sábado, 26 de janeiro de 2008

ERA UM GAROTO DOS DIABOS ...

Desde que me conheci como "gente", e lá pelos meus 5 ou 6 anos, toda a gente me conhecia por "um miúdo dos diabos", um traquinas muito vivo, talvez o que hoje se chama de pilantra, levado da breca, um extremamente curioso e inquieto procurador de aventuras, o que mais ou menos sempre levava a minha família a estar de especial atenção ao que eu estaria a fazer, pois não era coisa boa, pela certa .... se estava muito calado...

"Mas onde está o Mário?", procurava constantemente a minha mãe sempre atarefada com os seus 5 filhos, mas pelos vistos, eu devia ser o mais complicado por estar sempre a inventar disparates, o que levava a que muitas vezes, tivesse de levar uns puxões de orelhas... embora todo chateado por não me compreenderem...
Na verdade, eu era exímio procurador de situações a que os graúdos apelidavam de disparates até muitas vezes bastante perigosos para a minha integridade física... mas lá me ia safando...

Certo dia, estava meu irmão Carlos Mar muito engripado, e cheio de tosse, pelo que meu avô logo mandou preparar na farmácia, um xarope valente numa garrafa de talvez meio litro e vinha com ordens expressas de só tomar uma colher por dia. Até tinha uma caveira pintada !

Mas eu andava por ali perto e estava desejoso de provar aquele xarope que meu irmão dizia ser muito doce...
Como aquilo tinha uma rolha de cortiça, eu logo pensei que, se chupasse com força, talvez me chegasse à boca o sabor do xarope, mas de imediato constatei que se apertasse com os dentes a rolha e chupasse ao mesmo tempo, então sim... que maravilha, estava mesmo a beber a xaropada, mas mostrando à minha mãe, que a rolha estava lá, pelo que ela ficava mais descansada...
O pior é que pouco tempo depois, e felizmente, meu avô entra no quarto para ver a febre ao meu irmão, e nota que o frasco estava já a meio, ou menos, pelo que muito preocupado, perguntou como aquilo era possível ? !
Só podia ter sido o malandreco do Mário e, como nunca fui mentiroso, quando ele me perguntou se tinha estado a beber daquele xarope, eu muito envergonhado, logo disse que sim, para grande espanto de toda a gente, porque me tinham visto levar a malvada garrafa à boca, mas sempre com a rolha...

Meu avô muito preocupado, logo gritou: "Tenho de lhe fazer uma lavagem ao estômago e já "...
Aí é que me apercebi de que devia ter feito valente disparate... mas se era necessário fazer uma lavagem imediata ao estômago... pois que viesse ela, pois até eu iria saber e apreciar, como aquilo era feito...
"Tragam uma bacia e um jarro grande com água..." , gritou meu avô, enquanto corria ao consultório de onde apareceu com dois tubos de borracha quase do meu tamanho, e vai de me mandar abrir a boca e começar a enfiá-los pelo boca abaixo, enquanto eu chorava baba e ranho de aflição, por me ser difícil respirar... e sentir que teria talvez uma garganta pequena demais, para aqueles tubos...
Minha mãe estava atrás de mim, a agarrar-me com força os dois braços, para estar quieto, enquanto a minha avó até tinha as mãos na cabeça, de aflição pelo que me poderia vir a acontecer, se o xarope já tivesse saído do estômago e se tivesse espalhado pelo meu franzino corpo...
Entretanto já estava a meus pés a bacia no chão e meu avô colocou um funil num dos dois tubos, e vai de despejar água por ele abaixo, enquanto ela subia pelo outro tubo, do meu estômago, toda castanha e caía na bacia. Pelos vistos, ele sabia bem o que estava a fazer !!!
Aquilo foi rápido, talvez uns dez minutos, mas mesmo assim, aqueles malvados tubos tinham o diâmetro duns dedos, mas mesmo perante tantos vómitos e choradeira, a água passou a ficar limpa e meu avô deu por encerrada a manobra da lavagem do meu pequeno estômago... e dizendo-me que por mais uns minutos, eu poderia ter morrido !
"Irra, figas diabo, seria mesmo ?", perguntava-me eu na minha imensa ignorância...
O que era certo é que o xarope estava todo no fundo da bacia e isso aquietou a preocupação de toda a família...

Obviamente que eu tinha à minha volta, não só os meus irmãos, como a minha avó e minha mãe, além de meu avô e uma criada, a que tinha trazido a bacia e a água, e toda a gente com caras muito preocupadas.
Eu estava no centro dos acontecimentos, embora pouco preocupado com o alarido que se gerou em que até maluco me chamaram... e deviam ter razão... mas, muito aliviado quando meu avô puxou para fora os malvados tubos... e assim fiquei a sentir-me muito melhor !


Devido a que meu avô era chamado a atender alguns doentes que tinham a "mania" de o chamar de noite, ele se havia habituado a dormir uma sesta todos os dias, o que era uma grande aflição para minha mãe, para nos manter os 5, em completo silêncio, se o tempo estava tão feio, que nem nos deixava ir brincar e correr na rua , à volta da casa.

Assim, ela tinha a paciência de inventar histórias que nos ia contar para o extremo oposto do quarto onde meu avô dormia, e nós ali ficávamos quietinhos, assentados no chão, de pernas cruzadas, muito admirados com as suas historias fantásticas !

Mas um dia, numa altura destas, ela nos levou ao sótão, pé ante pé, pelas escadas acima, para nos mostrar o que tinha guardado nuns baús, coisas lindas de verdade, pois eram louças que nunca vinham ao serviço, talheres e outras coisas que até dava gosto de ver, pratas. etc. Coisas mesmo valiosas e de museu...

Mas naquela nossa "casa-cor-de-rosa" de que já tenho falado algumas vezes neste Blog, as escadas para o sótão, que lá nos Açores, se chama falsa, começavam mesmo em frente à porta do quarto de cama de meu avô, e todas as nossas manobras, eram feitas em bicos dos pés.

Mas quando foi à vinda para baixo, eu que vinha um pouco atrás das minhas irmãs, resolvi correr pelas escadas abaixo, para chegar primeiro do que elas, lá abaixo.

Só que não aguentei a corrida e me faltaram os degraus, e aí venho eu de voo picado, de cabeça, aterrar com uma valente cabeçada, na porta do quarto de meu avô que, perante tal estardalhaço, se levantou todo indignado, e me vem encontrar todo encharcado em sangue, estatelado no chão, porque tinha rachado o queixo no chão do corredor. E talvez a pensar se eu não teria partido a coluna...

De imediato me agarrou por um braço e me colocou em pé, todo atordoado, levando-me todo a tremer e ainda a pensar como diabo eu tinha arranjado aquilo, para o consultório onde saca de agulha e linha, e vai de me coser aqueles 3 centímetros do meu queixo rachado...e sem qualquer anestesia... e eu ali estava, engolindo as lágrimas que teimavam em me saltar dos olhos, mas não queria dar parte de fraco e mesmo doendo um bocado, lá deixei que ele me cozesse o rasgão do queixo com vários pontos, e depois de levar mais tintura, levei um remendo de gaze e uns adesivos e... vai-te embora !

Lá estava eu, este pobre diabo pilantra, a ser rodeado de uma data de malta apavorada e cheia de pena de mim, pois segundo dizia meu avô, eu podia ter partido a coluna e já ia com muita sorte de ter sido só um rasgão... e ele estar em casa, pronto a actuar...

Para mim, havia aprendido a não dar passos maiores do que as minhas pernas o permitissem e nunca mais meter nada à boca, sem o consentimento das pessoas graúdas.

A minha sorte, mais uma vez, tinha sido a de ter médico em casa, pois o Hospital ficava a 25 Km de distância e, como não havia ambulâncias, teria de ir de carro a cavalo, o que levaria um ror de tempo a lá chegar, provavelmente já morto, na primeira crónica do xarope, ou com uma valente infecção no queixo...

Mas, só por graça, agora se escreve é "infeção", não é ?

18 comentários:

Anónimo disse...

Pois meu caro amigo Mário Portugal... Por vezes é óptimo ter à mão um médico, nem que seja com tubos de rega ou tão só de jardim. Preciso é que sejam úteis e quem os saiba utilizar. Muitos por vezes também gostavam de ter essa sorte. Mas a sorte, ou se tem ou se procura. Mas muitas vezes a procura é muito dificil de dar em resultado capaz.
(Por curiosidade; já clonei o artigo sobre as "alampadinhasmanhosas..."...". Se não achar bem faz favor de me dizer.)
Tudo bom para a "Venda das raparigas" e saúde da boa.

www.paraquedista.blogs.sapo.pt

Escrito por: paraquedista em 2008/01/29 - 16:45:45

Mário Portugal Leça Faria disse...

Para conhecimento de todos os leitores, publica-se abaixo os 16 comentários publicados no site brasileiro Lima Coelho "http://www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=1083" a propósito deste post "Era um garoto dos diabos"

Anónimo disse...

Nossa, uma crônica de memórias de infância. Muito bonita
Comentário Enviado Por: Priscila Reis
Em: 01/3/2008

Anónimo disse...

Ri muito. Que menino danadinho vc foi, hein?
Comentário Enviado Por: Gilda Abreu
Em: 05/2/2008

Anónimo disse...

Olá Mário, acho tuas crônicas muito gostosas de ler. Valeu!
Comentário Enviado Por: Beatriz Sampaio
Em: 05/2/2008

Anónimo disse...

Blz Mário. Você era demais
Comentário Enviado Por: Ana Torres
Em: 05/2/2008

Anónimo disse...

Francamente Mário, suas lembranças de infância são mesmo de uma garoto danado dos diabos. Mas são bonitas
Comentário Enviado Por: Pedro Fagundes
Em: 04/2/2008

Anónimo disse...

ahahahaha, que menino arteiro, hein Mário? Mas sobreviveu às suas próprias artes, né?
Comentário Enviado Por: Sônia Weissheimer
Em: 03/2/2008

Anónimo disse...

Beleza, beleza Mário. Realmente você era um menino mais que peralta
Comentário Enviado Por: Loreta
Em: 03/2/2008

Anónimo disse...

Era mesmo
Comentário Enviado Por: Suzana Alencar
Em: 03/2/2008

Anónimo disse...

Mário, suas crônicas demonstram ao mundo como um homem de sua idade pode ter uma vida cheia de belas lembranças e que os velhso não são trastes inúteis e que só dão trabalho. Você nos dá prazer. o prazer de ler suas crônicas, a sua história de vida.
Comentário Enviado Por: Edgar Pérez
Em: 03/2/2008

Anónimo disse...

Que horro que você era, Mário! Coitada de sua mãe e de seu avô!
Comentário Enviado Por: Mirtes Figueiredo
Em: 03/2/2008

Anónimo disse...

Você era mesmo um menino muito danado.
Comentário Enviado Por: Patrícia Gurgel
Em: 03/2/2008

Anónimo disse...

Oi Mário, que belas memórias...
Comentário Enviado Por: Bruno Ribeiro
Em: 03/2/2008

Anónimo disse...

Espetáculo de crônica. parabéns Mário
Comentário Enviado Por: Paulo Tardelii
Em: 03/2/2008

Anónimo disse...

Mááááááaáário, voc6e era o que se diz aqui: "o cão chupando manga" eheheheh adortei
Comentário Enviado Por: Letícia Martins
Em: 02/2/2008

Anónimo disse...

Gostei muito Mário
Comentário Enviado Por: Mirtes Figueiredo
Em: 02/2/2008

Anónimo disse...

Oi Mário, que maravilha de crônica
Comentário Enviado Por: Alice Campolina
Em: 02/2/2008