sábado, 15 de março de 2008

E MEU IRMÃO ME SALVOU A VIDA...









E não era médico mas cientista !









Estava um calor de rachar, naquele dia de verão e era fim de semana.

Agarrei a minha bicicleta e fui até uma praia a uns 10 Km de distância e por baixo de um toldo, ali fiquei a gozar a ligeira brisa que vinha do Rio Tejo, pela praia acima.

A praia estava cheia de gente, mas acabei por adormecer, tendo acordado em sobressalto, pois entretanto o Sol tinha rodado, e eu estava de chapa ao quentíssimo Sol, talvez deitando fumo por todo o lado...

Eu me sentia muito estranho e sem força alguma, mal me podendo por de pé !

Mas que raio de coisa me teria acontecido !

Na verdade, tendo de estar o nosso sangue a uma temperatura de uns 36.5ºC, com aquela exposição tanto tempo, ao Sol com mais de 45º, eu devia ter ficado cheio de febre, a 45º ou mais, durante imenso tempo.

Como nem força tinha para me montar na bicicleta, resolvi vir para casa, num estado muito estranho de tremenda prostração, com a bicicleta à mão, desejoso de chegar a casa e me deitar.
Mas o mal-estar aumentou e comecei a tossir, talvez indicando que me tivesse engripado, ou coisa pior!

Naquele tempo, todos éramos solteiros, os 5 irmãos, e vivíamos na Cova da Piedade, na margem direita do Rio Tejo, para estarmos mais próximos do Arsenal do Alfeite, onde tanto eu como meu irmão de 18 anos, trabalhávamos na Administração.

Este meu irmão era um autêntico cientista-amador e já tinha levado a vida a fazer imensas coisas de relevo, embora sonhando em "voar" muito mais alto em tudo, o que veio a acontecer uns anos mais tarde, quando em Angola, construiu pedra a pedra, o seu famoso e fabuloso Observatório da Mulemba e tanto veio a colaborar com a NASA, quando dos lançamentos dos satélites.

Pessoa muito mais robusta do que eu, levava uma vida muito desportiva com natação e tinha um pavor imenso de qualquer doença, pelo que sempre viveu longe dos médicos, porque segundo ele, eram "especialista" em inventar doenças complicadas nas pessoas...

Dizia ele que vivendo saudavelmente e bem alimentado, ninguém adoecia...

No dia seguinte, eu me sentia completamente exausto, tremendo como varas verdes, como se estivesse um frio dos diabos... e pedi a uma das minhas irmãs, que me chamasse um médico, o que veio a acontecer passada umas horas e ele, depois de me ter auscultado, me disse que estava com uma valente gripe...e me receitou um xarope para a tosse, que não me largava... e mais qualquer coisa de que não me lembro...

No fim do dia, meu irmão ao chegar a casa, e porque havia construído por suas mãos, um belo microscópio de aspecto profissional, e até tinha comprado uns livros sobre análises microscópicas, me pediu para cuspir numa pequena tacinha e depois de lhe ter feito algumas tintagens, colocou uma lamela no microscópio e vai de examinar as imagens que estava a ver, chegando à terrível conclusão, de que estava a ver o bacilo de kock...

Nós dormíamos no mesmo quarto e, para termos mais espaço disponível, tínhamos um beliche e eu dormia do lado de cima.

Ele estava de costas para mim, todo entusiasmado a comparar as imagens do microscópio com as do grande livro que tinha ali ao seu lado, quando me deu a terrível notícia !

De imediato e sabendo da enorme possibilidade de contagiar os meus irmãos, com aquele bacilo da tuberculose, eu exigi às minhas irmãs, que separassem tudo o que me dizia respeito, incluindo roupas, pratos e talheres, e voltei a pedir que uma me voltasse a chamar o mesmo médico, que apareceu algum tempo depois, mas embora confirmasse a gripalhada, eu acrescentei que o meu irmão me tinha descoberto o bacilo de kock e desejava urgentemente uma análise profissional, para ficarmos mais descansados, ao que o médico acedeu um tanto contrafeito, achando que seria um disparate... mas o resultado foi confirmado: eu estava mesmo com uma tuberculose pulmonar ! Raios partam a minha vida !

Meu irmão, que se chamava Carlos Mar Bettencourt Faria, devia estar em palvorosa com a sua descoberta, logo ele que tinha um pavor imenso de ter de viver perto de pessoas doentes...

Era urgente que eu fosse retirado da companhia dos meus irmãos e transportado para um hospital, o que a minha mãe conseguiu, e lá vou eu bater com os costados num deles, lá para os lados da Praça do Chile, hospital muito antigo, para doenças infecto-contagiosas.

Meu pai já tinha falecido há 5 anos, quando eu tinha 11 anos, também de tuberculose, e isso apavorou toda a minha família, mas nas radiografias então feitas, eu estava mesmo com uma infiltração no pulmão direito, e era urgente começar de imediato com o tratamento de pneumotórax, único meio conhecido, de tratamento para aquela doença, em que ar é empurrado por entre as duas pleuras, para comprimir o pulmão doente e mantê-lo o mais paralisado possível, mas aquilo doía que se fartava, o enfiar uma grossa agulha, da grossura dum pau de fósforo, lentamente, entre as costelas, a sangue frio, logo abaixo do sovaco e pior, aquilo era um tratamento para muitos meses...e várias vezes por semana...

Quando meu pai soube de que tinha sido agarrado pela tuberculose, e sabendo do sofrimento daqueles tratamentos, preferiu morrer, a ter de fazer um pneumotórax, o que veio mesmo a acontecer e morreu aos 45 anos.

Eu nem queria acreditar na minha pouca sorte, pois estava com somente 16 anos...

Aquela compressão do pulmão, me dava uma falta de ar tremenda e mal conseguia respirar... Era como se um elefante tivesse posto um pé em cima do meu peito !

Sobre essa minha estadia nesse hospital, eu fiz referência neste blog, em Fevereiro de 2007, em "Um açoriano abandonado em Lisboa", onde relato as enormes dificuldades de conseguir viver mal alimentado e com tão imensas dificuldades financeiras.


Dessa primeira noite no hospital, fiz referência no artigo "atacado pelos ácaros", em 22 de Fevereiro de 2007.

Na realidade, mal eu havia começado a adormecer, sou acordado por uma comichão diabólica em todo o corpo e, ao afastar a roupa que tinha por cima, logo deparei com centenas de percevejos que fugiram para todos os lados...

Eu nem queria acreditar que num hospital, aquilo fosse possível existir, e se a minha cama estava infestada deles, todas as outras também deveriam de estar...

No dia seguinte, na hora das visitas, minha mãe apareceu e eu lhe contei aquela historia dos percevejos, mas como estava na moda, naquele tempo, o DDT, ela me trouxe um frasquinho daquele pó e, na nova noite, eu espalhei à minha volta, sobre o lençol de baixo, uma pequena quantidade daquele insecticida e, graças a Deus, consegui dormir até de manhã, mas ao levantar a roupa, fui surpreendido por centenas de percevejos mortos...

Quando as empregadas vieram fazer as camas, ficaram de boca aberta, ao verem o meu lençol, e logo foram chamar pessoal médico para eles verem o que havia acontecido na minha cama, enquanto os doentes de todas as outras camas, estavam muito intrigados com tanto movimento à volta de mim, sem saberem do que se tratava...

Aquilo deu um reboliço dos diabos no hospital, porque os percevejos se escondiam muito bem durante o dia, e ninguém sabia que aquilo fosse possível...

Mas quando informei minha mãe do sofrimento que estava a ter com o tratamento pelo pneumotórax, ela logo me disse que iria ver o que se poderia fazer.

Minha querida mãe, como ela deve ter sofrido ao saber-me assim tão doente...

Ela nunca me contou o que teria feito ou quem tinha falado, mas o que é certo é que dois ou três dia depois, eu estava a ser enviado para a Serra do Caramulo, primeiro de ambulância e depois de comboio lá para a serra.

Ela era muito forte e raramente lhe via lágrimas nos olhos, mas à sua despedida de mim, naquele comboio, ela não conteve as lágrimas e me foi dizendo para ter coragem, muita coragem e fé em Deus, porque me iria curar.

Mas quando eu vi o tempo a passar e a nada melhorar, fui levado a pensar que aquelas lágrimas da minha mãe, seriam bem o seu estado de alma, ao despedir-se de mim, talvez para sempre...

A viagem até decorreu bem e ao subir para a Serra do Caramulo, agora de camioneta, até a tosse deixou de me amargurar e quanto mais subia, melhor me sentia...

Aquilo teria de ser muito diferente de tratamento, pensava eu, na minha santa ignorância, mas quando eu assisti a uns outros tratamentos iguais, a uns outros colegas de infortúnio, logo me apercebi de que não só as agulhas eram muito mais finas e ninguém se queixava, nem faziam caretas de sofrimento.

Assim, quando chegou a minha vez, e eu era o mais novo daquela malta toda, até fiquei todo contente, pois o sofrimento era imensamente menor e se podia aguentar perfeitamente.

O médico era um jovem bem disposto e ainda me lembro do seu nome completo: Sebastião Trajano da Costa Pinheiro e ao ver-me com tanta falta de ar, até abrandou o pneumotórax, pelo que assim já eu podia viver sem a preocupante falta de ar.

E já no meu quarto do Sanatório Central, com tudo limpo e arejado, tudo era diferente, além de que a alimentação era bem outra.

Mas infelizmente, as análises ao terrível bacilo de kock, é que não mostravam melhoras, o que só veio a acontecer uns 10 meses depois...

Mas eu bem via que os médicos estavam com receio de acabar com o pneumotórax, não fossem os bacilos voltar novamente e assim me mantive a fazer o tratamento, durante mais 4 anos.

É que, uma vez abandonado o pneumotórax, as pleuras se colam e já não é posível reeniciar mais pneumotóraxes.

Durante todo este tempo, a minha correspondência para a minha mãe, deveria ser toda queimada à chegada a Lisboa, não fosse transportar alguns bacilos e assim me vi completamente só de família, durante todo aqueles anos.....

É do fim da minha estadia no Caramulo, que eu contei no meu blog, aquela historia "E a garota era diferente", em 25 de Janeiro de 2008, e "A mota só andava a direito", em 31 de Janeiro de 2007, e outras crónicas.

Quando eu soube do terrível assassínio à catanada, de meu irmão em Angola, em Julho de 1976, ainda revi aquela vida maravilhosa de meu irmão Carlos Mar, no seu Observatório da Mulemba e me lembrei de que a ele eu tinha ficado a dever o ainda estar vivo, se ele não tivesse tido a habilidade e conhecimentos, para fazer aquela primeira análise ao bacilo de kock e que, provavelmente, me teria feito contagiar todos os meus irmãos.

Sim, " E MEU IRMÂO ME SALVOU A VIDA" !

sexta-feira, 7 de março de 2008

E AQUELA "COISA" ATÉ ANDAVA...

Eu já andava há muito tempo, à procura dum carrinho em segunda ou mais mãos, onde me pudesse fazer transportar da quintinha onde vivia, num pequeno chalet mais ou menos abandonado num sítio conhecido por Vale de Estacas, que pertencia aos meus padrinhos de casamento, o Dr. António Ferreira Lourenço e Esposa, para o meu emprego que, embora estivesse mais perto em linha recta, eu teria de dar uma grande volta, pelos campos, por apertados carreiros, até lá chegar.

Por outro lado, ir a direito e a pé, era difícil, porque a propriedade estava toda cercada de arame farpado e se tinha de andar a corta-mato, uns bons 1000 metros...

Estávamos em 1952 e eu andava desejoso de possuir um carrinho para o efeito, até que vim a descobrir uma noticia de um, em Lisboa, cujo preço eu poderia pagar. Ainda me lembro, que eram 3 contos, mais ou menos um ordenado de um mês, naquela altura.

Tem graça aqui lembrar que uns anos depois, o mesmo carrinho andou de mão em mão, e sempre vendido por 3 contos...e a avaria era sempre a mesma... rolamento da cambota estragado...

Mas quando lá cheguei para o ver, até a minha alma ficou um tanto amargurada, pois aquilo era "uma espécie" de automóvel, descapotável, com 4 rodas magrinhas com raios, como usavam as motas daquele tempo.
O motor de um cilindro, era atrás e engatava nas rodas, por uma corrente vulgar de mota.
Felizmente que um grande amigo meu, Julio Cesar, conseguiu descobrir na INTERNET exactamente o modelo e, por isso, lhe estou imensamente grato.

Aquilo tinha tudo o que eu necessitava, ou qualquer carro tem de possuir, mas era tudo em miniatura, o que mais parecia um carrinho de feira.


Tratava-se de um Lloyd, de 1937, fabricado em Inglaterra, com volante à direita.


Aquilo até tinha uma certa graça, de tão pequeno que era, e estava pintado de preto !
Usava um motor de 2 tempos, de antes da guerra, um Villiers, de 347cc , com transmissão por corrente.
Cada roda só era presa por 3 parafusos e, a tampa do motor tinha as duas entradas de água e gasolina, ao lado uma da outra, pelo que se tinha de ter muito cuidado ao escolher aquela que se desejava...senão, lá ia água no sítio da gasolina, ou vice-versa...

Quando me enfiei lá dentro, as minhas pernas entraram por ali dentro e quase tocavam o fundo... muito perto dos faróis, ou seja, aquela caixa, o capô, onde se encobrem os motores normalmente, era tudo espaço para enfiar as pernas...e onde lá estava ao fundo, o acelerador, o travão de pé e a embraiagem.
O radiador, era só um enfeite a tapar a frente do carro.

O motor, era talvez fraco demais para o seu peso...

Para o por a trabalhar, havia do lado de fora da porta do lado do condutor, que era à direita, uma alavanca que se puxava e que devia por o motor em andamento, mas o sistema até já estava tão gasto, que raramente ele arrancava com aquela alavanca. As portas eram muito baixinhas, aí com meio metro de altura e, se uma pessoa estendesse mais o braço, até tocaria o chão com uma mão. Ou seja, para entrar no carro, bastava levantar uma perna de cada vez, mesmo sem abrir as portas.

Assim, mais tarde, acabei por arranjar uma corda que enrolava numa poli, à laia dos motores fora de borda dos barcos, e assim, já era muito mais fácil de arrancá-lo.

Aquilo era realmente cómico de pequeno e quem o olhasse, até poderia julgar que tinha um grande motor à frente... mas o que lá estava, eram as minhas pernas esticadas, e/ou as do acompanhante...

Mas tinha dois faróis pequenos, já com os reflectores muito estragados, pelo que à noite, mal se via a estrada...

Na sua caderneta, já existiam bem mais de meia dúzia de proprietários...

Assim, depois de o ter entendido bem, e como ainda não havia ponte alguma sobre o Rio Tejo, eu iniciei a minha viagem de 80 Km de Lisboa para Benavente, pela única estrada que existia, mas a certa altura, depois duma subida que era logo seguida duma descida, ali para os lados de Alhandra, verifico que algo de grave tinha acontecido, porque o motor trabalhava, mas o carro não andava... Por aquela é que eu não estava nada à espera...

Abrindo a tampa do motor, logo vejo que estava sem a corrente, mas andando uns metros a pé, para trás, lá a encontro na estrada, como se de uma cobra se tratasse. Embora tendo ficado com a mão toda borrada de massa consistente preta, lá me meti na carripana e, como era a descer e ao fundo, havia uma bomba de gasolina, deixei-a ir até lá e parei-a ali por perto, enquanto a olhava todo pesaroso sem ver qualquer saída para o problema.

Estava eu triste e meditabundo, quando sou despertado pela voz de um homem que me pergunta : "Então sr. Portugal, isso avariou ?"

Era o dono num camião de Benavente, rapaz conhecido, que se estava a abastecer de combustível e que logo acrescentou:
"Não se aflija, porque a gente põe essa "coisa" em cima do camião e o levamos para Benavente".

Aquilo até me pareceu a presença dum ANJO e, com mais umas ajudas de outras pessoas, lá empurrámos a carripana para cima do camião e lá vim eu de camião para casa, assentado ao lado do motorista.

Felizmente que não foi difícil arranjar outro elo de engate, e passadas umas horas, já tinha novamente o "meu carrinho" a andar e a fazer pumpumpum.

Num certo Inverno muito frio, e como ele tinha "dormido" na rua, por falta de garagem, quando o fui pôr a trabalhar, para entrar de serviço à uma da madrugada, aquilo tinha uma grande camada de gelo no vidro e foi muito difícil retirá-lo, nem que fosse para espreitar a "estrada" pelo sítio da geada retirada, e lá me pus em andamento, ziguezagueando pelo campo, tentando relembrar os apertados sítios por onde só ele caberia, vendo pessimamente o terreno com aqueles malvados e desprateados faróis, mas eu sabia que num certo sítio, havia uma árvore de pequeno porte, mesmo plantada no meio do carreiro, e que eu a teria de contornar.

"Ela deve estar por aqui perto ", pensava eu, tentando descobrí-la naquela muito escura e gelada noite, mas às tantas, aí estou eu chapado direitinho contra ela ! PIMBA !

E teria partido a cabeça de encontro ao vidro, se não levasse um valente gorro peludo na cabeça... mas o carrinho é que ficou com a "tromba" toda metida dentro e dali não podia andar mais, pelo que tive de ir a pé, fazer o resto do percurso até ao emprego e que ainda era bem mais do que um quilómetro, naquela escurissima noite.

Quando lá cheguei, os outros colegas já lá estavam, mas alguém tinham ouvido um estrondo naquele silêncio da madrugada e logo me inquiriram o que tinha acontecido, em especial por me verem aparecer a pé...

Mas, embora sorrindo, de gozo, até porque nenhum deles tinha um carrinho, nem como o meu, aquilo só serviu de chacota... mas o seu sorriso era bem "amarelo..."

No dia seguinte, lá fui ver o desgraçado estado em que o carrinho tinha ficado, mas como ia lentamente e a árvore fez de mola, não havia grandes estragos, e mais marretada daqui e outra dali, alavanca daqui e dali, lá o consegui voltar a ver a andar.

Nessa época, havia muitos poucos carros em Benavente, uma meia dúzia, e quando lá tinha de ir para comprar o que comer, toda a gente se voltava para ver que raio de coisa era aquela que só fazia pum-pum-pum com o seu motor de um cilindro, a fazer uma barulheira tremenda...

Mas o fabricante, até tinha lá colocado uma espécie de torneira no tubo de escape, e que o condutor podia abrir e fechar, para escolher a melhor potência, ora tornando o raio do motor uma infernal máquina barulhenta, de escape livre, ou uma coisa bem mais silenciosa...

Aquilo, com o escape aberto, até fazia mais barulho do que o claxon, o que eu aproveitava para o substituir, abrindo e fechando rapidamente a torneira...RAM RAM RAM...


Como eu tinha casado há pouco tempo, e a família da minha esposa, estava toda de férias, lá para os lados de S.Pedro de Moel, gozando os banhos de Sol e o iodo do ambiente, eu lhe perguntei se ela teria a coragem de me acompanhar até lá... embora fossem muito quilómetros para uma geringonça daquelas, e como ela aceitou, e era verão, assim nos pusemos a caminho, enchendo bem o deposito da gasolina e o radiador da água, pois o malvado do motor, até parecia que gastava mais água do que gasolina, o que me ia obrigando a parar aqui e ali, para atestar o radiador... e dar descanso à pernas.... além de beber uns golos de água bem fresca, nalguma fonte.

Minha esposa conhecia muito bem o caminho, porque muitos anos antes do nosso casamento, ela era para lá levada a fazer férias e sempre vinha mais preta do que branca...

Mas como aquilo lá ia andando... até dava para gozar quando via algum automóvel parado com avaria, carros muito mais carros do que o meu, e eu parava para lhes perguntar se necessitavam de alguma ajuda...

Aquilo sempre originava que me deitassem uns olhares mais arreliados e raivosos, certamente pensando: "Como é que uma porcaria de carro daqueles, poderia dar alguma ajuda?", e eu lá continuava pumpumpum no meu carrinho gozando a viagem, todo contente.

Mas quando passámos a ponte sobre o Rio Tejo em Santarém, eu tive de voltar à direita para seguir para Leiria e Marinha Grande, já muito próximo de S. Pedro de Moel, mas ainda faltavam imensos quilómetros para andar.

Aquilo tem uma subida muito longa, e estava um outro carro parado mais ou menos a meio, e a deitar fumo por todos os lados, com todos os ocupantes a olhar para dentro do motor... e lá parei para perguntar se necessitavam de ajuda, mas o meu malvado carrinho, é que dali não conseguia ter força para arrancar na subida...

"E agora? Como é que eu iria resolver aquilo?". Bem que eu acelerava a fundo e tentava aproveitar a rotação do motor, para ir largando a embraiagem lentamente, mas o motor não conseguia aguentar e quase se ia abaixo...

Eu precisava dum rampa de onde pudesse embalar, e depois de olhar à volta, sob o gozo e risada dos que também dali não conseguiam sair, mas reparei que mais atrás, uma centena de metros, havia uma entrada para uma quinta. Aquilo estava mesmo a calhar, pois fui deixando o carro ir de marcha-atrás até essa rampa e até acelerei com velocidade, para a conseguir marinhar até ao mais alto possível, sempre em marcha-atrás.

Aquilo era uma "rampa providencial", pois agora poderia arrancar em primeira, a toda a potência, ir pela rampa abaixo e entrar na estrada à maior velocidade possível, o que aconteceu como eu esperava, e lá passei a rir, pelos gozadores que lá ficaram parados e sem saberem como dali sair, com as caras mais chateadas deste mundo...

Aquilo não andava a mais de 50 ou 60 Km hora, mas ia dando para apreciar a viagem , até que às tantas minha esposa me diz para arranjar sítio, pois estava necessitada de fazer um xixi. Eu só não queria parar numa subida, não me fosse o carrito fazer a tal partida de não ter força para arrancar a subir, mas felizmente que lá se encontrou o sítio apropriado .

Na verdade, nem eu nem ela nos deveríamos ter posto a fazer uma viagem daquelas, até porque ela já estava bem grávida... mas a juventude tem destas coisas...

E depois de ter parado mais umas vezes, para encher o radiador de água... e chegámos, perante o espanto de toda a família que nem queria acreditar que tivéssemos tido o desplante de fazermos a uma viagem daquelas, naquela "coisa", mas lá dormimos e a minha esposa foi apanhar um belo dia de Sol na borda de água, coisa que ela sempre adorava fazer, mesmo sabendo que em poucas horas, se tornava cor de chocolate...

Mas ir lá abaixo à praia...com uma rampa tão inclinada...é que nem pensar ! Ele iria, mas para cima, só a reboque!!!