quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Voando em Asa Delta

Em 1983, tive conhecimento de que já havia em Portugal, algumas asas delta e que estavam a voar por todo o lado com sucesso, mas aqui perto de Benavente, só se ouvia falar dum tal Gomes da Costa do Carregado e de um José Manuel da Azambuja, que também possuia uma bela máquina de fábrica e bilugar. . .

Um certo dia, ali para os lados da Barrosa, uns quilómetros mais à frente, apareceu o Gomes da Costa com um atrelado onde vinha sua linda asa delta, que logo foi armada e posta pronta a voar.

Ele deu-lhe à corda, e aquela "coisa" ficou a roncar durante uns minutos, até que numa corrida curta, estava no ar e por ali andou a alta velocidade por cima de nós, até que chegou a altura de aterrar, mas aquilo vinha com tal velocidade, que não achei graça nenhuma àquela aterragem !

-Então ? pergunta-me ele, vamos ao baptismo ?

Ná... aquilo não me estava a agradar mesmo nada nem entendia o porquê dele ter feito uma aterragem tão longa e com tanta velocidade ...mas ele me respondeu que tinha de ser mesmo assim, para ser mais seguro...

Passado pouco tempo, aparece um automóvel e dele sai um jovem que logo se dirigiu ao Gomes da Costa e pelos vistos era pessoa muito sua amiga, porque logo se montou na maquina e aí vai ele para o ar. Eu estava desejoso de observar a sua forma de aterrar, mas ele conseguiu fazê-la com tal perfeição e suavidade, que fiquei encantado ! Assim sim; pensei eu, assim já me encantas...pensei eu.

Na foto acima, lá me escarranchei no banco de trás e logo de seguida, entre as minhas pernas abertas, o piloto tomou o seu lugar e lá vamos nós ! Aquilo, afinal, também voava muito mais lentamente e assim, era menos assustador...

De imediato, e com meu genro a assistir e também a ter o seu baptismo de voo, logo nos resolvemos ter uma máquina daquelas, mas feita em casa, com o material de que pudéssemos dispor.

José Manuel explicando ao Jorge como se faz, para pilotar as asas delta.

Nas explicações de pilotagem, há sempre muita mímica.

Passado pouco tempo, já o triciclo estava a correr pela estrada, mas sem asa, só para experimentar um pequeno motor de automóvel Citroen de 2HP, e só nos faltava adquirir uma asa de fábrica.

Um certo dia, veio visitar-nos o José Manuel que vendo o estado do triciclo, logo nos acrescentou que tinha lá para vender, uma asa de voo livre, mas que com uns certos reforços, poderia perfeitamente voar com o peso do nosso triciclo e ficou logo ali resolvida a sua compra por 80 contos. Era uma Choucás francesa, que ele no dia seguinte nos trouxe e rapidamente se aprontou o sistema de a agarrar ao triciclo e vai de levar o "estojo" para a Quinta da Foz, onde o brinquedo foi posto a funcionar e pilotado pelo próprio José Manuel, e aquilo foi canja ! Voava que era uma maravilha !

Mas nem eu nem o meu genro, percebíamos nada daquilo, e especialmente eu, estava com um medinho dos diabos... Felizmente que o meu genro já tinha voado muito em Angola, de helicoptero de que era mecânico, mas pilotar aquele "aranhiço" era outra coisa !!!

Nós nem sabíamos que para fazer qualquer máquina voadora subir, era necessário meter motor e pensávamos que bastaria aumentar o ângulo de insidência das asas, o que originava de imediato uma perda de velocidade e, certamente uma entrada em perda, sem qualquer controlo...

Aquilo metia-me muito receio, porque estas asas se abrem como um guarda-chuva e elas ficam esticadas, à custa num pequeno trinco ! Se aquilo salta, com a asa em voo, fechando-se a asa, é morte certa... e já não era a primeira vez que isso havia acontecido a outras pessoas... Assim, vai de reforçar este "trinco" !

Assim, vai de correr com a máquina, mas mal aquilo descolava, logo ele aterrava ! Assim andou aos saltinhos de meio metro, mas coragem para ir mais alto...é que nada !

-Oh Jorge, então quando é que tens coragem para ir mais alto ?, perguntava eu. Então já fazes a pista toda pelo ar e aterras lindamente, porque não te "astreves" (como se diz por aqui) a ir mais alto ? - Tenho medo, muito medo de não conseguir fazer a aterragem, por se ter acabado a pista, respondia ele !

Mas certo fim de semana, estava uma tarde lindíssima e ele já tinha feito várias "rapadas" perfeitamente controladas, quando me lembrei de lhe fazer uma partida; iria barrar-lhe o caminho e ele não teria outro remédio que não fosse ganhar altura e passar-me sobre a cabeça, o que veio a acontecer e a partir desse instante, ele ganhou toda a confiança e passou a voar bem por cima dos 5 e 10 e 20 metros, deixando sempre terreno suficiente, para fazer uma aterragem decente, o que sempre conseguia.

Voando cada vez mais alto...

Outro fim de semana, estávamos nós a brincar com a máquina e eu só a ver....quando apareceu da Azambuja, o José Manuel e mais uma data de rapaziada para aprender, mas numa das suas voltas, a sua máquina enguiçou e ele teve de fazer uma aterragem de emergência muito longe da pista, aí uns 1000 metros para o lado.

O Jorge lá continuava sempre com a brisa de frente, nas suas corridas desde o início ao fim da pista, quando eu lhe disse:- Oh pá, vai lá ver o que se passou, para sabermos se temos de lá ir de automovel, ver se alguém se magoou. Ele ficou um tanto amarelo, por saber que iria voar com vento lateral e por trás, situação por que ainda não tinha passado, mas lá entusiasmou e depois de ganhar altura, finalmente, saiu pelo lado da pista e voando a uns 50 ou 60 metros de altura, lá foi e depois voltou e aterrou perfeitamente, informando que não tinha havido azar especial, porque estavam a desenrascar-se.

Tínhamos um novo piloto de asa delta, mas agora em Benavente.

Mas ele queria mais potência disponível, pelo que vai de engenhar outro motor e mais outros, mais hélices e menos hélices. Aquilo estava a prometer, mas as máquinas estavam cada vez mais pesadas, pelo que ele se entusiasmou e foi comprar um motor ROTAX 503, de 40 HP e uma asa Cosmos novinha que foi buscar a França.

Agora, havia que construir uma coisa mais aperfeiçoada, chegando-se a construir 6 triciclos, agora bi-lugar e já se podiam fazer voos muito mais longos e confortáveis. O triciclo abaixo, foi todo feito em tubos de aço inox que eu soldava mesmo aqui na garagem, a electrogéneo, num soldador de construção caseira.

A minha filha que nunca teve medo de nada...passou a andar constantemente com o marido e se deliciava com o voo, muitas vezes até, em Porto Covo, a ir de asa delta para a praia ... perante a admiração e espanto de toda aquela gente.

Também lá, voei com ele sobre aquelas lindíssimas praias e também aterrei na praia, tendo uma vez ficado bastante molhado, porque mal íamos a tocar na areia, vem uma onda espraiar-se na areia dura e ...pimba, rodas na água e tudo encharcado ! Depois de lá estarmos a apanhar uns bons banhos de Sol, voltámos a descolar e ir pousar num pequeno terreno que nos haviam facultado, por estar livre de agricultura.

Infelizmente, uns anos depois, aquele casamento deu o estoiro e o meu genro desapareceu do mapa, constando que havia fugido para Moçambique, cheio de dívidas e por lá morrido.

Assim se acabou a história das asas delta !

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