domingo, 5 de novembro de 2006

A MALVADA PERNA TORTA

O "QuickSilver" ULM de 1985

A foto acima, é muito mais recente, de 2006, e mostra a volta do baptismo de voo da minha filhota Antonieta, num QuickSilver pilotado pelo piloto-Instrutor António Palma, meu grande amigo.

Como tanto ela como ele, estavam viúvos, até resolveram casar-se.

Esta minha filha havia herdado do pai, o grande interesse por experimentar todas as máquinas que lhe pusessem pela frente. Assim, aprendeu rapidamente a andar de bicicleta aos 4 ou 5 anos, embora voltando a casa, frequentemente toda arranhada dos trambolhões, chorando, mas, logo de seguida, e cheia de tintura, ali ia ela novamente para cima da bicicleta...

Na foto ao lado, podemos ver um pequeno tractor que usava um motor de bicicleta motorizada, que só usava a primeira velocidade, brinquedo este que era pilotado primorosamente pelo meu filho Mário, nessa altura com 4 anos.

Foi por esta altura, 1959, que eu havia construido um minúsculo automóvel para os meus já três filhos,

e que utilizava um vélho motor de 100CC, daqueles que pegavam à corda e era a delícia de imensos miúdos que corriam atrás dele.

Aquilo era tudo feito de chapa zincada e o motor ia colocado atrás.

A embraiagem era feita com o esticar duma correia que estava a patinar num tambor e o travão era muito rudimentar, comprimindo uma sapata contra o tambor da desmultiplicação de RPM. Assim, os garotos logo aprenderam que era necessário desembraiar, antes de travar, senão aquilo não parava...

Como não havia dinheiro para jantes e pneus novos, havia usado 4 pneus velhos de lambreta e as jantes, eram dois discos de chapa de ferro que apertavam fortemente os dois bordos dos pneus, um de encontro ao outro. Como tudo aquilo era muito leve, e os miúdos também, nem necessitava de câmaras de ar.

O volante havia sido improvisado com uma roda da frente dum velho triciclo abandonado.

Como a minha filha ainda era muito pequena e mal chegava aos pedais, um dia, não encontrando o travão, pos-se a olhar lá para o fundo, e vai de chocar com um carro que estava parado, mas como ia muito devagar, nada lhe aconteceu, já não se podendo dizer o mesmo da frente do carro, que ficou um tanto amachucada. Mas saltou lá de dentro, toda feliz, por já ter conseguido conduzir o carrito, às voltas pelo bairro onde morávamos, como já fazia o seu irmão Mário com mais um ano de idade.

Mas, voltemos aos aviões, ou "coisas" que andam pelo ar !

-Os aviões QuickSilver, possuem umas longas pernas de tubo de alumínio Dural que, embora reforçado com outro no seu interior, e perante uma aterragem "dura", vergavam para dentro, pelo que a asa desse lado, ia quase parar ao chão.

Para substituir esta malvada perna, era uma odisseia, porque o avião tinha de ser levantado no ar, com a ajuda de 4 pessoas, duas em cada lado, enquanto o mecânico rapidamente retirava os parafusos de cima e debaixo e enfiava uma perna nova. Aquilo era literalmente uma chatice e com tantos alunos a aprenderem a pousá-los, era certo e sabido que de 15 em 15 dias, lá havia uma malvada perna torta...

O problema assanhava-se ainda mais, quando eu, um franganote de 60 Kg, também tinha de ir ajudar a levantar o avião pelos tubos da asa. Sempre era levantar uma coisa de 200 Kg e cada ajudante teria de conseguir aguentar os seus 50 Kg o tempo suficiente para a substituição da perna torta...

Mas um dia e, depois de ter estado a estudar bem as triangulações em que o aparelho era montado, pensei que devia ser perfeitamente possível fazer esse trabalho, sem qualquer ajuda, e, perante a aflição do Fernando, que não acreditava, consegui provar que uma só pessoa, podia levantar um lado do aparelho e com um pé, fazer escorregar para baixo dum tubo robusto, que vai de lado a lado, uma pienha de suporte.

Depois no outro lado, podia fazer a mesma coisa e assim , o trem de aterragem ficaria todo no ar e se podia facilmente e sem qualquer esforço, retirar o ou os tubos tortos das pernas e substituí-los com toda a facilidade.

O mecânico Rui, mostrando um dos lados do avião levantado e já com uma pienha colocada dum lado. Com um pé, ele está a mostrar que a roda desse lado, já está solta do solo, mas para que todo o trem de aterragem fique solto, ainda havia de colocar do outro lado, outra pienha. A partir desse altura, e como as pernas já não ficam a fazer força alguma, era muito fácil retirá-las.

O mais curioso, é que durante os 5 anos anteriores da Escola, nem os fabricantes se tinham lembrado desta simples solução. Assim, desde 1990 para cá, nunca mais houve qualquer problema na substituição das "malvadas" pernas tortas destes aviões...

Em 1991, entra para a AEROLAZER, o piloto-instrutor Miguel Serro, que vem reforçar a equipa de instrutores da Escola e também José Lino que podemos conhecer pela foto seguinte. Se bem que estas fotos são recentes, eles ainda se mantêm muito parecidos.

Como eu estava mais ou menos, sempre por ali, fizemo-nos grande amigos e tive o prazer de voar com eles e aprender muitas mais coisas sobre o voo, em especial em situações um tanto mais difíceis, com o José Lino.

Aqui há uns anos, o Lino convidou-me para ir voar com ele num QuickSilver, agora indo ele como passageiro..., mas às tantas ele me diz : -o avião é meu e obviamente larguei os comandos.

Ele faz uma "rapada" (voar muito perto do solo) à pista, com o motor "nos copos" (máxima potência), com o vento de cauda e ao chegar ao seu fim, mete o manche à barriga e deixou o aparelho subir velozmente, até que, devido ao enorme ângulo de ataque e à perda de velocidade inerente e propositada, o avião para no ar e entra em perda a uns 100 metros de altura e vai de meter o nariz em baixo. Nesse preciso instante, ele me grita: o avião é teu e vai de pousá-lo...

Eu estava sem comandos e ainda por cima, com o avião ao contrário da direcção de aterragem, mas pensando que, para ele me exigir aquela complexa manobra, era porque poderia ser feita e de imediato, meti motor, manche à frente e pé esquerdo, voltando rapidamente a ter o avião de frente à pista, pelo que já com ele direitinho e a boa velocidade, consigo fazer a aterragem perfeita !

- Olha que isso não é fácil, e os meus parabéns por o teres conseguido, acrescentou-me ele.

Obviamente, eu havia sentido o prazer de o ter conseguido, até porque há muitos meses não pilotava e isso vinha-me provar a confiança que ele em mim depositava.

Uns anos antes, aí por volta de 2000, quando chego ao Campo de Voo, o Fernando tinha acabado de aterrar um avião acabado de construir e que estava em "rodagem". Mal me viu, disse-me logo: pega no avião e vai fazer uma meia hora de voo com ele, indo para onde te apetecer.

Verdade seja dita que eu sempre fui um desorientado em voo, sempre preocupado em perder o rumo e a pista, pelo que os meus voos eram sempre feitos com a pista à vista...

Aquilo era o mais moderno dos QuickSilvers, já com motor sobre a asa, mas eu nunca o tinha pilotado sozinho. Aí perguntei-lhe se não seria arriscado e até perigoso para mim e para o aparelho, agarrá-lo e, sem mais aquelas, por-me a voar nele, mas ele logo me informou de que era um avião igual aos outros, embora com mais potência de motor.

Assim, um tanto contrafeito, até porque já tinha 73 anos...lá peguei nele e vai de voar uma meia hora, tempo que para meu gosto, e já era até demais... Eu já estava mesmo farto de voar....

Na verdade, eu gosto mais das mecânicas, do que voar. Assim, 10 ou 15 minutos de voo, já me chegam...

Aquilo era uma máquina e pêras, pois sendo eu muito leve, com 60 Kg. ela reagia prontamente a todas as manobras e até ganhava velocidade a que não estava ainda habituado, mas lá o aterrei, depois daqueles enormes 30 minutos... e reportei como o voo tinha ocorrido.

- Eu sabia que ias gostar, reportou o Fernando todo amável e sorridente.

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