quarta-feira, 1 de novembro de 2006

O meu primeiro voo



« O MEU PRIMEIRO VOO »

O meu interesse pela aviação, já vem de longe, quando o meu primeiro filho Mário, agarrou uma malvada tosse convulsa e os médicos me informaram de que o único tratamento possível, era o de levar o miúdo a voar. Indagado onde o poderia fazer, logo me informaram de que no Campo de Aviação da OTA, às quinta feiras, havia voos para crianças com aquele problema e assim, lá fomos os três, o miúdo, minha mulher e eu, para a OTA, num Velho carro que já tinha tido alguns 10 donos.

Estávamos em 1955, e o dia estava muito lindo.

Eu já havia visto no ar, aqueles monstros e horríveis aviões JUNKER, de 1915, usados na guerra 1914/18, mas ali ao pé...oh valha-me Nossa Senhora, aquilo era tenebroso ! Aviões muito velhos, para transporte de para quedistas, estava mesmo demasiado velho, para me gosto... além disso o seu corpo era todo de chapa ondulada e pintada à laia de camuflagem. A sua asa única e enorme, dava-lhe no entanto, um voo muito lento e um planeio enorme ! Aquilo, com os motores parados, podia voar imenso tempo a planar.

Mas o pior ainda estava para vir, quando vejo aproximar-se um corpo de bombeiros que se plantou em frente aos motores, de mangueiras apontadas, e quando o piloto, um tal alferes Canavilhas, deu o arranque, aquilo começou tudo a arder, com a gasolina a escorrer pelas asas abaixo, mas que logo os bombeiros conseguiram apagar com uma violentas mangueiradas.

Mau, mau...pensei eu, se isto começa assim, estou aqui, estou a dar uma volta, não tarda muito...mas lá arrancaram todos os três motores, sempre acompanhados do derrame de combustível incendiado !

Para meu gosto, aquilo estava mesmo a correr mal, mas lá foram entrando todas as pessoas carregando os miúdos com tosse convulsa e, pelos vistos, ninguém se mostrava preocupado com aqueles "incendiários" motores, porque certamente já estavam habituados àquele espectáculo, até que chegou a minha vez e muito desconfortado de espírito, lá agarrei o miúdo e me fui assentar no banco de tela, corrido da frente até atrás, em que as pessoas ficavam frente a frente, quase a bater com os joelhos umas nas outras.

Estes aviões, quando parados, ficavam com o rabo no chão e o motor da frente, lá muito alto, eu sei lá, a uns 5 ou 6 metros de altura, ou talvez mais, pelo que o corredor central ficava em rampa bastante íngreme e toda a gente ficava assentada com o rabo torcido. O banco de tela, estava muito gasto de tanto ser usado e cá para fora, não se via nada, porque não tinha janelas. Como o único lugar disponível, era lá ao cimo daquela "rampa", eu fiquei mesmo à porta da cabine de comando, onde podia apreciar não só o piloto e co-piloto, mas também toda aquele estranha "relojoaria" que estava à sua frente. Mesmo ao meu lado, havia uma data de aparelhos de rádio que vim a saber estavam todos avariados...

Passados uns minutos de tanto roncarem os três motores, senti que aquela "coisa" se estava a movimentar e acompanhado de imensa "música" de toda a garotagem a tossir, lá nos aproximámos do fim duma larguíssima pista, onde aquela horrorosa máquina deu meia volta e ficou apontada à pista.

O piloto vergou o tronco na nossa direcção, certamente para se inteirar de que estava tudo assentado e vai disto...motores a roncar à bruta, o avião a tremer com varas verdes... e ali vamos nós pela pista fora, mas agora com o avião a ficar horizontal e umas dezenas de metros à frente, já estávamos no ar e assim continuámos, com o pouco que se podia vislumbrar através dum minúscula vigia, tudo a tornar-se mais diminuto, lá em baixo, e assim continuámos a subir durante mais um bom bocado.

Aquilo até era giro, realmente !

De vez enquando aquela bruta geringonça dava uns abanões desconfortáveis, porque assustadores, mas logo se endireitava e prosseguia.

Eu vim a saber que o avião teria de ficar a voar durante cerca de uma hora e a uns 2000 metros, para que a diferença de pressão fizesse algum bem aos delicados pulmões irritados das crianças. Na realidade, a "música" da tosse, havia baixado de volume e ali estávamos nós, pacientemente, à espera que se passasse aquela chata hora...dando a impressão de que o avião estava parado no ar...

Quando acabou o tempo, lá viemos lentamente por ali abaixo, com os motores a roncar agora suavemente, até que aterrámos e saímos.

Este primeiro voo, foi uma odisseia e, como tinha de ser repetido várias vezes, convidei várias pessoas de família e amigos, para serem eles a transportar o miúdo e a sentirem na pele as sensações reais do voar, o que veio a acontecer. O meu filhote, fora os ataques de tosse, agora cada dia menos intensos, era tão manso, que não se importava nada de andar de mão em mão, naquelas trocas das pessoas que o tinham de transportar ao colo e nem protestava.

Passados 50 anos desses voos, o meu filho agora já pai e avô, nunca mais teve qualquer problema pulmonar.

Sem comentários: