A chuva era torrencial e, embora sendo 17 horas, parecia já quase noite !
Pois foi neste dia que a minha esposa Alice Rosa, se "lembrou" de dar à luz o nosso primeiro filho !!!
A D. Glória, a senhora parteira, com quem já havíamos falado, dizia que assistiria a mais este nascimento e, na casa da minha mãe em Lisboa, num bairro de nome Encarnação, lá estávamos à espera do grande acontecimento, ingenuamente pensando que aquilo iria ser trabalho de pouco tempo, mas as águas rebentaram e minha esposa me pediu para estar sempre perto dela, o que aliás nem era necessário dizer, pois era essa a minha intenção, dada a minha curiosidade pelos assuntos científicos e, muito em especial, por ir assistir ao nascimento duma criança.
Mas infelizmente, o miúdo é que não estava nada voltado para esse evento...
Umas semanas antes, a minha mãe já nos tinha levado a visitar um médico açoriano, seu amigo de infância, e que já havia assistido aos partos quase todos da minha mãe, menos ao meu, e ela depositava nele, a maior confiança, o Dr. Jacinto Vargas Moniz, médico obstetra, que fazia medicina em Lisboa.
Umas semanas antes, a minha mãe já nos tinha levado a visitar um médico açoriano, seu amigo de infância, e que já havia assistido aos partos quase todos da minha mãe, menos ao meu, e ela depositava nele, a maior confiança, o Dr. Jacinto Vargas Moniz, médico obstetra, que fazia medicina em Lisboa.
Eu ainda não o conhecia e fiquei um tanto surpreso quando ele se abraçou à minha mãe, num terno e carinhoso abraço de grande amizade...
Minha mãe já nos havia mostrado umas fotografias da sua juventude em S. Miguel, nos Ginetes, onde se viam os quatro simpáticos irmãos Vargas Moniz, e ela, muito bonita, entre eles, todos muito novinhos, com 13 ou 14 anos.
E foi até um deles, o Rogério Vargas Moniz, que como Engenheiro e Director Técnico no Arsenal do Alfeite, que tinha facilitado uns anos antes, a minha entrada e de meu irmão Carlos Mar, para a Administração desse Arsenal.
Deste evento, eu o descrevi neste blog, no artigo "Meu amigo Eng. Rogério Vargas Moniz", em Março de 2007, artigo 52.
Há uns 30 anos que eles não se viam e notava-se muito bem a amizade que tinham guardado, durante tantos anos. Depois, muito carinhoso, foi auscultar a minha esposa e disse que lhe parecia tudo estar bem e que o miúdo estaria em boa posição para o nascimento, mas que era muito grande...
Há uns 30 anos que eles não se viam e notava-se muito bem a amizade que tinham guardado, durante tantos anos. Depois, muito carinhoso, foi auscultar a minha esposa e disse que lhe parecia tudo estar bem e que o miúdo estaria em boa posição para o nascimento, mas que era muito grande...
Assim, ficámos muito descansados, embora ele referisse que havia toda a conveniência em que aquele parto fosse feito num hospital, não fosse haver qualquer ocorrência estranha, mas dada a nossa ignorância e a boa vontade da parteira, a minha esposa preferiu tê-lo em casa.
E, enquanto a tempestade horrorosa se desenvolvia lá fora, rugindo furiosa, por todas as frinchas das portas e janelas, as contracções da minha mulher, cada vez estavam mais aproximadas, e certamente que o bebé, estaria na rua, daí a pouco...
E, enquanto a tempestade horrorosa se desenvolvia lá fora, rugindo furiosa, por todas as frinchas das portas e janelas, as contracções da minha mulher, cada vez estavam mais aproximadas, e certamente que o bebé, estaria na rua, daí a pouco...
Só que, embora já houvesse dilatação mais do que suficiente, em minha opinião... e a sua cabecinha mesmo ali à mão, ela "embirrava" em baixo e cada vez a minha esposa estava mais exausta ! Aquilo era sofrimento a mais para um ser humano !
Nessa altura, eu agarrei o telefone para falar e pedir ajuda ao Dr. Vargas Moniz, mas infelizmente, ele havia saído e não se sabia a que horas viria...
A minha alma estava positivamente desesperada, e não pude conter as lágrimas !
Aí eu perguntei à parteira, porque não metia a sua mão por baixo para levantar uns centímetros aquela cabecinha, mas ela dizia que a Natureza é que sabia o melhor... mas eu fiquei muito indignado, porque me parecia muito óbvio... Seria como usar uma calçadeira para facilitar a entrada dum pé num sapato...
Mas a parteira, embora aparentando uma certa calma, quando se viu desesperada, lá se resolveu dizer-me para ir chamar uma médica que lá vivia perto, a Doutora Capinha, e, debaixo daquela tempestade horrorosa, lá vou eu no meu velho carro, à sua procura, mas como ela estava ocupada com uma cliente, ainda demorou uns minutos a entrar para o meu carro e passado um minuto, já estava ao lado da minha esposa e o miúdo, acabado de nascer, na sua alcofa e, ainda de casacão de inverno vestido, ao ver que a placenta não se largava e ela estava a esvair-se em sangue, mesmo sem lavar as mãos, agarrou no cordão umbilical com uma, e com a outra, fez umas compressões violentas na barriga da minha esposa, até que lá saiu aquela treta toda...a placenta.
Entretanto, como o miúdo já cá estava fora e muito tranquilo na sua alcofa, talvez esgotado pela força que tinha feito, para minha grande alegria, lá fui levar a Doutora a casa, embora ela me fosse dizendo que não a deixasse dormir, porque naquele estado, já não acordaria mais... e vigiasse o aparecimento da saída de mais sangue, dando-lhe de imediato uma injecção que já estava preparada, mas já era noite e bem noite, e ela nem estaria em condições de ser transportada para nenhum hospital.
Como a parteira já estava exausta, também se foi embora, e ali fiquei sozinho a tentar manter a minha esposa acordada, conversando sobre o miúdo que era lindo e com muito cabelo...mas ela estava muito desejosa, era de deixar-se dormir, talvez para sempre !
O Dr. Vargas Moniz, tinha razão, o miúdo era enorme e pesava 4,180 Kg !
Eu ali estava, mais que atento, quando a ouço dizer qualquer coisa, muito baixinho e perguntei o que ela estaria a dizer, entendendo que ela dizia estar a sentir sair mais sangue, e logo aí eu saltei para uma cómoda onde estava o coaguleno e a seringa, mas aquilo havia que misturar um liquido dum frasco, com um pó existente num outro e chocalhar bem, operação que, embora nunca tivesse feito antes, me pareceu simples, mas eu só tinha experiência de dar injecções nas nádegas, e ali, teria de ser numa perna, e já nem sabendo se devia espetar a agulha, de cima para baixo ou de baixo para cima ou se a direito... mas que atrapalhação, santo Deus !
Felizmente que o miúdo se mantinha a dormir, mas eu estava a estranhar minha mulher sem o querer ver e nem abrir os olhos para me ver ou falar...Estava tão branca, que mais parecia um cadáver...
Uns minutos depois, voltei a aperceber-me de que ela queria dizer qualquer coisa, e logo aproximei o ouvido da sua boca, para ouvir:
Deixa-me morrer...por favor !!!!
Como seria aquilo possível, teria eu ouvido bem ? Mas ela repetiu e aí lhe perguntei:
Mas agora que acabámos de casar e temos um filho lindo... nem penses. Nem penses...
E ainda lhe perguntei: E não tinhas pena de me deixar neste mundo, sozinho, com um filho nos braços ?
Mas ela só respondeu: NÃO !
Eu nem queria acreditar, até porque me sentia imensamente amargurado por me reconhecer como culpado daquele tão longo sofrimento e daquele seu estado de espírito tão estranho para mim...
Ela queria morrer ali mesmo e sem pena nenhuma de tudo e de todos ! Devia estar a sentir-se perto do Céu !
Já NADA a atraía na Terra, absolutamente nada !
Aí senti-me tão culpado que até as lágrimas me saltaram, eu que a amava tanto ...
" Não, de maneira nenhuma", eu a iria deixar "partir" sem fazer todos os meus esforços para a aguentar viva.
Felizmente que a hemorragia havia parado, o miúdo continuava tranquilo, e só podia manter-me falando para não a deixar dormir...e ela sempre calada e de olhos fechados...
Como seria possível uma pessoa pedir, e POR FAVOR, para a deixarem morrer ? E a mim, que tanto amo a vida ? A mim, que há tão poucos anos, tinha estado entre a vida e a morte, mas tinha conseguido sobreviver ?
A tempestade lá fora, até me estava a ajudar, pois havia ruídos por todos os lados na casa...
Felizmente que a hemorragia havia parado, o miúdo continuava tranquilo, e só podia manter-me falando para não a deixar dormir...e ela sempre calada e de olhos fechados...
Como seria possível uma pessoa pedir, e POR FAVOR, para a deixarem morrer ? E a mim, que tanto amo a vida ? A mim, que há tão poucos anos, tinha estado entre a vida e a morte, mas tinha conseguido sobreviver ?
A tempestade lá fora, até me estava a ajudar, pois havia ruídos por todos os lados na casa...
Eu já estava a ficar esgotado de forças, mas mesmo por cima da roupa da cama, me deitei muito junto dela, agarrando o seu pulso e sentir o seu débil coração que se mantinha batendo, cada vez melhor, com o passar dos minutos e ela despertando muito lentamente...
"Vencemos, Alice, e tenho imenso orgulho em te ver despertar desse terrível pesadelo !"
E ela, finalmente, sorriu para mim, abrindo os olhos e não ouvindo o miúdo chorar, talvez pensando até que ele tivesse morrido, mas eu perguntei-lhe: Queres ver o miúdo? E ela disse SIM !
Com muito jeitinho, para não o acordar, aproximei dela, a sua alcofa e lhe fui dizendo, por graça, mas com convicção: Depois de lhe dares banho, eu vou-lhe cortar este enorme cabelo, que lhe cai sobre os olhinhos... e ela esboçou um agradável sorriso, até porque sabia que eu estaria a falar verdade.
No dia seguinte, muito cedo, apareceu a parteira e como a tempestade já havia acalmado, em todos os sentidos, eu assisti ao seu primeiro banho, vendo tudo muito bem, pois talvez tivesse de ser uma operação que tivesse de fazer depois.
E enquanto a parteira segurava a cabeça do miúdo, eu cortei aquele cabelo a mais, que ele tinha.
E assim, foi o seu primeiro corte de cabelo... já com minha esposa assentada na cama, a sorrir !
Ainda hoje eu fico admirado do poder tremendo de recuperação duma mulher, após tal abalo físico !
Mas aquela tremenda tempestade já havia acabado e tudo estava mais calmo.
Três dias depois, lá iniciámos a viagem de volta para Benavente, a 50 Km de Lisboa e fomos para uma casinha antiga e solitária no meio do campo, em Vale de Estacas.
Mas aquela tremenda tempestade já havia acabado e tudo estava mais calmo.
Três dias depois, lá iniciámos a viagem de volta para Benavente, a 50 Km de Lisboa e fomos para uma casinha antiga e solitária no meio do campo, em Vale de Estacas.
O quarto de dormir ficava em cima, no primeiro andar, e a cozinha, a sala de jantar e o WC, em baixo.
Um dia, passados uns 6 meses, estava eu a comer o meu pequeno almoço na cama, que sempre foi feito de sopas de café com leite, mas o míudo ali ao meu lado, é que não deixava de protestar... embora tivesse mamado há pouco tempo.
Eu estava a pensar que o leite da mãe talvez não o satisfizesse e lembrei-me de lhe dar uma gotinha do café com leite, usando a ponta da minha colher, que ele adorou e logo me fez sinal de que queria mais, dando estalinhos com a língua, o que fui fazendo durante mais uns minutos, mas a minha esposa que estava a arranjar-se no lado de baixo da casa, é que estranhou o silêncio do miúdo e me gritou a perguntar o que é que eu tinha feito para calar o miúdo, ao que eu respondi que lhe tinha dado umas colheres do meu café com leite...
"Oh homem, tu matas-me o miúdo, pois ele ainda só tem 6 meses... " , e subiu rapidamente ao primeiro andar, verificando como o bebé estava realmente todo contente ! Era verão e estava bastante calor.
Assim, e vendo que não lhe havia feito mal, ele começou a beber leite de vaca enfraquecido e com café, tudo bem docinho, entremeado com mama, para não as deixar encaroçar, mas o que ele queria mesmo, era do pequeno almoço do papá, e passado pouco tempo, até já gostava dumas sopinhas, que engolia com facilidade.
Hoje, passados 55 anos, este bebé que se ficou a chamar Mário Portugal Santos e Leça Faria, tem sido sempre de boa saúde, embora tenha sofrido vários acidentes em desportos de alto risco, com fractura de costelas e tendões arrancados no ligamento do joelho esquerdo, etc. mas quem o vir, e nem souber, nem dará por isso, nos seus 54 anos de idade, visto aqui nesta foto de 1992 , entre a sua mãe e a minha.
Hoje, passados 55 anos, este bebé que se ficou a chamar Mário Portugal Santos e Leça Faria, tem sido sempre de boa saúde, embora tenha sofrido vários acidentes em desportos de alto risco, com fractura de costelas e tendões arrancados no ligamento do joelho esquerdo, etc. mas quem o vir, e nem souber, nem dará por isso, nos seus 54 anos de idade, visto aqui nesta foto de 1992 , entre a sua mãe e a minha.

Mas depois deste susto tremendo, os outros dois meus filhos, Maria Antonieta e Carlos José, foram nascer no hospital da Santa Casa da Misericórdia de Benavente, e assistidos pelo Dr. Joaquim Cândido Mendes de Almeida, amigo de infância de minha mulher e, graças a Deus, ainda vivo, embora tenha tido há uns anos, um AVC um tanto violento, pelo que se encontra inactivo, embora lúcido.
Infelizmente, um ano depois desta foto, minha esposa veio a falecer nos meus braços, com um malvado cancro de colon.
E assim, já com cada filho para seu lado, todos casados, eu fiquei completamente só, a tentar viver feliz e contando neste blog, as minhas, às vezes tristes recordações duma vida tão cheia de emoções, embora já rondando os 81 anos.