a assistir, e a lavou em poucos segundos, mostrando a enorme quantidade de porcaria que a água de retrocesso, toda negra, havia retirado da carpete ! Aquilo ultrapassava em muito, o que eu esperava... Como diabo havia tanto lixo naquela carpete ?

Satisfeita com o funcionamento, ela lá se foi embora com a máquina, acrescentando como o irmão; eu sabia que o pai teria uma solução...

Provavelmente, eles nem se aperceberam do meu gozo em ver estas coisas por dentro e aprender como os fabricantes engenharam certas e tão interessante soluções. Eu tinha enriquecido os meus conhecimentos técnicos, mais uma vez... e em muitos casos, conseguido ultrapassar as fábricas, por alteração ou melhoria do que estava a ver.

Quando se atinge uma idade avançada, foram milhões de experiências feitas e experiência ganha, quase sempre gratuitamente, o que é bem mais aliciante...

Ainda me recordo de uma vez ter lido num livro dedicado aos automóveis, o ARIAS PAZ, que os franceses tinham um dos carros mais evoluídos do tempo e que estavam avançados mais de 50 anos, aos carros fabricados nos EUA. Eram os que conhecíamos por "bocas de sapo", os Citroen ID19. Na realidade, todos os governantes franceses se deslocavam neles, mas eram conhecidos também por muito dispendiosas reparações... embora o seu conforto fosse inultrapassável...


Era um carro estranho, mais largo à frente do que atrás, uma suspensão que mais parecia de aviões e tudo funcionava com óleo brutalmente comprimido a 5000 libras ! Só de pensar que o ar metido num pneu vulgar, anda pelas 30 libras... aquilo até metia medo !

Aquela história dele ser mais estreito atrás, fazia com que se pudesse abrir as janelas da frente, e os passageiros de trás, não apanhavam vento nenhum... Que coisa bem pensada !

O seu enorme vidro frontal e motor muito baixo, permitiam uma visibilidade enorme, até porque os ocupantes tinham os assentos bem altos.

Para substituir uma roda, ele nem tinha macaco, pois se fazia subí-lo ao máximo, na alavanca apropriada, e se enfiava de um lado uma "muleta", fazendo-o descer novamente. Assim ficava todo deitado de lado e muito facilmente se retiravam as rodas de um lado.

Mas que diabo teriam aqueles carros assim de tão evoluído ? Eu tinha de saber, nem que tivesse de gastar alguns cobres, e isso veio a acontecer passado algum tempo, quando um dos meus filhos me vem dizer que sabia onde estava um acachapado sem qualquer comando e que o poderia comprar muito barato.

Como já tínhamos muita experiência dos carros vulgares, motores de barcos, geradores de energia eléctrica e de aviões ULM, aquilo não nos iria meter muito medo...

Assim, e depois de já ter lido no referido livro, como aquilo funcionava, vai de meter-lhe as mãos e fazendo as ferramentas apropriadas, vai de reparar uma fuga da alta pressão de óleo do sistema e vê-lo a andar com todos os comandos, passada uma hora de estar à volta dele. Claro que os meus jovens filhos deliraram com aquilo, até porque tinham estado a pensar como eu, como se poderia dar a volta ao problema.

Mas aquilo estava um tanto difícil, porque este tipo de carro, quando perde a alta pressão, quase se assenta no solo, não permitindo meter qualquer macaco por baixo, nem muito menos lá cabe uma pessoa... mas depois de muita ginástica dos meus filhos, lá se conseguiu encontrar e retirar um tubo roto e, porque era metálico, logo foi feita a sua soldadura (remendo) e assim, se havia começado a aprender como aquilo funcionava.

Logo de seguida, começaram a aparecer amigos dos meus filhos, que conheciam outros destes carros abandonados por avarias e com o dinheiro de uns reparados, se foi à procura de outros modelos mais modernos e ainda chegámos a um bem moderno, o quarto, que tinha a bomba de alta pressão avariada.

Eu estava desejoso de "entrar dentro de uma", porque ela é o coração daqueles veículos e como estava mesmo definido que era ali, vai de desmontá-la e vista a maravilhosa mecânica que estava dentro, tendo sido possível repará-la facilmente, simplesmente pela troca 180º das lâminas de aço, que formam as válvulas e rectificação das cedes das mesmas.

De imediato, voltou a pressão e lá se gozou mais uns tempos de outro "boca de sapo", até que se deixou de usá-los, porque em viagens curtas, aquilo consumia gasolina a mais, para as nossas posses...

Mas uma coisa tinha acontecido: todos nós tínhamos aprendido imenso com as inúmeras operações e soluções que se haviam feito nas 4 máquinas. Só por isso, tinha valido a pena o trabalho.