quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Meu amigo João Pereira


Todos nós temos pessoas que se cruzam na nossa vida e há algumas que sobressaem por algo nos dizerem muito de especial. João Rodrigues Pereira, foi em deles.

Ele tinha uma figura interessante e até se parecia muito com o actor de cinema americano Clark Gable.
Quando adoeci dos pulmões, em 1945, fui encontrá-lo e conhecer, no sanatório CENTRAL do Caramulo, lá para os lados de Tondela, e ele tinha tuberculose num rim.
Felizmente que ele já estava em estado de cura e logo que me aconteceu o mesmo, nos colocaram na mesma mesa da sala de jantar, onde já estavam dois técnicos dos CTT, o Mário Martins, e o José Fonseca.

Naquela sala enorme, havia gente de todas as idades e profissões, mas eu era o mais novo.
Talvez por eu ser uma pessoa muito extrovertida, logo chamei a atenção de alguns outros doentes, uns em melhor estado do que eu, e outros bem pior.

Uma coisa de que eu gostava muito de fazer, era caricaturas e havia ali, naquela malta toda, imensas para fazer. Assim escolhi o que tinha uma cara mais fácil de caricaturar, o que os meus colegas da mesa, acharam imensa graça, porque estava mesmo parecida...

Como o meu amigo João Pereira, tinha muita habilidade para escrever versos, logo iniciámos uma página que era colocada no painel da sala de jogos, com os seus versos e as minhas caricaturas.

Este meu amigo João Pereira, era engenheiro Geógrafo, e toda aquela malta era casada, mas vivendo muito afastados das suas familias. Só eu era ainda solteiro.


Nas mesas mais próximas, estavam também doentes, médicos como o Dr. Amaro da Silva Rosa, o desenhador Alvaro Caffer e Reno, e muitos outros, pintores, caixeiros viajantes, professores e sei lá, quantas mais profissões.

Logo a seguir`ao almoço, onde nos tínhamos de apresentar de camisa, casaco e gravata, havia um espaço de tempo de quase uma hora, antes de termos de ir fazer as CURAS, em que todos tínhamos de estar deitados numas camas estreitas de ferro, num alpendre, a apanhar os belos ares da montanha, sem nos deixarmos dormir e sem falar.

Neste período de pausa entre o almoço e a CURA, o meu enorme quarto de dormir, era "Invadido" por estes amigos, embora fossem só uma meia dúzia dos mais selectos, mas como todos fumavam, quando dali saiam, era tanto o fumo, que eu tinha de abrir as janelas, para ele sair...

Cada um falava das suas coisas, das saudades das esposas e filhos e se contavam anedotas, quase sempre bem picantes...

Toda a outra malta se juntava numa sala de jogos no outro extremo do andar, a jogar as cartas ou o dominó.

Talvez, e não sei porquê, eu havia ficado no centro daqueles encontros mais ou menos ruidosos, mas também é certo de que era o maior quarto daquele sanatório, porque se havia curado o meu companheiro de quarto, o Isolino, e assim, eu estava com mais espaço disponível.


Foi na época da foto que encabeça esta crónica, que me entusiasmei em construir uma estação de rádio "pirata", muito pequena e sem conhecer nada de eletrônica, que a construi e pus a funcionar, mas os seus 2 ou 3 Watts, chegavam a quase todos os outros sanatorios.

Naquele tempo, nenhuma outra rádio lá chegava, e depois das CURAS, eu ainda tinha uma hora disponível, para irradiar o meu radio. Depois entrava a funcionar o Radio Polo Norte, também montado no Caramulo, por outro meu amigo, o Joaquim Seabra.

Como no inverno, todos andávamos de fortes capotes pretos, mais parecíamos uns pinguins e daí o ter dado o nome de Radio Clube dos Pinguins, (RCP) à estaçãozinha de rádio.

Como a energia eléctrica era fornecida por um grande gerador, à noite, a luz ficava tão fraca, que nenhuma telefonia conseguia tocar, mas como eu havia construído um elevador de tensão, já tinha energia para um rádio, e lá vinha aquela malta toda para o meu quarto, para ouvir as noticias, os discursos políticos, as rádio-novelas, a música e...fumar.

Como ele não tinha filhos, vivia com uma pena imensa das crianças doentes e internadas do SANATORIO INFANTIL, ali mesmo atrás da Ermida e que era controlado por freiras, até porque havia crianças de colo e todas cheias de saudade dos seus pais. Aquilo fazia mesmo pena !

Um dia, em que havia adquirido um pequeno projector de cinema de manivela, ele me perguntou: E se mandássemos vir uns filmes de desenhos animados, para entreter os miúdos?

Aquela ideia também me apaixonou e começámos a fazer peditórios destinados aquele fim, por todos os sanatorios, pelo que se conseguiu o dinheiro suficiente para mandar vir os filmes, e comprar uns pacotes de rebuçados, para entregar aos miúdos mais disciplinados...

Logo que chegavam os filmes, lá agarrava eu num tripé com o projector de 9,5mm, enquanto o João Pereira levava os filmes e os pacotes de rebuçados.

A criançada ficava louca de alegria e nós os dois também.

Depois de nos termos separado, porque ele se veio embora e curado, ainda lhe escrevi a dizer que estava a viver em Benavente, e ele me havia contado que estava a trabalhar nas medidas da Barragem do Alqueiva, em pleno Alentejo.

Não me lembro porquê, mas às tantas perdemos o contacto um do outro e ele até pensou que eu tivesse morrido.

Mas um dia em que um casal de Benavente, onde eu vivia, estava de férias no Alentejo, e no mesmo hotel do meu amigo, ele ouviu falar do meu nome e logo desejou fazer referência à minha pessoa, com ar muito contristado, por julgar que eu já não existisse, mas logo foi informado de que me conheciam perfeitamente e que já tinha casado com uma linda ribatejana e tinha 3 filhos !
De imediato me apareceu de visita, acompanhado da sua esposa, a D. Carlota, e tendo passado a viver em Samora Correia, a 6 Km de Benavente, agora empregado na Companhia das Lezirias.



E vivemos mais alguns anos, imensos fins de semana, até que ele começou a ter muita dificuldade de andar e vim a saber depois, que ele havia falecido de Parkison.

Entretanto, este tão grande amigo, de há mais de 50 anos, nunca mais esqueci e dele me recordo imensas vezes, com imensa saudade.

21 comentários:

Mário Portugal Leça Faria disse...

Para conhecimento de todos os leitores, publica-se abaixo os 18 comentários publicados no site brasileiro "Lima Coelho" a propósito deste post "Meu amigo José Pereira"

Anónimo disse...

Mário, que homenagem! Adorei
Comentário Enviado Por: Laura Antunes Em: 15/2/2009

Anónimo disse...

Uma bonita crônica
Comentário Enviado Por: João Antônio Em: 15/2/2009

Anónimo disse...

É isso aí Mário. Tenha um 2009 muito feliz e cheiod e nergias.
Comentário Enviado Por: Rogério Salgado Em: 16/2/2009

Anónimo disse...

Caro Mário, com que memórias voc6e nos brindou!
Comentário Enviado Por: Elson Carneiro Em: 16/2/2009

Anónimo disse...

É isso aí Mário, quem tem boas lembranças nunca está só
Comentário Enviado Por: Valmir Botelho Em: 16/2/2009

Anónimo disse...

Parabéns amigo Mário. Suas crônicas encerram lições de vida e de amizade.
Comentário Enviado Por: Samuel Dias Em: 16/2/2009

Anónimo disse...

Parabéns Mário
Comentário Enviado Por: Wilma Costa Rios Em: 16/2/2009

Anónimo disse...

Gostei imensamente de ler sobre suas amizadese saudades delas.s
Comentário Enviado Por: Floripes Em: 16/2/2009

Anónimo disse...

Oi Mário que bela amizade!
Comentário Enviado Por: Talita Em: 16/2/2009

Anónimo disse...

Oi Mário que bela amizade!
Comentário Enviado Por: Talita Em: 16/2/2009

Anónimo disse...

Oi Mário, que Deus ilumine a tua bela memória
Comentário Enviado Por: Patrícia Gobbi Adreatta Em: 16/2/2009

Anónimo disse...

Feliz é o homem que tem amigos.
Bela homenagem!
Comentário Enviado Por: Leila Jalul Em: 17/2/2009

Anónimo disse...

Mário a amizade que revelas nesta crônica é um exemplo dos mais importantes do valor da amizade.
Comentário Enviado Por: Jardel Brandão Leite Em: 17/2/2009

Anónimo disse...

Mário, sempre aprendo muito lendo tuas memórias
Comentário Enviado Por: Lenir Sacramento Em: 17/2/2009

Anónimo disse...

Que bela demonstração de amizade!
Comentário Enviado Por: Neide Gomes Em: 17/2/2009

Anónimo disse...

Caro Mário, parabéns por mais esta crônica em que relatas tuas histórias
Comentário Enviado Por: Túlio Em: 17/2/2009

Anónimo disse...

Mário, gosto de ler suas crônicas, memórias de sua vida
Comentário Enviado Por: Gilberto Dias Em: 19/2/2009

Anónimo disse...

Um prazer ler sua nova crônica
Comentário Enviado Por: Marcos Figueiredo Em: 23/2/2009

Anónimo disse...

Ao ler este seu texto veio logo à lembrança o livro "Montanha Mágica" de Thomas Mann onde também se descreve o ambiente no interior de um sanatório e a relação entre os doentes residentes.
Muito bem, Mário

Unknown disse...

Gostei muito. Uma boa amizade nunca se perde.
Yolanda