sábado, 9 de agosto de 2008

ESTATELADO NO CHÃO E TODO NÚ.....

Aqui há pouco tempo, um amigo me enviou um e-mail com uma fotografia de um velhinho muito simpático e sorridente, e com este delicioso comentário:

"A foto mostra Henry Allinghom, nascido em Inglaterra em 1896, quando ainda reinava a Rainha Vitória.
É veterano da 1ª guerra mundial, participou das batalhas de Ypres e Jutlândia e fez parte do primeiro esquadrão da RAF, a força aérea britânica, da qual é o último descendente ainda vivo.
Allinham diz que viveu 112 anos, à base de cigarros, Whisky e mulheres fogosas... "

Tendo eu estado a viver à custa de milagres da Providência, e tendo chegado aos 81 anos, naturalmente que fiquei a sorrir e quase a ter de dar uma boa gargalhada , ao ver aquela cara toda enrugada, mas feliz, a referir o seu modo de vida, como aquela referência, certamente jocosa de "mulheres fogosas": Pois ele devia ter passado a vida a pensar no bom que teria sido, poder voltar aos seus 20 ou 25 anos, quando lindamente fardado de aviador, teria à sua beira, talvez, as mais lindas mulheres com que um homem pode sonhar.
Mas, aos 112 anos... ná, amigo Henry, dessa não me convences !!!!

Mas uma coisa era certa, ele tinha vivido uma batelada de anos e ainda estava feliz.

Aqui há pouco tempo, quando escrevi neste blog "Que bom chegar a velhinho" , em Maio deste ano 2008, eu também me estava e estou, graças a Deus, a sentir um velhinho cheio de sorte e feliz !

Aqui há uma data de anos, uns dez, apercebi-me de que me estavam a aparecer nas fezes, uns laivos de sangue e como já sabia que por ali, ninguém pode ter sangue, fiquei bastante alarmado e fui logo fazer um clister opaco, em que o relatório, era claro: dois pólipos, um no cólon ascendente e outro igual, no descendente, mas infelizmente já do tamanho de morangos. Ou seja, eles teriam de ser retirados de imediato, pois segundo as minhas leituras, 90% destes pólipos, resultam em cancro.
Assim, e embora já perto dos 70 anos, me resolvi operar, embora contestado por algumas pessoas de família, de que eu já era velho demais para aguentar tal operação... mas mesmo assim, fui mesmo fazê-la.
Como não era considerada operação de urgência, ainda tive de esperar um ano, até que num telefonema do hospital, o médico que me iria operar, me perguntou como é que eu estava e se nem constipado estava e que lá aparecesse lavado por dentro e por fora... às 9 da manhã e em jejum.

Assim fiz e lá apareci, mas uns tempos antes, havia estado numa consulta com uma médica do hospital em que lhe contei que já vivia por milagre, desde os meus 18 anos, pois todos os médicos que me haviam tratado, já haviam morrido há muito e que, provavelmente eu não aguentaria nem com a anestesia...
Mas ela, mais ou menos sorridente, me foi dizendo que não havia razão para eu estar assim tão preocupado, porque me via muito bem disposto e brincalhão e aquilo nem seria complicado de operar.

O telefonema do operador, lá me "acordou" daquela preocupação e fui à procura da Sala de Operações, do Hospital de Vila Franca de Xira, onde me obrigaram a beber dois litros dum líquido mal-gostoso, e que, segundo o enfermeiro, era para me limpar por dentro, completamente...
Bem que eu entendi, pois abrir os intestinos que não estivessem bem limpos, é que podia ser uma carga de trabalhos para o operador e para mim...
Assim, levei aquilo à risca e realmente chegou à altura de estar completamente limpo por dentro e por fora: o líquido que saía, tinha a mesma cor do que entrava.

Mas como eu fumo um macinho de cigarros por dia, levei com o meu pijama e mais alguma roupa, e sabonete, um macinho de cigarros e isqueiro, embora soubesse que seria expressamente proibido fumar lá dentro...

Quando estava a beber aquele malvado liquido, apareceu à minha frente, um rapaz novo, talvez com uns 25 anos, junto com a sua esposa, uma mulher positivamente linda, e ele a gemer de uma operação ao apêndice que tinha feito.
Aí perguntei-lhe: Você fuma ? Ao que ele me respondeu que sim, mas que nem um cigarro tinha para matar o vício...e ainda lhe custava mais o não poder fumar, do que as dores que tinha na barriga.
Então, fui à minha cama e saquei do meu macinho de cigarros, bem escondido, e disse-lhe: você vai ao WC, e fume um cigarrinho, porque fica logo melhor.
O rapaz todo sorridente e com a ajuda da sua linda esposa, muito devagar, com a sua mão direita na virilha direita, lá foi até ao WC e depois de uns 15 minutos, voltou com uma cara de muito contente e agradecido.

Mas no dia seguinte, logo pela manhã, entra um enfermeiro pelo meu quarto e enfia-me uma agulha num braço e mandou-me subir para uma maca que foi empurrada por um corredor, até à Sala de Operações, onde entrei e vi vários médicos e uma anestesista, que me voltou a picar e começou a fazer-me perguntas simples, como era o meu nome e que idade tinha... mas num repente... pimba, adormeci. Apaguei-me...
Estava completamente anestesiado e noutro mundo !
Só acordei umas horas depois, noutra sala, mas ainda me lembro de ter pensado, por que diabo eu me teria deixado operar e até estava raivoso... embora nada me doesse, mas não me lembrava de nada da operação. Por que diabo eu estava tão raivoso ? Seria que eu havia sentido dores e não sabia?
Estava na Sala dos pós operados e passado pouco tempo, lá me empurraram a maca pelo corredor fora, indo-me colocar numa sala com outros para operar e que me começaram a fazer perguntas...
Quando olhei à minha volta, tinha tubos de plástico metidos por tudo quando eram buraquinhos do meu corpo, à excepção dos ouvidos... e tinha um grande "remendo" na barriga, que ia de cima do umbigo uns 10 centímetros, a outros 10 centímetros abaixo dele! "Mas que grande naifada eles me tinham dado..."
Nuns suportes altos, estavam pendurados uns frascos de soro e outro de alimentação e outro de anestesia e eu ali estava tranquilo, mas sem saber o que me tinham feito.

No dia seguinte, entram 3 enfermeiros, em que um trazia uma bacia de água quente, enquanto os outros dois me desnudaram todo, e vai de lavar-me, como se eu estivesse todo sujo ! Irra, que raio de ideia a deles, porque tiveram de me rebolar para lavar por cima e por baixo, e isso é que me fazia doer um bom bocado...
E lá estava eu todo entubado, já cheio de vontade de fumar um cigarrinho, mas tive mesmo de aguentar.
O pior, é que no dia seguinte, veio um outro enfermeiro e verificou que já podia retirar alguns tubos, os que me entravam pelo nariz, outro da pilinha, outros das garrafas e me disse: "Agora vai tomar banho sozinho"...
Olha que gaita, pensei eu... Lavar-me novamente e porquê, se eu nem estava nada sujo nem suado... aquilo já era mania, mas com um pouco de ajuda, saí da cama, agarrei a toalha, o sabonete e outro pijama, além da máquina de barbear, e lá vou eu, corredor fora, até à casa de banho, sala grande, mas toda encharcada, para me lavar e sozinho !
Mas que raio de ideia a deles, pois o rasgão que me haviam feito na barriga, embora tivesse tapado por um grande adesivo impermeável, aquilo doía, mas lá me consegui pôr todo nu e vou tentar abrir o chuveiro.
Mas, mal dou uns passos no chão escorregadio de água e sabão dos outros que já lá tinham estado a tomar banho, escorreguei os dois pés, e com enormes dores, me vejo estatelado no chão e todo nu !
Aquilo é que estava ali um imbróglio, porque as dores eram muitas e não havia forma de me conseguir por em pé, mas lá fui de gatas, até à sanita, onde coloquei as mãos e me consegui erguer.
Seria que teria rebentado com os pontos ?
Então pensei: mas o que é que eu estou aqui a fazer, se ainda ontem me deram banho? Ná! Enxuguei-me, lavei a cara, depois de me ter barbeado, e muito calado, vesti o pijama lavado e voltei sorrateiramente para a minha cama, como se tivesse tomado um valente banho !
Mas às tantas, veio um enfermeiro e enfiou-me novamente os tubos nas veias e ajustou o pinga.pinga e foi-se embora.
Passada uma ou mais horas, ele voltou e vendo que tinha pingado pouco, abriu mais um pouco a torneirinha e o pinga-pinga aumentou de ritmo... e eu a ver... e foi-se embora.
Mas passadas mais umas horas, ele voltou com outro frasco na mão, e disse; então este frasco já devia estar vazio !!!
E vai de abrir mais um pouco a torneirinha, mas passada uma meia hora, eu vi que o ritmo dos pingos já havia diminuído e sem que ninguém visse, fui à torneira e experimentei a rodá-la, pondo aquilo a correr mais.
Dai a bocado, o enfermeiro voltou e ficou todo contente de já poder substituir a garrafa de plástico...
Mal sabia ele que eu é que tinha estado a regular o pinga-pinga, quase de meia em meia hora...
Mas no outro dia, lá me vieram com aquela mania de eu ir tomar banho novamente, eu que estava tão limpinho... Já era mania !
Assim, sorrateiramente, agarrei o macinho de cigarros e isqueiro, toalha e pijama e lá fui para a casa de banho, mas foi para fumar dois cigarrinhos seguidos tal era a saudade... e depois voltei para a cama de barba feita e todo bem cheiroso do sabonete que também tinha levado.
Como entretanto o líquido que evacuava, já estava só rosado, mandaram-me comer uma comida leve e no dia seguinte, eu já era outro. Parecia que estava tudo reparado.

Ao fim de 5 dias daquela marmelada, mandaram-me embora, mesmo perto da hora das visitas e foi no carro da minha filha, que voltei para casa, e lá tive de voltar uma semana depois, para tirar o adesivo e até vi que a enfermeira estava toda contente, porque não se havia infectado nenhum ponto, e com um alicate especial, tirou os agrafes todos.
Pudera, o meu maior cuidado, tinha sido não molhar o adesivo, não fosse molhar o rasgão da barriga e arranjar alguma infecção...que era o que eu tinha mais medo...

Mas eu sabia que no mês seguinte, teria de lá voltar para ouvir o médico sobre a biopsia que tinham feito aos pólipos e eu ali estava à sua frente, a vê-lo com uma cara muito carrancuda, a ler um extenso relatório.
O médico até era simpático e se chamava Bruto da Costa, mas eu estava num estado de nervos terrível, pois estava mesmo à espera que fosse algo canceroso e tivesse de ir fazer quimioterapia...
Mas quando ele chegou ao fim, fez um sorriso, avançou-me com a sua mão direita e me deu os parabéns, porque eram só tumores benignos e podia ir descansado para casa.
Aí, é que não consegui aguentar mais e desatei num pranto de lágrimas incontroláveis, mas feliz, mesmo muito feliz.
E nunca mais lá voltei, e até hoje e a pensar: Será que eu vou viver até aos 112 anos, como aquele piloto inglês Henry Allingham!
Isso é que era bom e, demais !

24 comentários:

Anónimo disse...

Mário, tenho lido suas crônicas, muito apreciadas no Brasil, no Site Lima Coelho

Um abraço amigo,
José Carlos Feitosa

Escrito por: Anónimo em 2008/08/19 - 16:39:52

Mário Portugal Leça Faria disse...

Para conhecimento de todos os leitores, publica-se abaixo os 21 comentários publicados no site brasileiro "Lima Coelho" a propósito deste post "Estatelado no chão e todo nú...."

Anónimo disse...

Sou um admirador das crônicas do Mário

Comentário Enviado Por: José Carlos Feitosa
Em: 19/8/2008

Anónimo disse...

Mário, excelente crônica

Comentário Enviado Por: Roque Damasceno
Em: 14/8/2008

Anónimo disse...

Oi Mário, que delícia de leitura

Comentário Enviado Por: Gracinha

Em: 14/8/2008

Anónimo disse...

Mário, que maravilhoso chegar em sua idade tão lúcido e com tanats experiências de vida

Comentário Enviado Por: Enedina Moraes
Em: 12/8/2008

Mário Portugal Leça Faria disse...

Quero agradecer e muito, os tantos e amáveis comentários que têm demonstrado como os brasileiros são tão sensíveis ! Esse Dr. Bruto da Costa, é um dos mais brilhantes médicos portugueses, e eu tive a honra de estar assentado à sua frente, quase joelhos se tocando, embora num estado tremendo de stress e desespero.
Comentário Enviado Por: Mario Portugal Faria
Em: 12/8/2008

Anónimo disse...

Mário, com mais esta crônica, aa admiração que sinto por você só aumentou

Comentário Enviado Por: Artur de Carvalho
Em: 12/8/2008

Anónimo disse...

Beleza de crônica, Mário

Comentário Enviado Por: Carminha

Em: 12/8/2008

Anónimo disse...

Valeu Mário

Comentário Enviado Por: Pedro Cantanhede
Em: 12/8/2008

Anónimo disse...

Muito engraçado

Comentário Enviado Por: Airton Costa
Em: 12/8/2008

Anónimo disse...

Mário você é um cronista excepcional. Parabéns

Comentário Enviado Por: Michelle Paiva
Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

Fico pasma com a memória do Mário, que retém tantos acontecimentos

Comentário Enviado Por: Paula Moreira
Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

Oi Mário, como você é animado!

Comentário Enviado Por: Luana da Silva
Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

O Mário tem muitas histórias ainda para nos contar. Fico no aguardo

Comentário Enviado Por: José Alcestes
Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

Mário, suas histórias enchem meus dias.

Comentário Enviado Por: Alcides

Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

Bravo Mário. És um sobrevivente

Comentário Enviado Por: Alcides

Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

Que epopéia! Mário de Deus, seu relato diz bem do quanto ficamos frágeis diante dessas surpresinhas nos reservam a idade.
Mas você foi surpreendente! Fosse eu, tombaria antes.
Adorei o nome do médico: Dr. Bruto da Costa. Só por causa do nome, juro, correria como o The Flash.
Mas correu tudo bem com o amigo e estás a nos contar sobre o que já são águas passadas.
Belo relato (não foi comigo)!!!!
Hás de viver muitos anos.

Comentário Enviado Por: Leila Jalul
Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

Muito bem grande Mário

Comentário Enviado Por: Vicente Rogedo
Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

Sem palavras

Comentário Enviado Por: Lúcia Sena

Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

Caro Mário, que memórias!

Comentário Enviado Por: Raimundo Lucena
Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

Gosto de ler suas crônicas e a cada uma nova que é postada, eu oa dmiro muito mais

Comentário Enviado Por: Helena Raposo
Em: 11/8/2008

Anónimo disse...

Valeu, valente Mário
Comentário Enviado Por: Mariana Rodrigues Em: 11/8/2008

joão silva disse...

Amigo mario eu sou aquele chato das placas de diatermia tenho estado a ler o seu blog que muito gosto ee me satisfaz velo sempre bem disposto um bem haja e e então até aõs 112 um grande abraço joão