sexta-feira, 23 de maio de 2008

O MEU FABULOSO IRMÃO CARLOS MAR

Quando este meu irmão nasceu, em 1924, foi uma alegria imensa para meu pai, em especial, porque da parte de minha mãe, que havia perdido um seu primeiro e grande amor, para salvar a sua mãe dum loucura que já se estava a manifestar, não havia a mesma alegria...

Minha mãe era açoriana, como eu, de gema, e além de muito bonita, tocava piano maravilhosamente, no seu belo piano de cauda.

Ela possuía uns normais olhos castanhos, como eu, mas ficou deslumbrada com uns olhos azuis que meu irmão trazia, muito parecidos aos do meu pai e, como sempre viveu rodeada de água do Oceano Atlântico, logo lhe deu o nome de MAR, com o que meu pai concordou de imediato, e assim, ficando como Carlos Mar Bettencourt Faria.

Este miúdo, um tanto sisudo, aos 3 anos de idade, começou a mostrar certas virtudes pouco usuais nas crianças de tão tenra idade, mostrando-se muito interessado, mais pelas mecânicas complicadas, do que por carrinhos e bonecos...


Meu pai que estava muito atento, logo lhe começou a oferecer Mécanos, brinquedo muito usado naquela época, com dezenas de peças metálicas furadas e milhentos parafusos, porcas, rodas e rodinhas, além das ferramentas miniatura, que as crianças podiam manejar facilmente.


A sua memória para os sons, também espantava toda a gente, pois bastava ouvir o ruído de um motor de automóvel e o seu pai lhe dissesse a marca do veículo, logo ele, mesmo brincando no meio da sala, muito compenetrado com o que estava a fazer, sempre ia dizendo: ali vai um Ford... agora um Citroen... agora um Fiat... e lá continuava a colocar as pecinhas do seu Mécano ...

« A casa onde eles viviam, era um dos mais belos edifícios da Av.Almirante Reis, e que fazia esquina com a Rua da Palma e Largo do Intendente, em Lisboa.




Por baixo, no rés-do-chão, era todo ocupado com a sua Empresa Nacional de Máquinas e foi por causa de uma venda para S.Miguel, duma destas máquinas, que ele foi dirigir a montagem, e que veio a conhecer minha mãe, por quem ficou, de imediato, loucamente apaixonado.



Ele não era o que se pode chamar de "pessoa dotada de beleza física", mas aquela sua forma de falar à moda continental, tão diferente da açoriana, era um gosto ouvir, e se ele tinha coisas interessantes para contar !




Embora nesta imagem, ele pareça que tinha os olhos escuros, eram verdes e o seu olhar penetrante, até parecia que "faiscava" de hipnotismo, junto duma voz grave muito bem timbrada !




Aquele homem tinha uma certa magia, pois falava de tudo com imensa facilidade, como se fosse um profissional de centenas de ofícios...




Meu avô que, além de médico, também era muito curioso e tinha no sótão (lá se chama falsa) imensas ferramentas para muitas ocupações, como mecânica, carpintaria, caça, fotografia, electricidade, etc, logo se mostrou encantado com a fluída conversa daquele Sr.José Augusto Martins Faria.


Ainda por cima, como adorava música séria e até sabia tocar violino, encantava toda a gente, menos minha mãe que vivia atormentada, por ter tido de apagar dos seus intentos, um amor de há alguns anos, por um oficial Madeirense, um tal Santos Pereira, mas que tinha uma irmã doente de loucura, doença que apavorava minha avó, muito em especial quando soube que uma irmã deste oficial, levava a vida torturada pela sua irmã louca, veio a dizer à minha avó, que estava desejosa daquele casamento, para ser minha mãe a aturar os desmandos daquela loucura.


Esta terrível situação, veio a despoletar na minha avó, uma artista nata ao piano, professora de Francês e inglês, ataques de loucura, fechando-se num quarto e lá se pondo aos gritos e proferindo nomes que de feios, ninguém admitia que pudessem sair da boca duma senhora tão fina...


Meu avô, vendo-a já no início da loucura, insistiu com minha mãe, para que parasse com aquele namoro, o que ela aceitou, com grande sacrifício, desfazendo o noivado com o oficial.

«Entretanto naquela casa cor-de-rosa em S.Miguel, nos Açores e na freguesia dos Ginetes, que reportei neste blog, em Junho de 2007, o seu belo piano de cauda, lá ia mantendo minha mãe entretida, muitas vezes chorando a sua tristeza !

Meu pai andava sempre de um lado para o outro, tanto em S.Miguel como no Continente, levando consigo o seu belo carro que fazia transportar de barco.

« O grande amor da minha mãe, estava a fazer serviço militar na ilha Terceira e quase todos os fins de semana, ia visitar o seu amor a S.Miguel.


Foi numa destas alturas, em que meu pai estava em S.Miguel, e nos Ginetes, a 25 Km de distância da cidade de Ponta Delgada, que ele se ofereceu para ir no seu carro, buscar o oficial, a Ponta Delgada, pois até estava interessado em saber quem seria aquele indivíduo que estava enamorado pela mulher por quem ele se havia enamorado também, mas vendo o carinho dele para com a minha mãe, retirou-se da sala e foi chorar de tristeza, debruçado sobre o volante do seu carro.


Meu avô foi assim dar com ele e ficou muito impressionado, em especial quando meu pai, lavado em lágrimas, lhe disse:
" Doutor, se por qualquer motivo, houvesse um desfazer daquele noivado, diga-me de imediato."

Foi por esta altura, que se deu o caso da loucura já abordada anteriormente, e mal meu pai soube da interrupção do noivado, de imediato apareceu, para grande alegria dos meus avós, e menos da minha mãe, como era óbvio, mas pedindo a sua mão para casamento quase imediato.

«Mas, como estava a descrever anteriormente, meu irmão lá ia crescendo e cada vez mais entusiasmado pelas coisas científicas, além de adorar a música, onde desde miudo mostrou habilidade para tocar piano, mas sempre achou que era muito aborrecido o ter de estudar música e assim se ficou a tocar de ouvido e de tal maneira, que muitos depois, gostava muito de mostrar às visitas à sua casa em Angola, no seu Observatório da Mulemba, as suas habilidades a tocar piano.

« Mas voltando uns anos atrás, num certo dia, quando ele tinha uns 3 anos, a minha mãe foi visitar uma senhora importante em Lisboa, levando meu irmão, e no meio da sala, estava uma mesa de luxo, carregada de pratas e coisas de muito valor.



Meu irmão, havia-se metido debaixo da mesa e verificado com os seus minúsculos dedinhos, já muito hábeis no Mecano, que podia retirar uma data de parafusos dourados, muito pouco apertados e às tantas, foi despejá-los no colo da minha mãe, que ficou apavorada, por logo terem verificado que a mesa estava prestes a desmoronar-se...
E, de imediato, olhando aqueles olhos azuis do meu irmão, lhe disse :
"O menino vai colocar esses parafusos todos nos seus sítios e as porcas também...!"
E ali ficaram as duas senhoras, apavoradas, sem saber o que dizer, mas a observar a habilidade e destreza com que meu irmão se voltou a meter debaixo da mesa e lá enfiou os parafusos e porcas que tinha conseguido retirar.

Mas, quando ainda só tinha uns 9 anos, e eu 5, e estávamos na instrução Primária, ele pensou em construir um violino, de raiz !


Na oficina do sótão de meu avô, havia muitos retalhos de madeira, e ele agarrou uma fita métrica, e foi fazer centenas de medidas do violino de meu pai, que estava sobre o piano.


Mas aquilo tinha muito de complicado, porque ambos os tampos, eram côncavos/convexos, e não se podia prender na bancada de carpinteiro, pelo que eu estava sempre a ser chamado para segurar aquilo, enquanto ele, munido das goivas e outras ferramentas, lá ia escavando aquelas tábuas.


Mas mesmo que eu me queixasse de que já me doíam muito as mãos, ele insistia...


Eu sou, por isso, a única pessoa no Mundo, que sabe deste e muitos outros acontecimentos.


E ele já sabia escolher as madeiras mais apropriadas para cada parte do seu violino, porque tinha tudo bem planificado.


Até que finalmente, aquilo começou a ser experimentado, "miando" como gatos, o que muito intrigou meu pai, no andar debaixo, pois até julgou que o "malvado" garoto estivesse a mexer no seu adorado violino, mas como o foi encontrar em cima do piano, vai de subir ao sótão e ver o violino de meu irmão, pegando nele, mirou-o por todos os lados, afinou as cordas e colocando-o debaixo do queixo, tocou uma melodia !


Aquilo era lindo demais ! Aquilo até tocava ! e os nossos olhos se encheram de lágrimas...

«Nessa época, já toda a família sabia que meu pai, ainda no Continente, em Lisboa, após ter agarrado uma enorme carga de diabetes, veio a despoletar-se uma tuberculose e assim ele havia pedido ao meu avô, para o deixar morrer junto da sua amada esposa e filhos, nos Açores.


Meu avô bem compreendeu a sua vontade, mas passou a andar muito preocupado com o possível contágio de qualquer um dos presentes, até porque meu pai não se mostrava muito preocupado em tossir para qualquer lado...como se estivesse somente constipado...


Mas o médico, um tal Dr. Brilhante, quando meu avô lhe foi falar do tempo que ele teria de vida, ouviu que não podia durar mais do que uns 3 ou 4 meses.


Assim, lá autorizou a sua ida para S.Miguel, onde ainda viveu 3 anos, morrendo com 45 anos.

Meu irmão estava sempre a evoluir, e é nesta altura da grave doença de meu pai, que nós recebemos de oferta do nosso professor de Instrução Primária, o Sr. Santos, um radio e pilhas, avariado, mas com a paciência de meu avô e a sua habilidade para as electricidades, nos pôs a limpar os contactos de todas as pilhas e lá começámos a ouvir milhares de coisas a piar pi-pi-pi, e que viemos a saber ser telegrafia, e as ondas de rádio.


Aquilo era demais interessante!
Meu irmão, melhor do que eu, e com o seu belo ouvido, de imediato aprendeu o código Morse e levava horas entretido a agarrar aquelas comunicações, pelo que desde muito cedo, com 13 anos, já dominava a telegrafia e muito da tecnologia electrónica, que "bebia" de todos os lados...

« Uns anos depois, chega a altura do Serviço Militar, que ele abominava, e vai parar ao Algarve, a Tavira, mas como tinha muita habilidade para o desenho, desmontou a sua arma toda, e desenhou-a, peça a peça, com vistas por todos os lados.

Aquilo deu um brado enorme no quartel, e o Comandante o incumbido de desenhar todas as armas existentes, ficando assim como instrutor e responsável pelo arquivo dos desenhos.


Mais uma vez, Carlos Mar se tinha evidenciado e tirado partido da sua habilidade, e ficando fora dos aborrecidos exercícios militares...


Assim, ele havia feito o Serviço Militar, a brincar com coisas muito interessantes.

«É desta época, o meu artigo Nº.85, "E meu irmão me salvou a vida", em Março de 2008.

«Eu fui assim, durante toda a minha vida, uma pálida sombra deste rapaz que eu tanto admirava e amava, embora muitas vezes não estivéssemos de acordo.



O seu enorme entusiasmo pela astrofisica, veio a pô-lo em constante contacto com a NASA, que foi visitar e até falar pessoalmente, com os astronautas.

Ele foi uma honra para Portugal, onde nunca foi compreendido...

Quando se soube que havia sido assassinado em Julho de 1976, sem nunca ter feito mal a ninguém, a minha vida se desmoronou !

«Gostaria de deixar aqui o meu profundo agradecimento à minha irmã Maria Leonor, que me ajudou imenso com alguns factos que eu até desconhecia, mas ela havia guardado das conversas com a nossa mãe, Maria da Luz Ferraz Bettencourt Leça Faria.

25 comentários:

Mário Portugal Leça Faria disse...

Para conhecimento de todos os leitores, publica-se abaixo os 23 comentários publicados no site brasileiro Lima Coelho "http://www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=1430" a propósito deste post "O meu fabuloso irmão Carlos Mar"

Anónimo disse...

ih tio!!! como é bom relembrar essas histórias que a avó contava sobre meu pai com tanto carinho. adorei!

Comentário Enviado Por: maria do mar
Em: 19/8/2008

Anónimo disse...

É uma bonita crônica de memórias

Comentário Enviado Por: Antônio Pereira
Em: 05/6/2008

Anónimo disse...

Nem sei se já comentei, mas Mário, aceite meus parabéns

Comentário Enviado Por: Geisa Paixão
Em: 29/5/2008

Anónimo disse...

Belza Mário, você tem todo o direito de continuar escrevendo como escreve. Continuaremos a entendê-lo

Comentário Enviado Por: Gilda Abreu
Em: 27/5/2008

Anónimo disse...

Gostei muito, aliás sou seu fã

Comentário Enviado Por: Paulo Henrique
Em: 26/5/2008

Anónimo disse...

Mais uma vez, meus parabéns Mário

Comentário Enviado Por: Jessé
Em: 26/5/2008

Anónimo disse...

Muito bem Mário!

Comentário Enviado Por: Sara Ribeiro
Em: 26/5/2008

Anónimo disse...

Excelente, como sempre

Comentário Enviado Por: Enedina Moraes
Em: 25/5/2008

Anónimo disse...

Maravilha de crônica!!!!!!!!

Comentário Enviado Por: Ana Saldanha
Em: 25/5/2008

Anónimo disse...

É muito boa e gostosa de ler

Comentário Enviado Por: Ismênia
Em: 25/5/2008

Anónimo disse...

Adorei a sua crônica. Aliás, o senhor é admirável

Comentário Enviado Por: Lúcia Ferreira
Em: 25/5/2008

Anónimo disse...

Um escritor de alto nível e sensibilidade

Comentário Enviado Por: Roberto Garcia
Em: 25/5/2008

Anónimo disse...

Mário, seus ecritos são deliciosos

Comentário Enviado Por: Ninon
Em: 24/5/2008

Anónimo disse...

Mais uma vez, obrigada Mário. Você escreve como se estivesse falando

Comentário Enviado Por: Cátia Brunella
Em: 24/5/2008

Anónimo disse...

Gostei muito. Viajei no tempo com você

Comentário Enviado Por: Beatriz Pereira
Em: 24/5/2008

Anónimo disse...

Mário a sua mente é prodigiosa. Gosto de ler suas crônicas

Comentário Enviado Por: João Albuquerque
Em: 24/5/2008

Anónimo disse...

Adorei meu amigo Mário

Comentário Enviado Por: Ana Maria
Em: 24/5/2008

Anónimo disse...

Oi Mário, que beleza de lembranças e como você as escreve bem!

Comentário Enviado Por: Lili
Em: 24/5/2008

Anónimo disse...

Caro Mário, que memória a sua! Parabéns amigo

Comentário Enviado Por: Antônio Brito
Em: 24/5/2008

Anónimo disse...

Obrigada Mário, mais uma vez foi um prazer ler uma crônica sua

Comentário Enviado Por: Carla Porto
Em: 24/5/2008

Anónimo disse...

Bacana Mário

Comentário Enviado Por: GIna Freire
Em: 24/5/2008

Anónimo disse...

Gosto de suas crônicas de memórias familiares. Parabéns

Comentário Enviado Por: Carolina Reis
Em: 23/5/2008

Anónimo disse...

Prezado Mário, mais uma vez leio uma crônica sua e fico muito feliz de sentir o carinho com o qual você tarta a sua família. São lembranças muito carinhosas

Comentário Enviado Por: Ribamar Cardoso
Em: 23/5/2008

Anónimo disse...

Mário Portugal escreve aqui esta crónica de família com elevada mestria. Todos adoraram. Fala de seu irmão e reporta mais a infância e alguma adolescência do que a fase adulta em que viveu em Angola. Eu testemunho aqui que Carlos Mar Bettencourt Faria com quem privei em Luanda no Observatório da Mulemba construído inteiramente por si, era algo inacreditavelmente fantástico e nunca visto vindo de um indivíduo às suas expensas. Era mesmo muito fabuloso e inacreditável este Senhor de ciência e muito mais do que a crónica de seu irmão pretende dar a conhecer.
Peres Pereira