quarta-feira, 1 de novembro de 2006

O meu primeiro quadro a óleo

A minha paixão pela pintura já vem de criança.

Sempre me encantaram as paisagens com Céu, montanhas, árvores e água, talvez influenciado pelas lindíssimas paisagens da ilha onde nasci, S. Miguel, nos Açores.

Já nos meus tempos da Escola Primária, 1932, existiam as aguarelas, mas aquilo era um luxo e difícil de arranjar no mercado açoriano. Por outro lado, eu não tinha ninguém que me ensinasse e o mais que eu poderia fazer, era "uma grande borrada"...

Uns anos mais tarde, quando já tinha 17 anos, e em tratamento a um grave problema pulmonar, num Sanatório do Caramulo, fui lá encontrar um velho doente, amante da pintura, e pintor, de Coimbra, com mais 30 anos do que eu, de quem me fiz amigo e, um dia, agarrando numa pequena caixa de aguarelas com somente meia dúzia de cores... comecei a tentar copiar uma fotografia dum palheiro rodeado de árvores por todos os lados, mas como a fotografia era a preto e branco, eu estava mesmo aparvalhado, sem saber que cores poderia dar àquilo.

O meu amigo Gavião, assim se chamava ele, aproximou-se sorridente, para me ajudar e, molhando bem o pincel, toca numa cor e logo outra e mais outra, ficando eu com as minhas caixinhas das cores todas borradas, a ponto de eu até ter dificuldade de saber as cores que lá estavam...mas que grande xaropada...

Depois levou aquele pincel "todo borrado de várias cores" à tela, e num repente, toca com ele em certo sítio e, de caminho, como se tivesse apanhado um choque, afastou-se da tela, para apreciar o que tinha acontecido. E que bonito aspecto de cores ele conseguiu ! Eu estava maravilhado, pois julgava que aquilo teria de ser cor a cor, mais água menos água, mas não...o pincel do amigo Gavião, levava sempre várias cores agarradas, eram verdes com amarelos e laranjas eu sei lá ...

Vai daí e pasmado com os resultados, lhe perguntei: Como consegue descobrir essas cores ? Ao que ele me respondeu, apontando a fotografia,- neste beiral do telhado, estão a ser refletidas várias cores de tudo o que o rodeia. Assim, eu sei que terá verde das árvores, mas vários tipos de verdes, devido à sua folhagem, pelo que tenho de inventar esta amálgama de verdes, mais claros e mais escuros, mais alaranjados ou azulados e, como nenhuma delas é única, eu tenho de levar o pincel "borrado" de várias e, depois de tocá-las na tela, mas só tocá-las, tenho de me afastar para apreciar o efeito e melhorar as próximas pinceladas.

Aquilo era realmente muito complicado para a minha cabeça, mas realmente era uma grande lição e estava pasmado com a habilidade daquele velho que tinha idade para ser meu pai ! Que habilidade e facilidade ele tinha ! Agora que sou muito mais velho do que ele, naquela altura, nem me sinto assim tão Velho...

A certa altura, ele perguntou-me: Que cor davas aqui ? e eu como só via preto, disse "preto" !

Olha, respondeu-me ele, de imediato, na pintura não há preto. O preto é a ausência de todas as cores, não existe, assim como o branco é a junção de todas as cores. Fiquei ali a cismar naquilo, pois me parecia que se juntasse uma data de tintas numa lata, teria preto e não branco ! ... Aquilo era demais para os meus conhecimentos, mas vindo de quem vinha, devia estar mesmo certo !

Aquela primeira lição, encheu-me a alma de esperança de um dia eu ser capaz de pintar melhor. Essa oportunidade veio uns anos mais tarde, quando já casado, e com 27 anos, fui morar para uma casa com todas as paredes brancas e a necessitar de as alegrar com algumas pinturas, nem que fossem, mamarrachos... mas mal eu sabia no que me estava a meter...

Fui a Lisboa e procurei uma casa de tintas, pinceis e telas, além dumas bisnagas de tinta, o mínimo possível, porque o dinheiro disponível era o mínimo. Mas quando a simpática menina me perguntou que cores eu desejava, e eu lhe disse azul, pensando nos céus e águas...ela me pergunta, com ar admirado, que tipo de azul ? Na verdade eu sabia lá que azul eu queria...era azul e mais nada...

A menina, vendo a minha profunda ignorância, sorriu e abre-me à frente dos olhos um enorme cartaz de tintas com mais de 1000 tipos de azul ! Agora é que eu estava mesmo no mato, mas pensando que sempre poderia juntar branco, escolhi um azul mais ou menos forte. Aí a menina perguntou-me que tipo de quadro eu desejava pintar, ao que eu respondi, ser uma paisagem com montanhas, árvores, flores, água, etc.

Depois foi o mesmo com os verdes, os castanhos, os amarelos, os torrados...eu sei lá ...eu nem sabia que havia tantos milhares de cores...

Depois quando pedi pinceis, em vez de uns 10 ou 12, ela mostra-me umas centenas deles ! Lá estava eu no mato em frente àquela sorridente funcionária, a gozar com a minha aflição, mas lá me resolvi pela escolha duns tantos, uns mais largos que outros, dos mais baratinhos...

Depois também queria uma tela e, também para meu espanto, em vez de um tipo, ela me põe à frente uma molhada de centenas de tipos, como se eu fosse escolher um tipo de fazenda para um fato...

Ai, valha-me Nossa Senhora...no que eu estou metido ! Mas porque o preço variava e muito, acabei por escolher um dos mais baratos, até porque tinha a consciência de que era a minha primeira pintura a óleo e não podia ser muito exigente. Assim, agarrei aquela trapizonga toda, e aí venho eu de Lisboa para Benavente, sempre a pensar, que imagem eu desejava pintar. Como eu já estava a pensar no assunto há uns tempos, tinha uma fotografia a cores duma paisagem italiana, que me agradava e de imediato, vai de começar a localizar onde iriam ficar as montanhas, a água, as árvores, etc.

E vai de por um bocadinho de tinta numa espécie de paleta improvisada e lembrando-me do meu velho amigo Gavião, vai de roubar um pouco de verde, misturado dum pouco de amarelo e alaranjado, e vai de "sujar" a prancheta ! Aquilo até estava a ficar giro, mas em vez de começar pelos fundos, na minha profunda ignorância, havia começado pelo que devia ser o fim... -Olha que gaita, pensei eu, então agora como é que vou pintar as montanhas e água, que estão por trás ? Agora é que estou lixado !

Então resolvi, muito amargurado, encharcar um trapo com água-raz e vai de limpar aquela treta toda ! Minha rica senhora, agora a branca tela, estava toda borrada de milhentas cores, mas tinha de ser ! Felizmente que eu havia usado o mínimo de tintas, à laia das aguarelas, e vai de recomeçar tudo agora, pelos fundos, e a pouco e pouco chegando-me para o centro mais bonito, onde estavam, as árvores reflectindo-se na água. Às tantas, ouço a voz da minha mulher mesmo atrás de mim, que se havia aproximado silenciosamente, e a dizer: eu não acrescentava mais nada, porque isso já está bem bonito !

Mas eu sentia que ainda muito havia que fazer e continuei mais uma data de tempo, a experimentar esta e aquela cor e a ter constantemente de lavar os pinceis em água-raz, para poder mudar de cores.

Seja como for, quando chegou o fim daquela tarde, o quadro foi pendurado na parede a que era destinado e ali ficou até hoje, passados mais de 50 anos, pendurado a secar...

Obviamente, depois do primeiro quadro, veio o segundo e mais uma data deles, pelo que toda a casa tem as paredes "pintadas"...

Os quadros cima, foram fotografados com uma câmara digital barata, pelo que as cores devem estar muito longe da verdade, mas isto também, era só para dar uma ideia...

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