segunda-feira, 23 de abril de 2007

E O LOCUTOR BLOQUEOU EM VISEU

Quando eu tinha cerca de 20 anos, estava muito interessado na rádio chamada "broadcasting" e, como tinha à mão a Radio Polo Norte, no Caramulo, falei com o seu dono, o Sr. Joaquim Seabra, que também havia sido lá doente e por lá se manteve, e depois duma explicação genérica sobre o funcionamento daquela estação emissora das Beiras, lá fui aceite e comecei a "trabalhar" sozinho, aliás como todos os colaborantes, que eram doentes, em via de cura.

Aquilo era emocionante, pois tínhamos a certeza de que ao abrir o botão do microfone, a nossa voz iria ser ouvida por muitos milhares de pessoas e, como eu era um açoriano de gema, ainda conservava aquele sotaque estranho dos açorianos e era por isso, muito gozado...mas como era desinibido de conversa, tanto falei à moda continental, que algum tempo depois, já ninguém me gozava... e até hoje...

Nesta imagem, embora num quarto de Sanatório, eu já estava a praticar com uma "estação de rádio" miniatura, de 2W e transmitindo música e palavra para toda a Estância Sanatorial do Caramulo. Isto me deu muita coragem, para enfrentar a estação oficial Radio Polo Norte, Emissor das Beiras.

Esta minha estaçãozinha, se chamava Radio Clube dos Pinguins, porque no inverno, havendo muito frio lá na montanha, quase todos andávamos de compridos sobretudos pretos e mais parecíamos pinguins... e como eu não percebia nada de rádio, a estação tanto podia estar hoje numa frequência, como um pouco mais ao lado..., mais ou menos no meio das Ondas Médias. Ela era muito ouvida, porque a Emissora Nacional, o Radio Clube Português e a Radio Renascença, não chegavam por lá ainda e havia um período em que nem o Radio Polo Norte ainda estava a funcionar. Era neste período de silêncio que entrava o Radio Clube dos Pinguins e, no enorme silêncio daquelas montanhas, era-me muito grato abrir uma janela do "estúdio" e ouvir aquilo que eu estava a transmitir, ecoando das telefonias de muitos sanatórios...

Na foto, o locutor desportivo do Radio Clube dos Pinguins, o Dias da Silva, a apresentar os seus comentários. O microfone, era um pequeno altifalante, enclausurado numa lata pintada...Estámos em 1946.

Aquilo não era nada simples, porque a estação Polo Norte estava montada num pequeno quarto do, Grande Sanatório, dividido ao meio, sendo que metade era onde estava o emissor e do outro lado um pequeno espaço para a locução e estante para muitas centenas de discos. Era pois uma espécie de Estação de Rádio para amadores, mas cobria uma enorme área das Beiras, incluindo VISEU, mas estava montada num cubículo...

Mas o locutor tinha de fazer tudo, desde o receber do correio que todos os dias pedia discos e mandava 1$00 por cada pedido, pelo que antes da estação iniciar, havia que procurar todos os discos pedidos e ainda juntar aqueles que o locutor desejasse, nos intervalos dos discos pedidos. Aquilo lá ia dando o seu dinheiro ao amigo Seabra, nem que fosse para comprar mais discos e, por isso, ele todos os dias ia à estação, para abrir os envelopes e despejar as notas na sua algibeira...

Chegada perto da hora, o pequeno emissor de 100W de potência, era posto no ar, metido o disco de abertura e assim se iniciava a transmissão com a maior ou menor habilidade do locutor.

Assim, e com toda a pompa e circunstância, eu dizia: « Fala Rádio Polo Norte, emissor das Beiras CS2??..., com locução de Portugal Leça », e vai de meter os discos de 78 rpm, porque ainda não se tinham inventado os LP de Vinil.

Poderia ser Mário Faria, ou Bettencourt Faria, ou Mário Portugal, mas toda a gente por lá me conhecia por Portugal Leça e assim fiquei.

Esta época dos anos 40, foi riquíssima com o aparecimento de imensas estações de rádio, desde o Norte ao Sul de Portugal e onde apareceu também na Guarda, a Radio Altitude, também construída por um doente lá internado.

Também é desta época, o aparecimento do Radio Ribatejo, em Santarém, construído pelo já falecido radioamador CT1QA, capitão Varela Santos, e muitas outras também construídas por radioamadores.

Todos os locutores eram voluntários e cada um tinha os seus gostos musicais, pelo que uns iam para música portuguesa, outros para as estrangeiras, outros para as ligeiras ou outros para as clássicas, etc. etc.

Como todos os locutores estavam completamente sós, era muito chato termos de ir atender o telefone de ouvintes , normalmente raparigas, porque queriam conversa e mais conversa, e os discos de acetato a despejarem as suas músicas... perante a nossa aflição de os discos estarem a chegar ao fim e ali ficarem a "moer" roc,roc,roc...

Certo dia, fui procurado por um grupo de jovens vindos da cidade de Viseu, a me convidarem para colaborar naquela cidade, no seu lindíssimo Teatro "Viriato", num programa de variedades, em que o principal locutor, vindo não sei de onde, seria o responsável pela apresentação do programa, mas exigia um locutor/colaborador para o ajudar e logo para meu azar, se lembraram de mim, um novato naquelas lides e que nunca tinha estado em público, num palco...

Aquilo constituia um certo aliciante para mim e, depois de alguns amigos me emprestarem as roupas mais apropriadas, o que deu muito gozo, porque uns fatos eram grandes demais ou os sapatos estavam apertados ou a gravata não era apropriada...lá me vieram buscar ao Caramulo. Eu não conhecia Viseu e até gostei da cidade.

Ao chegar a hora dos preparativos, aquilo era uma confusão dos diabos, com cantores, ranchos folclóricos, músicos, organizadores do evento, técnicos de som, curiosos, etc. e lá fui encontrar o tal locutor responsável que mal me estendeu a mão, talvez pensando "mas que nabiço aqui me arranjaram"...

A enorme sala estava cheia por completo, com camarotes e tudo, e mal se abriu o pano, o raio do locutor, de que eu mal sabia o nome ... empurra-me para o palco e diz-me : "Apresenta-me..."

Perante a estrondosa e simpática salva de palmas, eu nunca mais me lembrei do nome do "meu colega" e vai de inventar, enquanto dava voltas aos neurónios, para ver se me recordava do seu nome :

«Senhoras e senhores, o inimitável....» , mas que raio de nome seria o dele....????

«O imprescindível...» , e continuava eu à procura na minha reles memória, do nome dele...

«O espectacular ...» , e nunca mais me lembrava do nome...irra que pouca sorte a minha.... enquanto atrás do palco, o locutor esperava ansioso que eu dissesse o seu nome, mas....nada...

«O extraordinário...» , mas como já não me lembrava de mais adjectivos, acabei por dizer :

«Ele é demasiado conhecido e....ei-lo » , acabei, todo a tremer, estendendo o braço para o sítio onde ele estava à espera, mas o que é mais engraçado, é que ainda hoje, passados 60 anos, continuo sem saber o seu nome... e certamente que nem ele o meu...

Ele devia ser uma espécie do Artur Agostinho ou Henrique Mendes, mas eu nunca o tinha visto antes, e realmente ele era pessoa com muita prática daqueles espectaculos e vai de por a coisa a funcionar.

O meu papel, era o chato de ter de ler a imensa propaganda às casas comerciais que haviam colaborado para o espectáculo, mas os papeis que me haviam metido nas mãos, eram aos milhares e eu tinha de falar de cada um, o que lá haviam escrito aqueles "malvados" do espectáculo ! Assim, eu tinha de andar a escolher à pressa, outras casas de que ainda não tivesse falado, mas tenho a sensação de que muitas nem se teriam ouvido referidas no "show"...

Quando falei deste problema ao LOCUTOR, ele agarrou em metade dos papeis, e perante a minha ingenuidade, mandou para o lixo... Lá fiquei um pouco mais aliviado...mas um tanto amargurado...

Mas às tantas, eu também quis contar uma anedota, mas ainda ia no meio dela, o público começou a rir-se e eu, estranhando, olhei para trás e vejo o malvado locutor a fazer gracinhas e macacadas, que estavam a fazer rir o público...

Pois não é que me esqueci por completo, do resto da anedota !!!! mas lá me desenrasquei dizendo que mais tarde, acabaria o raio da anedota...e lá me safei , mas nunca mais a acabei !

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