sábado, 4 de novembro de 2006

Manuel dos Santos Almeirão por João Vitalino Martinho

Certas figuras genuinamente descritas por quem tem habilidade para tal, tomam um vulto extremamente curioso.

Meu amigo João Vitalino Ribeiro Martinho, é um destes afortunados e dotados de uma habilidade imensa para escrever, desde os tempos da sua mocidade, quando andava por Coimbra a estudar.

Na imagem que mostro a seguir, tinha ele 22 anos e estava em Coimbra a tirar o seu curso.

Acho que tem um certo interesse comparar esta foto com a que já foi publicada, até porque ainda mantém bem os seus traços da juventude folgazã.

O Editor

Meu amigo Vitalino em mais um dos seus saborosos escritos sobre a sua vida no Ribatejo, de onde é natural e a sua forma peculiar de observar figuras genuinamente ribatejanas.

Manuel dos Santos Almeirão

1917-2002


João Vitalino Martinho

Naquela espécie de código de identificação que vigorou no Espinheiro durante muitos anos, Pincelico era a alcunha deste simpático e popular espinheirense.

Aqui está um caso paradigmático dum epíteto que, pelo diminutivo, já indica um tratamento carinhoso. Haverá uma razão que está na génese desta alcunha, como de tantas outras, simplesmente, ao comum dos mortais, paira sempre uma dúvida face a qualquer raciocínio dedutivo na tentativa de decifrar estes pequenos enigmas. Seja como for, Pincelico, de corpo franzino, com poucas forças para aguentar a rudeza da enxada, fez-se barbeiro.

Como parece comum a quantos enveredam pela arte de Fígaro tão cantada na ópera de Rossini, Pincelico era homem de diálogo fácil, uma espécie de repositório dos acontecimentos mais marcantes que recolhia e difundia na clientela frequentadora do seu tugúrio situado no largo principal da aldeia. Muito correcto e de trato afável adquiriu grande popularidade tendo merecido a estima de toda a gente.

Naquele tempo, durante a grande festividade do ano que era o Natal, vinham as bandas de música alegrar o coração de jovens e anciãos que se incorporavam atraídos por saxofones, tubas e trompetes.

Muitos dos nossos conterrâneos, simulando a postura gestual do mestre, lá seguiam nos desfiles pelas ruas atapetadas de mato, marcando o compasso com a mão, atitude que iria merecer recriminação, quando, acabada a festa e iniciadas as podas das vinhas, interrompiam o trabalho para imitarem o toque dos instrumentos e marcarem o ritmo com o serrote e a tesoura.



Numa aldeia em que qualquer acontecimento musical era festejado, pela raridade, havia como que uma ansiedade colectiva pelo prazer auditivo pelo que, quase toda a gente decorava os estilos que mais tarde serviam de modas para os bailes que eram abrilhantados por acordeonistas admirados e rodeados de todas as atenções. Entre eles tiveram grande projecção Eugénia Lima, o Luisico e o Guerra.



Seduzido pelo dedilhar das teclas, pelos reflexos luminosos dos acordeões e pela notoriedade alcançada pelos seus executantes, Pincelico sentiu um grande desejo de ser tocador.


Andou dias a simular o trabalho dos dedos nos teclados e botões, experimentou posturas corporais, anteviu belas perspectivas…..sonhou e…..decidiu.

Foi a casa do capitão Louro, contou-lhe o seu projecto…que os cabelos e as barbas não davam para viver…que sempre arranjaria mais uns tostões..etc. etc.


E….lá partiram para Lisboa donde trouxeram um avantajado instrumento de teclas..


Durante meses os vizinhos do Pincelico estiveram sujeitos a uma espécie de tortura própria duma aprendizagem sem mestre….frim…frum..frum…frim


( Ti Pincelico )

Verdade se diga que tal incómodo permitiu ao povo fazer uma espécie de avaliação dos progressos, até que um dia um grupo de rapazes o interpelou:


_ Ó Manel tu estás capaz de fazer um balho..!

E lá ajustaram o preço e a sala do Ti Urbino para fazer o lançamento do novo acordeonista.


Não se aventurou o Pincelico. Conscio das suas limitações tocou umas marchas e umas valsas, Corridinhos ainda não….Mas como a rapaziada não era muito exigente e o que queria era ter pé para se agarrar às raparigas ( e elas a eles ),descontadas as fífias, foi o estreante aprovado com distinção neste test acordeónico.



Mas eis que surgiu um concorrente. O Joaquim Brites mais conhecido pelo Jaquim Leitão comprou um acordeão de botões, sujeitou-se ao percurso da aprendizagem e começou a fazer bailes.


(Joaquim Leitão)


Dividiu-se o povo do Espinheiro. Criou-se um grupo de adeptos de teclas versus outro dos botões. Acirrou-se a divisão e o que estava em jogo já não eram os acordeões mas as músicas tocadas pelo Pincelico e pelo Leitão.


Estes sempre amigos, divertiram-se durante décadas com as tropelias dos seus adeptos.


Ainda hoje, nos tios e tias dessa época, continuam arreigadas as suas convicções:


-Eu gostava mais do Leitão…!


- POIS EU, ERA DO PINCELICO….!

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