quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

PERDIDO NA FESTA DO SANTO CRISTO

« ENTRADA DE S:MIGUEL »



Já não era a primeira vez que lá me perdia, no meio da grande confusão...

A principal festa religiosa em S-Miguel, Açores, é a Festa do Santo Cristo dos Milagres, que todos os anos leva a que toda a população da ilha, e milhares de emigrantes, se junte na Cidade de Ponta Delgada, 5 ou 7 semanas após a Páscoa, e para que a miudagem não se perca naquele reboliço enorme, à noite, formavam-se bichas às vezes enormes, indo as pessoas mais velhas à frente de toda a miudagem atrás de mãos dadas, umas às outras .

Estas Festas faziam-se no Campo de S.Francisco e, daí o espaço ficar bloqueado facilmente. Actualmente, os festejos estão divididos por toda a cidade, pelo que os episódios referidos nestes comentários, são de 1935.


Isto até funcionaria bem, se não houvessem outras bichas cruzadas e como as pessoas são aos milhares, a pobre miudagem não consegue saber de onde vem nem para onde vai, limitando-se a seguir o miúdo a quem está agarrado e ir puxando o que está a seguir.

Mas se aparece outra bicha cruzada que à força obriga a bicha a rebentar, ninguém lá para a frente, sabe do que aconteceu e há crianças abandonadas, inevitavelmente aflitíssimas, no meio daquela enorme confusão.

E o pior é que, quando a bicha era rebentada, tinham de passar 5, 10 ou 12 pessoas todas agarradas umas às outras como nós e, enquanto isso durava, a nossa bicha ficava totalmente esfrangalhada...Era tenebroso !

E lá vinha o berreiro bem alto de um a dizer que tinha perdido a Manuela, ou tinha perdido o Mário, ou tinha perdido a Leonor, ou então a Gabriela, que era a mais nova...

Mas quando chegava a noite, tudo se complicava ainda mais, porque a escuridão era total, para se ver bem o fogo de artifício e a iluminação de todos os monumentos, se se tivesse altura física para ver alguma coisa. Uma criança de 8 ou 9 anos, não vai ver nada, a não ser escuridão e relâmpagos em cima das suas cabeças, provenientes dos foguetes ! Aquilo é realmente tenebroso para as crianças de tenra idade, como pelo menos eu era, em 1935, mais ou menos... com 10 anos...

Nesta época, a nossa bicha era composta de 8 pessoas, sendo 3 grandes e 5 miúdos, o que já dá um comprimento de bicha, de uns 7 ou 8 metros. Conduzir uma "tropa" destas no meio de "milhões" de pessoas, todas encostadas umas às outras, era obra...

Esta época era sempre um grande reboliço lá em casa, porque vivíamos a 25 Km de distância, na freguesia dos Ginetes, e havia que preparar tudo, desde as vestimentas, aos farneis e depois a viagem que levava bem mais de uma hora...

Para tentar resolver a situação dos miúdos que sempre se perdiam, meu avô resolveu ensinar todos para que, em caso de ser rebentada a bicha e se perdessem uns dos outros, pedíssemos a algum graúdo, para nos levar para a porta do Hospital, que fica lá ao pé, e isso passou a ser a nossa grande safa, embora a família só desse pelos desaparecimentos, às vezes, depois dum grande bocado e ainda íamos com sorte, quando alguém nos ajudava a encontrar o Hospital, o que nem sempre era fácil....mas perante a nossa amarga aflição e choradeira, sempre havia alguém simpático que nos ajudava, pegando na nossa mão e entregando-nos à entrada do Hospital, onde meu avô era muito conhecido.

Aquilo, visto agora a 70 anos de distância, até tinha um certo gozo, pois mal era rebentada a bicha, o miúdo que tinha ficado sem ninguém numa das mãos, começava logo a gritar para o da frente, para avisar os outros, até se chegar ao "patrão da lancha"... que logo parava a bicha, para tomar conta da situação.

Provavelmente hoje, nada disto será assim, porque provavelmente, a miudagem ficará toda em casa, a brincar ou ver televisão, mas naquela época, não era festa para a miudagem...


Escrito por Engenhocando em 2007/04/19 às 17:05:43

2 comentários:

Anónimo disse...

"Engenhocando"e um dos blogos que me prendem para ler essas bonitas memorias que o senhor tao bem sabe contar.
Como eu gostaria de saber escrever assim para poder contar sobre coisas bonitas e pessoas tao queridas que passaram na minha vida e de quem tenho tantas saudades.
Com os meus cumprimentos
Elzira


Escrito por: Elzira Santos em 2007/04/20 - 05:56:50

Mário Portugal Leça Faria disse...

Muito grato pelas suas tão simpáticas palavras ao artigo, mas talvez já seja tarde para este agradecimento, dado o tempo que se passou.

Escrito por: Mario Portugal Faria em 2007/06/01 - 12:14:58